Ficou mais do que banal a frase de Tom Jobim que dizia que a saída para o Brasil era o Galeão. Não, na verdade a saída para o Brasil é Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim. E olha que não estou falando do aeroporto internacional que tem seu nome. Há poucos dias li no Globo uma crônica de Artur Xexéo, em que ele prestava justa homenagem a uma das mais talentosas cantoras brasileiras – e que, seguindo a tirada do Tom, só faz sucesso após levantar vôo do Galeão, perdão, do Aeroporto Internacional Antônio Carlos Jobim.Descobri Rosa Passos por acaso, num cd comprado numa banca de jornal em Ipanema. Era uma coletânea com vários intérpretes da MPB, com capa simples e como a maioria das que circulam no mercado, não continha nenhuma referência aos músicos que participavam das faixas. Rosa interpretava “Juras”, sua canção em parceria com Fernando Oliveira. Escutei a gravação várias vezes, impressionada com o timbre raro e belo da cantora, uma mistura de jovialidade, ritmo, delicadeza e precisão.
Percorri lojas de cds e sebos em busca de obras e outras informações sobre Rosa Passos. Depois de muita procura encontrei um cd somente com canções interpretadas por ela. Era também mais uma coletânea, mas que contrariando a regra, registrava o nome dos compositores, dos arranjadores e dos músicos. Só daí então fiquei sabendo que Rosa também é uma exímia arranjadora e violonista. O arranjo elaborado junto com o baixista Jorge Helder para Águas de Março é absolutamente genial: sincopado, cheio de quebras inusitadas que realçam ainda mais a construção melódica de Jobim. Eu que considerava a gravação dessa música insuperável com o duo Elis e Tom, acabei mudando de opinião.
Rosa Passos lançou Recriação, seu álbum de estréia em 1979. Só retornou a gravar nove anos depois. Assim como Leny Andrade, Joyce, Wanda Sá, Egberto Gismont, César Camargo Mariano, Flora Purim e outros, Rosa é mais conhecida e respeitada fora do Brasil. Reverenciada pelos mais importantes músicos nacionais e internacionais, ela faz sempre turnês por toda a Europa e Japão e já recebeu convites para morar na Espanha e nos Estados Unidos.Brasileira na alma e no som, a baiana até hoje não quis trocar o Brasil, sua terra quente, pelo caloroso público estrangeiro. Um dia desses vi e ouvi Rosa num especial da Tv Câmara. Acompanhada apenas por seu próprio violão, ela cantou canções de seus dois recentes trabalhos, “Amorosa”, dedicado ao mestre João Gilberto, e “Rosa” (só voz e violão).
Ambos lançados no exterior, reúnem um repertório de altíssima qualidade. Seu último cd, “Rosa”, em que a cantora, compositora e violonista é responsável por todos os arranjos, é uma obra-prima. Rosa Passos recria “Sentado à beira do caminho” de Roberto e Erasmo Carlos, transformando-a numa bossa nova sofisticada, em que a letra ganha uma dimensão mais humana e menos kitsch. Sutilezas é uma das mais belas composições do cd, uma canção que acredito biográfica, onde a cantora mostra todo o princípio estético-musical por ela desenvolvido. Rosa canta com uma divisão única, as palavras saem suaves, puras, sem nenhum exagero ou excesso: “Eu busco o som macio na aspereza/ Dos dias com ruído de metal/A água, a calma, a ave, a natureza/ Os ecos de um mundo celestial/ Eu busco no tom da delicadeza/ As sutilezas do mundo real/ Por onde é mais tranqüila a correnteza/Eu levo o barco em meio ao temporal”.
Rosa Passos é a discípula mais fiel de João Gilberto, uma cantora com autonomia e personalidade. Em “Amorosa” ela recria standards interpretados pelo cantor baiano como: Pra que discutir com madame, Eu sambo mesmo, O pato, Wave, S’Wonderful, Retrato em branco e preto e Lobo bobo. João Gilberto é seu maestro soberano – e essa paixão é explicitada na canção dedicada ao artista, Essa é pro João, em parceria com Arnaldo Medeiros: “João Gilberto, amigo, eu só queria/ lhe agradecer pela lição/ Desses seus acordes dissonantes/ Desse seu cantar com perfeição/ E até o apagar da velha chama/ Eu quero sempre ouvir o mesmo som/só privilegiados tem ouvidos/mas muito poucos deles tem seu dom/ seu dom, que bom”.
Rosa é cotada entre as grandes intérpretes do jazz. Isso não é à toa, já que suas referências se estendem a Elis Regina, Billie Holiday, Nanse Wilson e Betty Carter. Com manemolência, swing e afinação Rosa imprime sua marca definitiva em qualquer canção que interpreta. A emoção se traduz num canto límpido, e num violão arrojado que dispensa o auxílio de qualquer outro instrumento que não seja a voz.
Ouvir Rosa é sentir-se enamorado pela vida, é apurar a sensibilidade e deixar aflorar tudo o que é delicado como seu canto, suas palavras e seu sorriso. Rosa é uma rosa. Uma rosa, uma rosa.
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