sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

A flor de Francis


Dia desses li que a cantora Ana Carolina teve uma recepção digna de uma dama. Lotaram seu camarim de rosas, pois ela canta insistentemente em todas as rádios do Brasil “Toda mulher gosta de rosas, de rosas, de rosas”. “Rosas, rosas, rosas/ Rosas formosas são rosas de mim/Rosas a me confundir”, entoa o velho baiano Caymmi. Uma rosa, é uma rosa, é uma rosa, é uma rosa, escreveu Gertrude Stein, que como nossa cantora nem tão dama era assim, dizem as más (ou boas?) línguas.


Sempre gostei muito de rosas, o que não foge à regra do ser feminino. Me seduzem principalmente as vermelhas, que costumo ganhar nos meus aniversários e em alguns shows pelas estradas da vida. Na impossibilidade de guardá-las eternamente, recolho algumas de suas folhas e coloco-as ao acaso nas páginas dos meus livros de poesia. Depois de algum tempo é prazerosa a sensação de ir lendo aleatoriamente os poemas marcados pelas folhas secas.No momento estou encantada por flores. Tenho escutado sem parar “Arquitetura da flor”, um dos mais recentes cds do compositor, pianista, arranjador e maestro Francis Hime. É uma ode à delicadeza este trabalho do Francis, realizado sob e sobre o exercício da paixão. A paixão pela música, pela poesia, pela natureza, pela mulher e pelo próprio estado sublime do enamoramento.



O lirismo é onipresente da primeira à última faixa. As parcerias com Geraldo Carneiro, Cartola, Olívia Hime, Toquinho, Abel Silva, Vinicius de Moraes e Simone Guimarães tematizam o amor em suas várias vertentes. Amor um pouco aos moldes ultra-românticos. como em “A musa da TV”, parceria com o poeta e letrista Geraldo Carneiro. Amor pela figura paterna em “Desacalanto”, parceria entre Francis e Olívia Hime. Amor pela natureza, que é o cenário-refúgio do ser desiludido em “Sem saudades”, de Cartola.


Neste trabalho Francis Hime optou pela leveza nos arranjos e nas interpretações. É um cd enxuto que valoriza principalmente o lirismo das letras e as características melódicas e harmônicas das músicas. Em alguns aspectos as canções soam como um “revival” da atmosfera descontraída e descompromissada da Bossa Nova do “amor, do sorriso e da flor”. O compositor assina o texto do encarte: “De uns tempos pra cá tenho conversado muito com Olívia e Geraldinho, divagando sobre o quanto as canções, a poesia, a vida enfim, são efêmeras. No entanto – ou talvez por causa disso – continuamos compondo, escrevendo, arquitetando, vivendo... cada vez com mais intensidade”.


Francis Hime começou a aprender piano aos seis anos de idade no Conservatório Brasileiro de Música e em 1963 iniciou sua parceria com o poeta Vinicius de Moraes, com quem compôs canções belíssimas como “Sem mais adeus” e “Tereza sabe sambar”. Francis é reconhecido acima de tudo em virtude de sua versatilidade, pois é um artista que faz uma espécie de “fusion” entre o erudito e o popular.


“A dor a mais”, parceria com Vinicius de Moraes, é um dos grandes destaques do álbum. O casamento perfeito entre a música de Francis e a letra de Vinicius: “Foi só muito amor/ Muito amor demais/ Foi tanta a paixão/ Que o meu coração, amor/ Nem soube mais/Inventei a dor/ E como ela nos doeu/ Ah, que solidão buscar perdão/ No corpo teu...”O piano minimalista de Francis introduz a canção com uma levada ao estilo Jobim, aquele velho “only one finger”. A precisão e a leveza da interpretação é intensificada pela pulsação da bateria de Téo Lima.


A palavra flor é referência em grande parte das canções. O samba “Sem saudades”, em parceria com Cartola, recebeu uma ótima interpretação na voz de Zélia Duncan. Apesar da letra de Cartola falar de um amor que passou, o clima da canção é pra cima, reforçado pelo dueto entre a cantora e Francis: “Ouvindo o gorgear da passarada/ Eu não senti mais nada/ Que lindo dia passei/Não penso mais em amores/ Ainda pouco jurei/ Passo o dia entre as flores/O espinho pontiagudo/Pela rosa faz tudo/ Defende-a do malfeitor/ Isso é que é ter amor.Recomendo

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