sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

MPB Ludificada









Fiz essa crônica para as minhas amigas lúdicas Isabella Ladeira e Rosana Brito.Agora tive a honra de escrever o texto de apresentação para o Dvd que elas acabam de lançar. Vale a pena ouvir e se ludificar com essa turma de mineiros da pesada. Sucesso!!
Diversões lúdicas
Teatro Sesiminas de Belo Horizonte lotado, cortinas se abrem e os lúdicos atacam: “Abre alas pra minha folia/Já está chegando a hora/Abre alas pra minha bandeira/Já está chegando a hora”. A canção de Ivan Lins e Vítor Martins renasce plena de força e lúdica magia, servindo de passaporte para um universo de ritmos, invenções e alegria. É sempre com encantamento e emoção de descoberta que assisto às apresentações do Lúdica Música!. Guardo na memória o momento único em que, há dezessete anos, vi pela primeira vez Isabella Ladeira, Rosana Brito e Joãozinho da Percussão apresentando-se no extinto Teatro São Mateus, em Juiz de Fora. A performance dos três era incrível: com apenas um violão, vozes e instrumentos percussivos o grupo fazia um som sofisticado e com uma marca autoral muito própria. Eles eram acústicos antes que o gênero se tornasse moda.
Acabo de ver o dvd Diversões lúdicas e comprovo com satisfação que sou testemunha da história de formação da carreira do Lúdica Música. Diversões Lúdicas é o reflexo-resultado do trabalho desses músicos que só vêm ganhando em qualidade e amadurecimento no longo percurso pelos palcos do Brasil e do exterior. Com leveza, afinação, criatividade e astral nas alturas as band leaders Rosana Brito e Isabella Ladeira conduzem o espetáculo ao lado dos músicos: Gutti Mendes (guitarra), Gladston (bateria), Messias Lott (baixo) e Gustavo Lira (percussão).
A produção impecável se nota desde a concepção visual do encarte do dvd, que segue as prerrogativas lúdicas do grupo. Érika Machado desenhou para a capa duas graciosas meninas que reproduzem com riqueza de detalhes as cantoras e instrumentistas Rosana e Isabella. Muitas cores se distribuem num espaço aberto para a interatividade em que a lei é se divertir com o caça palavras, o labirinto, e as duas cantoras-bonequinhas que também estão dentro do encarte para serem cortadas e ganharem movimento, vestidas de acordo com o desejo do ouvinte. Sedução pura!
No palco, os músicos revisitam canções consagradas do repertório do primeiro disco (época do vinil) como Narciso, de Rosana Brito, e Samba na cidade, de Carlinhos Vergueiro. A relação de afeto e cumplicidade entre Carlinhos e os artistas é revelada no making of, em que em momentos de descontração eles relembram antigos repertórios e até debatem a condição do artista brasileiro. A síntese exata fica com o Samba na cidade: “Trabalho o ano inteiro sem tocar no rádio/Vida de artista marginalizado/ Nada pra beber, nada pra fumar/ Nada pra ligar, assim não dá/ Se não der vai ter que dar/ Como é que vai ficar/Quero um samba na cidade/ Eu não posso morrer de saudade”.
O espetáculo engrandece com a participação de convidados como Vander Lee, Maurício Tizumba, Chico Amaral e as meninas do Harém da Imaginação. O maior trunfo do grupo é o poder que ele possui de recriar canções. Nos momento que o “Lúdica” privilegia o humor, a interação com a platéia é absoluta. Tudo parece ir se inventando e reinventando no calor da hora, e carnavalizar torna-se imperativo nas performances. Isabella toca pandeiro e canta dialogando com Rosana que devolve pra Gutti, que emite uma nota respondendo à recepção do público.
Um dos momentos mais tocantes do show acontece quando o Lúdica Música se junta a Maurício Tizumba e às meninas do Harém da Imaginação, para interpretar Bandeira do Divino, de Ivan Lins e Vítor Martins. A releitura ganha um arranjo que valoriza o lirismo, onde a herança africana acentuada pelo canto de Tizumba, e suas evocações que remetem às manifestações do congado, explicita a força da musicalidade das Minas Gerais. O canto das meninas do Harém produz uma sonoridade única em contraponto com as vozes de Rosana e Isabella. Vale destacar os momentos em que elas cantam em uníssono, numa afinação absoluta. A voz mais para grave da cantora Rosana se casa muito bem com o tom mais agudo de Isabella e elas exploram todos os recursos que esse contraste favorece.
Cotidiano de Chico Buarque também adquire um novo e interessante formato na versão lúdica. Os versos do compositor, que exacerbam o movimento enfadonho da rotina de um casal, são interpretados numa levada monocórdica em que Isabella toca o bumbo como se fizesse a marcação dos momentos repetitivos do dia: “Todo dia ela faz tudo sempre igual/me sacode às seis horas da manhã/me sorri um sorriso pontual/e me beija com a boca de hortelã//todo dia eu só penso em poder parar/meio-dia eu só penso em dizer não/depois penso na vida pra levar/e me calo com a boca de feijão”.
O ouvinte/espectador, além de usufruir do show, tem a oportunidade de conhecer a história do grupo desde sua formação. Fotos de arquivo, depoimentos e imagens raras envelhecidas pelo tempo compõem a trajetória desses artistas que demonstram acima de tudo a preocupação com a expressão de uma música que revela intensa brasilidade. Sem cair no kitsch da atração para turista.
Emocionou-me o depoimento de Ivan Lins, o “sócio avalista”, conforme a designação dos lúdicos. Ivan também faz parte da história do Lúdica Música!, tanto que pouco conteve a emoção ao dizer: “Como elas são bárbaras. A forma como vocês apareceram na minha vida, como mineiros completamente iluminados, alegres, completamente entregues à música. A linguagem de vocês é muito impregnada dessa mineirice.Vocês têm o maior respeito pela música e vocês fazem a música de vocês e acreditam na música como a liberdade”.
O show vai chegando ao fim e a platéia se mostra completamente seduzida, entregue, solta, risonha. Essa é pra acabar, canção alto astral e cheia de senso de humor de Luiz Tatit, se encaixa como uma luva no repertório dos lúdicos, que tentam encerrar o espetáculo que parece nunca ter fim: “Sempre foi difícil terminar/sempre é um suplício esse momento/mas temos que acabar/não adianta essa demora/se tudo acaba um dia/ então por que não agora?/ Vamos entender esse momento/Vamos acabar enquanto é tempo...”
Incluo-me na categoria de Ivan Lins: sou sócia, fã, avalista do Lúdica Música!. Sucesso pra vocês!



MPB Ludificada

Juiz de Fora, noite quente de sábado nos idos de 1991. Eu comia batatas fritas com queijo e coca cola comum (naquele tempo não havia ainda a febre dos diets), enquanto papai tomava copos e copos de chope e vez ou outra dava uma beliscadinha na batata. Estávamos no extinto teatro São Mateus, aguardando o show do Lúdica Música. Na verdade quem esperava a surpresa era eu, pois papai já tinha visto no mínimo umas quatro vezes e ficava me incitando com sua nova descoberta musical.


Não demorou muito e o palco se tornou pequeno diante da grandiosidade do trio: Joãozinho da Percussão, Rosana Brito e Isabella Ladeira. O impacto visual guardo na memória até hoje: uma mulher muito grande e bela e dois baixinhos geniais. Levou poucos segundos para que essa primeira impressão passasse e desse lugar a uma alternância infinda de tamanhos, timbres, posições, suíngues e levadas. O grupo fazia jus ao nome que me seduziu tanto: a “base não era uma só”, mas uma mistura riquíssima de improvisações rítmicas, que era a encarnação original de uma estética carnavalizadora.

Nada de querer compará-los com os tropicalistas, Novos Baianos, sambistas e nem com os papas da MPB. O Lúdica Música nasceu com identidade própria, fruto de um mergulho antropofágico no que de melhor se produziu e se produz na música popular brasileira.Mantendo-se com um trabalho independente dos apelos mercadológicos, o grupo comemora seus quinze anos de existência com o cd “Então eu canto e nem me lembro pra onde as coisas vão”. Rosana Brito e Isabella Ladeira, líderes da banda, cantoras, compositoras e instrumentistas, estão visivelmente amadurecidas. A bela voz de Isabella, mais para o agudo e com enormes potencialidades de expressão, faz contraponto com o timbre mais grave e o timing perfeito de Rosana. Esta é daquelas cantoras raras, Rosana “tem cabeça de músico”, como dizia o João Medeiros, que entendia tudo e mais um pouco sobre a boa MPB. Se me explico bem, cantoras com “cabeça de músico” são aquelas que não interpretam somente a canção, mas que são espécies de co-autoras. Acrescentam detalhes aqui, quebram o ritmo acolá, brincam com a segurança proporcionada por seus ouvidos privilegiados. Rita Lee e Roberto de Carvalho quando ouviram “Alô Alô Marciano”, na voz de Elis Regina, ficaram impressionados com os toques pessoais da Pimentinha.


Quase a totalidade das composições são de autoria das cantoras/compositoras mineiras, mas há também registros excelentes como “Enquanto a gente batuca” de Ivan Lins, Vítor Martins e Nei Lopes, “É ouro em pó” também de Ivan Lins e “Alma não tem cor” de André Abujamra. Além de ceder composições praticamente inéditas, Ivan Lins participa cantando e assinando o texto de apresentação.


O Lúdica Música esteve aqui em Cataguases, no Anfiteatro Ivan Müller Botelho, faz menos de um mês. Acompanhado pelo violão & voz de Rosana e pela voz e os múltiplos instrumentos percussivos de Isabella, o “Lúdica” trouxe dois novos integrantes que se incorporaram muito bem à sua sonoridade: Gutti Mendes (guitarra e vocais) e Gustavo Lira (bateria), jovens herdeiros do pop-rock, que, ao se fundirem com o legado MPB mais puro das artistas, devolvem ao ouvinte um som contagiante.


Como falou Rosana no meio do espetáculo: “Nós tocamos MPB, música popular boa. Tudo passa pelo nosso ludificador.” O ludificador devora, tritura e reconstrói preciosidades de Chico Buarque, Carlinhos Vergueiro, Geraldo Pereira, Lenine, Luiz Melodia, Tom Jobim, Monsueto, Caetano Veloso e outros e outros tantos.Esses lúdicos músicos transformam qualquer espaço em alegria, com cara e cheiro de Brasil. Vale sempre reouvir a impecável interpretação que eles fazem da divertida canção “Procotólo” de Carlinhos Vergueiro: “É o procotólo/ É a cardeneta/ É a falcudade/ É o estaltuto/ É o fenônemo/ É o pogresso/E é sempre um crima/ E aí vareia/ E a largartixa/ Que é o pobrema/ Esta é que é a questã/ Quanto menas vezes falar dela/é melhor/com sastifação”. São raros os casos em que o intérprete supera o compositor, “Procotólo” ganha um colorido especial com esses músicos. A cumplicidade entre eles possibilita o improviso constante, a cada apresentação a música ganha um novo toque. Há quinze anos acompanhando-os nos “bailes da vida”, para mim a sensação que fica é de permanente inovação. O som se faz no calor da hora, eles brincam com os ritmos, as palavras e acima de tudo com o imaginário popular.


“Alma não tem cor” é uma canção que recebe tratamento especial do “ludificador”. Uma rumba arretada que dá vontade de sair dançando, mamãe eu quero ir a Cuba já: “Alma não tem cor/ porque eu sou branco/ Alma não tem cor/ porque eu sou negro/ Branquinho, neguinho, branco, negão/ Branquinho, neguinho, branco negão/ Percebam alma não tem cor/ela é colorida, ela é multicolor”.No final do show artistas e platéia eram um arco-íris de alegria/energia. Por favor não confundam com a música da Xuxa. Acho que essa o Lúdica Música teria mesmo que passar num tradicional liquidificador.




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