quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Entrevista com o poeta Ronaldo werneck




Daniela Aragão: É uma satisfação muito grande realizar essa entrevista com você, pois afinal de contas desenvolvemos alguns trabalhos juntos como a gravação do meu cd dedicado à parceria Sueli Costa e Cacaso e algumas apresentações lítero musicais na ocasião da divulgação do seu livro Ronaldo Werneck revisita Selvaggia. Você inaugura a face literária do meu blog, pois os demais entrevistados foram todos da área musical. Então, como começou a literatura em sua vida?

Ronaldo Werneck – É um prazer estar aqui falando com você, Daniela. E, ainda mais, “inaugurando a face literária” do seu blog – que responsa! A literatura surgiu para mim desde muito cedo, devorando (antropofagicamente?) tudo que via pela frente. De início, os indefectíveis gibis, os quadrinhos de variados quilates. Depois, já em livro, histórias que já conhecia dos quadrinhos. “Tarzan dos Macacos”, de Edgard Rice Burroughs, o primeiro livro lido (e amado) do princípio ao fim. O prazer de “fantasiar”, de assimilar a história pela força das palavras, sem o apoio da ilustração. A palavra que se fazia imagem na mente. A palavra que até hoje se faz imagem, sua força, o poder que enriquece o imaginário. Um pouco depois, chegava a poesia. Perdão, os poemas. Nunca mais me libertei, nem quero, da palavra-prosa/palavra-poema. Fora da poesia, da proesia, não há salvação. Pelo menos para mim.

Daniela Aragão: Você foi funcionário do Banco do Brasil durante anos e no entanto praticamente só trabalhou no setor cultural não é?

RW – Sim, trabalhei no Banco do Brasil por mais de 30 anos. De início, na Bahia (Salvador, 1964). Depois, e até o final, no Rio de Janeiro. Na Bahia, fui durante um ano funcionário da Agência-Centro, cuidando de títulos de desconto e redesconto, coisas que, aliás, até hoje não conheço nadica. O que não é muita novidade. Mas, como datilografava muito bem, acabei aceitando trabalhar “por tarefa”. Isto é, datilografados os títulos do dia, podia ir embora. Foi o grande acontecimento de meus tempos de Bahia. Entrava no BB ao meio-dia, datilografava furiosamente até duas, três horas da tarde todos os títulos entrados naquele dia e “picava a mula”, como se dizia na época. Raramente saía depois da quatro da tarde. Aí, sim: a Bahia se abria para mim, no vigor dos meus vinte anos, absolutamente sem outro compromisso a não ser curtir o mar de Caimmy, às vezes o de Jorge Amado, que já não lia mais, voltado para outras leituras “mais sérias” (que bobagem!): poesia concreta, práxis, poesia, poesia (a “redescoberta” de Cassiano Ricardo, que acabara de lançar o “Jeremias sem Chorar”, paixão imediata, cheguei mesmo a escrever um artigo sobre o livro, publicado na época pela Revista da Bahia) cinema, cinema, muitos filmes e livros sobre cinema, muitas amizades com críticos, atores e cineastas. Enfim, foram de formação os tempos de Bahia. Depois, transferido para o Rio, passei a trabalhar na Direção-Geral do BB, redigindo pareceres sobre Crédito Geral, imagine as delícias!. Isso durou uns oito anos. Daí fui para a Cacex, a Carteira de Comércio Exterior, já como redator de um Boletim Semanal, que logo se transformaria num revista, publicação que editei por longos 18 anos. Da Cacex, fui para o CCBB, o Centro Cultural Banco do Brasil, trabalhando lá durante meus últimos cinco anos de Banco, como Editor de Textos e Assessor de Comunicação. Quer dizer, na balança dos anos de Banco do Brasil, atuei mais como jornalista e redator do que propriamente bancário. O que foi bom para o Banco e para mim, é claro, que trabalhava escrevendo, coisa que motiva a minha vida.

Daniela Aragão: Entre as suas obras uma das que mais me toca é Selva Selvaggia, que muito apropriadamente você apresenta: “o poema é um produto de noites mal-dormidas, dramas pessoais, crises metafísicas e financeiras...”.

RW – Selva Selvaggia, meu primeiro livro, lançado em 1976, é também o de que mais gosto. É o resultado de longos doze anos de leituras, pesquisas, vivências & escrevivências. Produto disso tudo que você diz aí acima (você, ou eu?). Traz a tiracolo a sedução da rebeldia dos anos 60, como disse o crítico Fábio Lucas. Deixo os comentários para os críticos, os vários críticos que escreveram sobre Selvaggia ao longo dos anos. É um livro que repercute até hoje: ainda há pouco, quase 40 anos após sua publicação, o crítico mineiro Leonardo de Magalhaens escreveu extenso artigo sobre Selva Selvaggia em seu blog (http://leoleituraescrita.blogspot.com).

Daniela Aragão: Além do profundo envolvimento com a criação poética você também incursionou pelo cinema não é? Um dos seus mais recentes livros é o dedicado ao cineasta Humberto Mauro. Este livro além de revelar um olhar analítico sobre a obra do cineasta traz ao leitor um pouco da amizade que vocês desfrutaram.

RW – Cinema sempre foi meu fascínio. Cinema & poesia, duas coisas que têm tanto a ver. Vide Eisenstein construindo sua teoria da montagem a partir do haicai japonês ou de imagens extraídas de poemas de Pushkin. Vide Godard (re)citando Rimbaud. Vide Fellini fazendo poesia com a câmera. Meu livro sobre Humberto Mauro (“Kiryri Rendáua Toribóca Opé”) – não por acaso o criador de uma poética rural com seus filmes –, mais que um ensaio-biográfico sobre o cineasta mineiro, é, na verdade, uma sequência de histórias comandas pele afeto, por nossa amizade, fortalecida por nossa convivência ao longo dos últimos dez anos de sua vida. Mauro era daquelas pessoas pra gente não esquecer nunca. Um ser único.

Daniela Aragão: Você publica com bastante assiduidade, parece que o drama da página em branco não te assola. Seus dois livros de crônica também recentemente publicados revelam sua paixão por filmes, quadros, atrizes, músicos, enfim, mergulhos culturais. Neste caso desponta certa ironia, mas sem pesar muito na acidez.

RW – Coisa de poeta-jornalista. De cronista-poeta. Ou o que seja. Escrevi a vida inteira por profissão, de tudo um pouco. Jornalista, fui da geral à polícia, da economia à cultura. Claro que é na cultura que me encontrava, editor de segundos cadernos e de suplementos literários. Isso tudo vem agora de cambulhada nas crônicas absolutamente descompromissadas de meus dois mais recentes livros, Há Controvérsias 1 e 2. Ironia? Sim, um pouco. Mas acho que a coisa pega mais pelo lado do bom-humor, que procuro manter, apesar dos pesares. Ou dos pensares mais profundos, o que me leva de volta à ironia, coisa de mais profundidade que a empáfia dos pensares, apesar dos pesares. Hoje, pra mim, prosa é prazer. Poesia, profissão.

Daniela Aragão: Quais são seus projetos atuais?

RW – A partir de 1995, quando me aposentei do Banco do Brasil, não parei mais. Sem controvérsias. Nunca trabalhei tanto como nos últimos anos. De volta à minha Cataguases, à “pacataguases”, publiquei vários livros, lancei um cd e escrevi inúmeros textos sobre artes plásticas & outras mumunhas mais. Agora mesmo estou finalizando o livro Pomba Poema & Outros Rios, a ser lançado este ano. Ainda em 2012, devo lançar “50 Poemas Escolhidos pelo Autor” e, para 2013, já está entabulada a edição de um alentado livro, devidamente ilustrado, compilando os textos que escrevi nos últimos 12 anos para a Fundação Ormeo Botelho, daqui de Cataguases, muitos deles para o Cineport-Festival de Cinema de Países da Língua Portuguesa. Pois é, cinema de novo. Cinema novo.

Daniela Aragão: Te desejo muito sucesso, sempre. Obrigada