Ele estacionou o carro na porta do estúdio e correu em minha direção: “Já sei como vou fazer a levada de “Amor Amor”, sonhei com as minhas mãos sobre as águas acompanhando o movimento das ondas do mar”. Gravamos a canção de imediato, o som que veio do sonho era traduzido em ritmo, delicadeza e precisão. Entre as dez faixas que gravamos, essa foi a única que saiu definitiva no primeiro take, fato interessante visto que tínhamos uma responsabilidade grande após o registro quase definitivo de Maria Bethânia.
Faz mais de um ano que tento escrever algumas linhas sobre Márcio Hallack, mas minha enorme admiração por ele me tolhe. Outro dia revi Elis Regina no programa “Ensaio”. Ela falava sobre sua sintonia com Milton Nascimento: segundo Elis, o compositor nem precisava colocar letra para que ela já soubesse e sentisse tudo o que ele queria dizer.
Penso que entre mim e o Márcio a música flui com a mesma magia da parceria Elis & Milton. Sensibilidade apurada, ele está sempre vislumbrando canções que me tocam. Não foram raras as ocasiões em que levei uma idéia que ele já estava desenvolvendo. A cada ensaio para um show, Márcio cria novas possibilidades de arranjo para as composições. Acrescenta, enxuga, desfaz e refaz seqüências, notas e acordes. Digo ao pianista que ele chega a me enlouquecer, em geral me responde com um sorriso: “Só estou experimentando, calma, vou te dar as entradas. Você já conhece a música, sabe cantar”.
No seu pequeno quarto-estúdio Márcio se cerca do piano, cds e partituras que não acabam mais. Como Villa-Lobos, parece-me que compõe com o ouvido de dentro pois não se perturba com o barulho externo e nem as intervenções de Ana Luiza, sua neta de seis anos que o ajuda a tocar as teclas.
Pianista de formação clássica e aptidão jazzística, Márcio me contou que a música lhe bateu forte pela primeira vez aos seis anos, quando foi assistir ao filme “Suplício de uma saudade”. Encantado com a melodia, tentou reproduzi-la no piano que existia em sua casa. Aos vinte e três anos ganhou em Barbacena o concurso “Jovem pianista”, interpretando “Apanhei-te cavaquinho” de Ernesto Nazareth, “Noturno” de Chopin e “Dança negra” de Guarnieri.
As influências de juventude como Chopin e Debussy ainda prosseguem: “Eu sigo os grandes mestres, os craques”. Entre o clássico, a MPB e o jazz, Márcio traz um legado musical riquíssimo que abrange Pixinguinha, Bill Evans, Tom Jobim, Beethoven, Milton Nascimento, Herbie Hancok, Chick Corea, Nelson Ângelo, Dori Caymmi, Radamés Gnattali e outras preciosidades.
Visceralmente apaixonado por música, ele fala e pensa em som todo o tempo. Quando senta-se em uma mesa para conversar sobre um assunto que não seja música, arruma uma maneira de se comunicar tocando sobre a superfície ao lado de copos, garrafas e talheres que acabam se transformando em instrumentos de percussão. De vez em quando cisma com algum compositor, a bola da vez é Moacir Santos: “Estou descobrindo cada coisa, você precisa ver as harmonias. É puro jazz o que eu estou fazendo”.
Ouço com freqüência e costumo apresentar para os amigos seus dois cds mais recentes, “Tudo azul” e “De manhã”. Neles está presente toda a essência musical de Márcio que toca, compõe e faz os arranjos da maior parte das canções. “De manhã”, música que abre o cd homônimo é de uma beleza ímpar. O arranjo de cordas elaborado por Gilson Peranzzetta dá uma grandiosidade liricamente melancólica à música, que serviria perfeitamente para compor a trilha de um filme.
Márcio compõe também sob encomenda para cinema – uma de suas trilhas prediletas é a que criou para o filme “Janela do caos”, de José Sette, inspirado na vida e obra do poeta Murilo Mendes. O pianista se diz um doido adorador de loucuras, apreciador de Buñuel, do surrealismo e de tudo o que extrapole as rédeas da normalidade: “Eu não sei se sou um aborto da natureza”.
Sou fascinada pelos artistas que parecem estar sempre à beira do abismo, entre o risco, o fracasso e o sublime. Márcio não tem medo de arriscar, atira-se nos labirintos do som pra sair mais dolorido, mais cansado, mais renovado, mais feliz, mais inquieto. Tom Jobim numa entrevista disse que perguntaram um dia a Elis Regina o que ela mais gostava de fazer na vida e ela disse: cantar. Márcio com certeza responderia: tocar.
Faz mais de um ano que tento escrever algumas linhas sobre Márcio Hallack, mas minha enorme admiração por ele me tolhe. Outro dia revi Elis Regina no programa “Ensaio”. Ela falava sobre sua sintonia com Milton Nascimento: segundo Elis, o compositor nem precisava colocar letra para que ela já soubesse e sentisse tudo o que ele queria dizer.
Penso que entre mim e o Márcio a música flui com a mesma magia da parceria Elis & Milton. Sensibilidade apurada, ele está sempre vislumbrando canções que me tocam. Não foram raras as ocasiões em que levei uma idéia que ele já estava desenvolvendo. A cada ensaio para um show, Márcio cria novas possibilidades de arranjo para as composições. Acrescenta, enxuga, desfaz e refaz seqüências, notas e acordes. Digo ao pianista que ele chega a me enlouquecer, em geral me responde com um sorriso: “Só estou experimentando, calma, vou te dar as entradas. Você já conhece a música, sabe cantar”.
No seu pequeno quarto-estúdio Márcio se cerca do piano, cds e partituras que não acabam mais. Como Villa-Lobos, parece-me que compõe com o ouvido de dentro pois não se perturba com o barulho externo e nem as intervenções de Ana Luiza, sua neta de seis anos que o ajuda a tocar as teclas.
Pianista de formação clássica e aptidão jazzística, Márcio me contou que a música lhe bateu forte pela primeira vez aos seis anos, quando foi assistir ao filme “Suplício de uma saudade”. Encantado com a melodia, tentou reproduzi-la no piano que existia em sua casa. Aos vinte e três anos ganhou em Barbacena o concurso “Jovem pianista”, interpretando “Apanhei-te cavaquinho” de Ernesto Nazareth, “Noturno” de Chopin e “Dança negra” de Guarnieri.
As influências de juventude como Chopin e Debussy ainda prosseguem: “Eu sigo os grandes mestres, os craques”. Entre o clássico, a MPB e o jazz, Márcio traz um legado musical riquíssimo que abrange Pixinguinha, Bill Evans, Tom Jobim, Beethoven, Milton Nascimento, Herbie Hancok, Chick Corea, Nelson Ângelo, Dori Caymmi, Radamés Gnattali e outras preciosidades.
Visceralmente apaixonado por música, ele fala e pensa em som todo o tempo. Quando senta-se em uma mesa para conversar sobre um assunto que não seja música, arruma uma maneira de se comunicar tocando sobre a superfície ao lado de copos, garrafas e talheres que acabam se transformando em instrumentos de percussão. De vez em quando cisma com algum compositor, a bola da vez é Moacir Santos: “Estou descobrindo cada coisa, você precisa ver as harmonias. É puro jazz o que eu estou fazendo”.
Ouço com freqüência e costumo apresentar para os amigos seus dois cds mais recentes, “Tudo azul” e “De manhã”. Neles está presente toda a essência musical de Márcio que toca, compõe e faz os arranjos da maior parte das canções. “De manhã”, música que abre o cd homônimo é de uma beleza ímpar. O arranjo de cordas elaborado por Gilson Peranzzetta dá uma grandiosidade liricamente melancólica à música, que serviria perfeitamente para compor a trilha de um filme.
Márcio compõe também sob encomenda para cinema – uma de suas trilhas prediletas é a que criou para o filme “Janela do caos”, de José Sette, inspirado na vida e obra do poeta Murilo Mendes. O pianista se diz um doido adorador de loucuras, apreciador de Buñuel, do surrealismo e de tudo o que extrapole as rédeas da normalidade: “Eu não sei se sou um aborto da natureza”.
Sou fascinada pelos artistas que parecem estar sempre à beira do abismo, entre o risco, o fracasso e o sublime. Márcio não tem medo de arriscar, atira-se nos labirintos do som pra sair mais dolorido, mais cansado, mais renovado, mais feliz, mais inquieto. Tom Jobim numa entrevista disse que perguntaram um dia a Elis Regina o que ela mais gostava de fazer na vida e ela disse: cantar. Márcio com certeza responderia: tocar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário