sábado, 6 de novembro de 2010

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Imagina



Talento musical é coisa que se herda por um legado consanguíneo, basta percorrermos as criações da família Jobim, Caymmi e Costa. Esta última tive o privilégio de conhecer de perto visto que são de minha cidade de origem: Juiz de Fora. Dona Maria Aparecida Costa, Sueli Costa, Telma Costa Lisieux Costa, Afrânio Costa, Élcio Costa, Branca Lima e Fernanda Cunha, a família Costa é talento musical jorrando por todos os poros. Cada integrante traz seu talento singular seja no ofício de tocar, cantar ou compor. Se fosse falar sobre cada membro dos Costa gastaria laudas e mais laudas, escolho então a cantora Fernanda Cunha, filha de Telma Costa, uma das cantoras mais promissoras que ouvi nos últimos tempos.


Dizem que o bom cantor se avalia pela qualidade do seu repertório, Fernanda Cunha se lança no cenário musical com um repertório digno de quem sabe a que veio, no seu primeiro cd gravou Toninho Horta, Ivan Lins, Djavan e Sueli Costa, sob a direção do pianista e arranjador Márcio Hallack. Neste álbum de estréia Fernanda deixa evidente a beleza de seu timbre e o domínio técnico que a faz transitar com leveza e desenvoltura pelas canções que ora primam por certa levada swingada como quer Muito Obrigado e O preferido, ora por canções que exigem densidade interpretativa como Vida de artista.

Seu segundo trabalho inteiramente dedicado a obra de Sueli Costa e Johhny Alf, duas almas musicais que proclamam uma espécie de irmandade, traz arranjos primorosos de Cristovão Bastos, João Carlos Coutinho, Camila Dias e Jorjão Carvalho. As composições são envolvidas por toques de delicadeza e profunda sensibilidade cujo lirismo das construções melódicas de Sueli e Johhny dão suporte ao desabrochar da voz de Fernanda Cunha que desponta límpida e amadurecida: “É só olhar/depois sorrir/depois gostar”. Momento emocionante acontece quando tia e sobrinha interpretam Bóias de Luz, com letra impactante de Abel Silva: “Ah...essas palavras banais/dos boleros sensuais/são verdades diárias/são dores tão normais/ah...esses rostos comuns de tanta gente/ são como bóias de luz apagadas temporariamente”. O arranjo de Cristovão Bastos traz sua costumeira elegância econômica cuja malemolência suave e envolvente me permite uma sutil alusão ao desenho melódico de Resposta ao Tempo, o maestro impõe mais uma vez com propriedade sua assinatura. Olhos Negros recebe uma versão impecável do baixista Jorjão Carvalho que valoriza cada nuance da composição de Johhny Alf e constrói uma base que dá sustentação lírica ao canto de Fernanda Cunha que evolui denso e preciso: “Olhos negros/negros são os breus se não são meus ao meu olhar/olhos negros/por não serem meus serão do mar/mares negros”.

Em Zíngaro, álbum inteiramente voltado para a parceria entre Tom Jobim e Chico Buarque, Fernanda Cunha brilha acompanhada somente pelo violão de Zé Carlos. Zíngaro é poesia da primeira a última faixa em que canções antologizadas como Pois é, Olha Maria, Eu te amo, Retrato em Branco e Preto, Anos Dourados e Imagina ganham versões repletas de frescor e verdade que resultam num sabor de fruto inaugural. Imagina resplandece como um dos registros mais belos de Zíngaro em que a voz de Fernanda passeia entre os graves e agudos com suavidade e afinação absoluta. Como ouvi repetidas vezes o instante em que ela parece tocar o céu com seu agudo cristalino: “Olha a chuva, olha o sol/olha o dia a lançar serpentinas,/serpentinas pelo céu/sete fitas coloridas/sete vias/sete vidas/avenidas/pra qualquer lugar/imagina, imagina”. Olha Maria, outra pérola da parceria Tom e Chico se realiza com o arranjo vigoroso de Zé Carlos cujo violão limpo e destituído de excessos virtuosísticos dá colorido a composição e ao mesmo tempo imprime uma marca única. Fernanda valoriza cada palavra com seu canto denso e plenamente integrado aos meandros da canção, por meio da voz da cantora e do violão de Zé Carlos os versos me invadem com intensidade e exasperação lírica: “Parte , Maria/que estás toda nua/que a lua, te chama,/que estás tão mulher/arde, Maria/na chama da lua,/Maria cigana,/Maria maré”. O disco se eleva sobretudo pela inteiração irrestrita entre Fernanda Cunha e Zé Carlos em que a voz e o violão se fundem em viagens repletas de sonoridades e deslumbramentos líricos. Vou ouvindo cada nuance, atentando para a beleza do timbre de Fernanda Cunha e a emoção compactada nas cordas de Zé Carlos: “Imagina, imagina, imagina/Imagina, imagina/hoje à noite/a gente se perder”.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010