sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Entrevista com o contrabaixista Dudu Lima



"Não pode parar nunca, a música não te espera, ela é uma mulher ciumenta e te exige o máximo. É muito bom poder tocar"


Daniela Aragão: Quando você começou a tocar?


Dudu Lima: Comecei com 11 anos e profissionalmente com 14. Caramba, as vezes você se lembra de você mesmo.


Daniela Aragão: Você está com quantos anos?


Dudu Lima: Estou com 37, faço 38 em janeiro.


Daniela: Começou com contrabaixo mesmo?

Dudu Lima: Sim, comecei com contrabaixo elétrico. Eu fui passar umas férias com uns primos que eram músicos e comecei a ouvir muito o som do contrabaixo e fui perguntando sem forçar a barra – que som que faz isso? E pedi um contrabaixo de natal, quando eu tinha 11 anos. Aí começou essa história, eles me ensinaram as primeiras músicas, fui tocando as coisas que tinham possibilidade, em que eu decorava o lugar do dedo. E isso é fundamental para você começar a entender o instrumento, que é um desconhecido total. A gente estuda o instrumento a vida inteira e ele continua um desconhecido, pois é infinito. Foi muito legal eu ter tido o suporte deles no começo, e depois em Juiz de Fora comecei a estudar na Pró Música com o Amaury, que era o baixista do Soma, uma banda de baile de Juiz de Fora. Ele tinha um ouvido muito bom, e estudei também com o César Tabet teoria musical. César foi um grande mestre para mim, me ensinou a ler música, eu era um analfabeto completo musical. Ele é uma pessoa maravilhosa pela qual tenho um carinho enorme.

Daniela: Você passou pelo conservatório?

Dudu Lima: Não. Eu perguntei ao César: - eu quero saber quando o acorde é aqui, o que ele fala. Daí ele falou que eu tinha que estudar harmonia, então fui. O Sylvio Gomes, maestro da Orquestra de Jazz da Pró Música, iria dar um curso em Juiz de Fora em 1988, foi a primeira ida dele para Juiz de Fora. Só que ele deu três aulas nesse curso e teve que parar por um motivo profissional, daí fui para o Rio estudar com o Ian Guest. Fiz escola de harmonia, tive aulas com vários professores, entre eles o Estevão Teixeira, estudei com o Adriano Gifoni, aprendi com ele sobre ritmos brasileiros, ele é um especialista. E em Juiz de Fora tive a oportunidade de tocar com músicos da pesada que considero os mais importantes como o Big Charles, Toninho Oliveira, Goianá. Então eu novo tocando com eles, e eles tinham muita paciência comigo. O Big me ensinou muito, o Fofinho.

Daniela: O Big é meio pai de todo mundo né?

Dudu Lima: É, pai de todo mundo. Juiz de Fora me deu essas oportunidades e principalmente o Jazz Club, eu devo a minha vida musical ao Jazz Club e falei com o Big que deveria ser feito um documentário sobre o Jazz Club. Nós tínhamos 15, 16 anos e eles deram abertura para a gente tocar lá. Eu tinha uma data toda semana lá. Eu tocava com o Fabiano, e o Fofinho era o baterista. O Fofinho é outro cara fundamental na minha vida, montou lá em casa as tumbadoras. O Fofinho tinha muita experiência musical, um dia levou uma pilha de vinis para gente ouvir, montou a tumbadora e começou a explicar tudo, “ _ a onda samba é aqui, você tem que ouvir isso, o swing é aqui e tal”... Eu tive então essa sorte.

Daniela: O Fofinho é um intuitivo né?

Dudu Lima: Claro, mas com uma cultura musical enorme. Falava:- “agora vamos ouvir a faixa três do lado dois, ali tem um solo”. Fofinho tem uma cultura musical impressionante. Então essa coisa fomentou e lá no Jazz Club tínhamos contato com o Nico Assunção, Arthur Maia, a Joyce, a Joyce dando canja com o Toninho Horta, depois do show no Teatro Solar, nunca mais esqueci. Ali que aconteceu mesmo.

Daniela Eu estava nesse show da Joyce, eu tinha 14 anos na época. Me lembro que o show demorou pracaramba para começar, se me recordo eles tiveram um problema com o acerto do som e tal...

Daniela: Nessa época você já estava com o baixo acústico?

Dudu Lima: Eu comecei a tocar o contrabaixo acústico em 91, por influência do Mauro Continentino. O Mauro mudou para Juiz de Fora e nós começamos a tocar de duo. Um dia ele levou um baixo acústico e falou: “-Nós temos agora um show de duo daqui a uma semana, você de baixo acústico e eu de piano”. E falei então tá bom, muito obrigado (risos). Eu tinha estudado um pouco de baixo acústico, mas não tocava. Tinha os princípios técnicos, mas a gente sabe que tem que viver com o instrumento o dia inteiro. Mas foi legal pois ele me deu uma agulhada, entrei de cabeça, fiz o show e me envolvi com o baixo acústico num amor assim pleno... é um instrumento fundamental na minha vida musical hoje. Me lembro bem que o Fofinho ficava no case do meu baixo elétrico, ele gostava de tomar uma cachacinha, com a feijoada, imitando no meu case o baixo acústico e dizendo: “- Você tem que tocar isso aqui, baixo acústico”.

Daniela: E o acústico te dá uma possibilidade muito maior de inserção no jazz né?

Dudu Lima: Ah claro. O elétrico também tem, mas no acústico estão as raízes, a madeira, a coisa orgânica, a origem realmente. Eu adoro o elétrico também, mas o acústico tem essas possibilidades todas.

Daniela: Você fez direito né?

Dudu Lima: Pois é, me formei em direito, sou bacharel em direito. Minha mãe, que foi uma figura muito inspiradora na minha vida, tinha o sonho de entrar na igreja comigo. E ela estava adoentada, realizei isso para ela. E foi legal porque ainda toquei no baile da minha formatura.

Daniela: E você conseguiu compatibilizar bem?

Dudu: Consegui compatibilizar na medida em que o direito me serve às vezes para contratos e tal. E vou te falar, o direito como ciência é muito bacana. Foi um estudo interessante, mas na prática ele é todo distorcido.

Daniela: Sueli Costa também fez direito e largou no último período.

Dudu: Sim, eu convivi muito com o Afrânio, irmão dela. Toquei muitos anos com o Afrânio, eles são uma família musical pracaramba. A mãe deles, Dona Maria, nem se fala.

Daniela: Pois é, Telma, Lisieux, dona Maria Aparecida, grande família. Em geral o contrabaixo vem como um instrumento que acompanha, compõe a banda. Seu contrabaixo mostra uma autonomia, como se ultrapassasse os limites do som do próprio contrabaixo.

Dudu: Uma coisa interessante, O Paulo César Barros, que é um baixista da pesada que tocou com Renato e Seus blue Caps, me deu uma fita de vídeo do Jaco Pastorius e falou: “-Vê isso aí garoto”. Eu ficava vendo aquilo, não entendia nada do que estava acontecendo, mas sabe que aquilo ali foi talvez a coisa mais determinante na minha vida. Eu pensava, queria entender isso um dia, só entender, tocar nem pensava.

Daniela: Você explora muitas sonoridades, às vezes seu contrabaixo é uma guitarra, um violão...

Dudu: O Pastorius me inspirou para trilhar esse caminho, ouvindo aquilo ali eu tive a audácia de pensar que eu também poderia adentrar nesse universo. E entrei de corpo e alma. Foquei meu trabalho autoral nesse desenvolvimento do contrabaixo, pensando nesse lado, como para expressar as idéias né? E fico muito feliz de fazer disso que era um obstáculo na minha cabeça, tornar-se uma coisa concreta. Uma sonoridade que busca uma outra coisa que a gente não sabe nem qual é. E não pode parar nunca, a música não te espera, ela é uma mulher ciumenta (com todo respeito ao sexo feminino, risadas) e te exige o máximo. É muito bom poder tocar.

Daniela: Você é um músico que transita muito pelo instrumental e que ao mesmo tempo interage com o público. Isso é lindo.

Dudu: Sempre pensei que o jazz não precisa de ser essa coisa hermética. Isso eu aprendi muito no meu trabalho com o Stanley Jordan. Foi fundamental isso, eu sempre percebi essa necessidade de interação. Ele tem muito isso, já tocou nas ruas. Desde o nosso primeiro contato, em 2001, fazemos agora a décima tourné juntos. Eu aprendi muito com ele, essa energia, esse respeito ao público não para conquistar e fazer merchandizing, mas um respeito genuíno pelo público. Como você está tão feliz tocando, vamos deixar todo mundo feliz, não vamos guardar isso. A gente tem um presente e tem que distribuir. Ele tem um carisma e sou admirador disso, percebi que esse carisma parte da verdade, tem que ser uma coisa verdadeira. Tem que ser você ali.

Daniela: Como está a recepção do jazz?

Dudu: Quando você está num Festival de Jazz como este aqui, teoricamente você já parte de um campo favorável. Você tem esse público e tal, mas de qualquer forma eu cheguei na verdade a conclusão de que é tudo igual. Uma vez tínhamos uma tourné patrocinada pela Companhia Força e Luz que começava em Manhuaçu, fizemos aquele circuito com o Fabrício Conde, que é de viola. Naquelas cidades pequenas: Leopoldina, Cataguases, Muriaé. Eu sei que a viola no interior mineiro tem um apelo total e saímos tranquilos com ele. Ali o trabalho era o trio servindo de base para a viola, fizemos um disco com ele, a direção musical era minha. Ali era bacana, o trio servindo de base para a viola, depois surgiu o convite para fazermos um circuito nosso, só o trio. Daí chegando em Manhaçu (eu tenho o retrato), quando passamos o som de tarde, entraram quatro criancinhas do interior, pé sujo, shortinho. Numa certa altura acabou a música e elas disseram: - Moço a gente pode dançar? Estavam eu, Leandro Schio e Dudu Viana. Falei: - claro, pode sim. Aí mandamos mais um som, era Miles Davis, e um deles falou: - de noite eu posso trazer minha turma aqui? O Márcio Bahia, batera me falou uma vez uma coisa: “- Quando a criança gosta da música é porque ela é verdadeira, se as crianças ficarem tristes quando você começar a tocar, tem que mudar alguma coisa”. Isso é teoria Hermetiana, deles lá. Daí eu me lembrei disso, e nessa noite dos meninos estava lotado. Foi uma lição para mim. A emoção é universal do ser humano, então esse mito do jazz tem que ser quebrado. E o Stanley falava isso : “Pô bicho, quando eu tocava nas ruas de Nova York eu tinha que agradar a todos, agradar o cara que morava na rua, o executivo que estava indo trabalhar, a senhora que estava passeando com a criança, enfim, a todos os que passam por uma rua”.

Daniela: Quais são suas maiores influências? Tem alguma coisa que atualmente está te perturbando, afetando digamos de maneira positiva os ouvidos?

Dudu: Eu ouvi muito jazz, como te disse o Jaco Pastorius foi uma de minhas maiores influências, o trio do Bill Evans, Ron Carter, a música do Hermeto me influenciou bastante - tive o privilégio de tocar com o Jovino, que é pianista dele. Acho a cultura Hermetiana o maior berço, sem qualquer patriotismo exagerado. Jobim, choros, Villa Lobos, Waldir Azevedo.

Daniela: Eu ouvi você tocar lindamente o Trenzinho do Caipira, o seu contrabaixo reproduzindo o som da locomotiva.

Dudu: É uma influência grande do erudito, Bach. Apesar de eu não ser um músico erudito, sempre estudei muito o erudito, acho o erudito o maior estudo técnico que existe. Claro que você vai estudar outros estudos técnicos como Waldir Azevedo, Jacob do Bandolim, Pixinguinha, Hermeto Paschoal, Charlie Parker. Todos esses mestres me encantaram. E tenho ouvido muito uma baixista que se chama Esperanza Spaldi, uma baixista americana de 22 anos que toca muito, canta muito também, faz um trabalho de voz junto com o instrumento. É uma baixista fantástica e tenho ouvido muito o som dela, é uma das boas surpresas.

Daniela: Tenho visto grandes músicos acompanharem cantoras, como é o caso do Grupo Pau Brasil, que acompanha Mônica Salmaso.

Dudu: É da pesada, Mônica tem um trabalho incrível. Nelson Ayres, Rodolfo Stroeter, Paulo Bellinati.

Daniela: O contrabaixo do Rodolfo também imprime muita personalidade

Dudu: Pois é, e ele toca com a Joyce também.

Daniela: E você roda o mundo e ainda tem o ponto fixo em Juiz de Fora?

Dudu: Tenho e faço questão disso. Hoje eu tenho filho, mulher que moram em Juiz de Fora, e a vida tranquila de lá, a proximidade dos grandes centros, a facilidade de locomoção, tudo isso me atrai. Juiz de Fora te oferece uma qualidade de vida muito grande, em uma hora e meia pego o vôo. Vou, mas a minha casa ta lá em Juiz de Fora. Eu gosto de ter aquele porto seguro ali que me deixa em contato com as raízes. As raízes é que me fazem não esquecer do que me levou a querer fazer isso.

Daniela: Além do seu talento, você me chama a atenção por ser um músico que toca tanto em Montreux como no Bar do Salim. Parece que você não faz distinção, tipo, agora que já toquei na Europa não vou mais tocar nos bares de antigamente. Acho que você se preocupa é com a qualidade do que vai fazer no momento né?

Dudu: Isso. O Mauro Continentino sempre falava, tocávamos de segunda a segunda. As vezes a gente tocava num lugar que tinham duas pessoas e ele dizia: “- duas ou cem é a mesma coisa”. Não importa o lugar, importa o que você está tocando. O barato está em mim, não no lugar. Ele tinha um sonho: “- vamos comprar um caminhão e sair viajando, atacando pelos cantos”.

Daniela: Meio Caravana Roliday (risos)

Dudu: Com o trio consolidamos essa filosofia, moramos juntos, tocando, tocando, tocando. Aquele exemplo hermetiano de tocar 12 horas por dia com um calor de quarenta graus. Moramos juntos durante oito anos fazendo isso. É uma irmandade musical, o grande lance é o grupo.

Daniela: Agora para terminar fale do disco

Dudu: Esse disco se chama Ouro de Minas em homenagem ao Milton Nascimento e João Bosco. O Milton gravou Cafuné na cabeça malandro eu quero até de macaco, parceria dele com a Leila Diniz, que ele escolheu. João Bosco fez o Ronco da Cuíca e nós gravamos além dessas Corsário, Bala com Bala, do Milton Cravo e Canela, Fé Cega faca amolada

sábado, 21 de novembro de 2009

Entrevista com o compositor e violonista Guinga




"caridade, justiça e humildade. Ninguém cresce se não preservar esses valores".




Daniela Aragão: Agenda apertadíssima não?

Guinga: Esse ano eu fiquei fora do Brasil praticamente o ano todo, foram oito viagens ao exterior. As vezes ficava 50 dias fora. Tenho vindo pouco aqui, estou desatualizado das coisas novas, mas vou tomar pé das coisas. Ainda tem duas viagens para fazer esse ano, mas depois eu vou dar uma meia trava, porque eu acho que isto que está acontecendo comigo é meio um excesso de viagem. Passando muitas horas dentro do avião, direto. Mas há a necessidade de ganhar a vida, expandir a música. Tudo tem um preço, enfim.

Daniela: Eu conheci o seu trabalho na sua parceria com o Aldir Blanc, o cd Catavento e Girassol, gravado pela Leila Pinheiro, somente com canções de vocês. E ainda continuam essa parceria?

Guinga: Sim, sempre, nós somos amigos. Isso vai ter a vida toda, enquanto a gente existir essa parceria é preservada, ecológicamente preservada (risos).

Daniela: Algum trabalho novo?

Guinga: Eu tenho uma série de músicas inéditas, inclusive duas em parceria com José Miguel Wisnik, que é um gênio. Estamos estreando uma parceria que vai aparecer num novo disco que pretendo fazer pela Biscoito Fino, que é a minha gravadora. Tenho disco para fazer também na Itália, pois pertenço a uma gravadora italiana. Quero fazer um disco com uma cantora italiana famosa lá e que tem um público imenso. Ela vai verter minhas músicas para o italiano, com arranjo, orquestra e eu participando do disco. Ela vai gravar um disco com músicas minhas, todas em italiano. Ela se chama Tosca, é uma grande cantora que mora em Roma, famosíssima na Itália. Isso para mim, um cara que nasceu em Madureira de uma família pobre, lutando pelo mundo aí, para mim é uma vitória. Como tocar aqui é difícil viu, é mais difícil do que tocar no auditório de Roma. Eu já toquei na sala Disney Hall Concert com a filarmônica de Los Angeles, a sala cheia com cinco mil pessoas e não fiquei mais nervoso do que hoje. Isso é experiência para um artista, aqui Deus me ajudou a crescer. Cantar com jogo ganho é fácil.

Daniela: O seu trabalho com Wisnik é um disco inteiro?

Guinga: Não, é uma parceria que estamos fazendo. Já temos duas músicas prontas, e com a graça de Deus essa parceria vai vingar. Nós somos muito amigos, eu sou admirador dele muito grande, e depois de ter feito com Chico Buarque, pensei, agora quero fazer com Wisnik que é meu ídolo também. Estou feliz por estar compondo com ele. Aldir Blanc, Paulo César Pinheiro, Chico Buarque, José Miguel Wisnik e os jovens todos que eu tenho lançado, tenho feito parcerias com eles. Você vê como a vida não depende de nome e nem de fama, a música mais aplaudida hoje aqui é de um parceiro meu que ninguém conhece, que nunca gravou um disco, um menino de 25 anos.

Daniela: Uma questão que sempre me despertou uma certa curiosidade, ou seja, com cada parceiro vai implicar numa construção musical absolutamente diferente?

Guinga: Isso, é como um homem que se separa ou uma mulher que se separa e casa de novo. É lógico que um casamento nunca vai ser igual ao outro, se não a gente não repetia. Até porque a gente aprende e tenta não repetir os erros. Na vida, minha filha, eu acredito em três coisas, três valores no qual eu tento fundamentar a minha vida, e é difícil: a caridade, a justiça e a humildade. Ninguém cresce se não preservar esses valores.

Daniela: São quantos anos na estrada?

Guinga: 43 anos

Daniela: Continua dentista?

Guinga: Não, pois é. Sou dentista porque sou formado e exerci a profissão por quase 30 anos. Faz oito anos que não exerço mais, pois viajo e fico longe durante muito tempo. Esse ano fui sete vezes a Europa e uma vez aos Estados Unidos, em São Francisco. A última vez eu fiquei sessenta dias fora do Brasil, a última foi agora que cheguei na segunda feira com essa paralisia. Eu acho que foi excesso de ar condicionado, imunidade baixa, daí o vírus aproveitou e me pegou. Mas hoje eu já comi aqui duzentos quilos de torresmo, feijão pracaramba, couve, esse vírus vai ficar assustado comigo e vai embora (risadas).

Daniela: Essa pergunta não tem cara de pergunta de encerramento, mas vamos lá, pois eu perguntei para todos os músicos. Quais são as suas maiores influências?

Guinga: Eu adoro Tom Jobim, Pixinguinha, Ernesto Nazareth, Jacob do Bandolim, Garoto, Badem Powell, Francis Hime, Edu Lobo, Milton Nascimento, Chico Buarque, Radamés Gnatalli, Ravel, Debussy, Stravinsky, Leonardo Berstein, Villa Lobos, Richard Strauss, Shoemberg, Bah, Vivaldi, Mozart, Bethoven, Wagner, Puccini, Noel Rosa. Tudo o que é bom eu gosto, eu procuro ouvir os bons pra tentar melhorar um pouco.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

João Carlos Assis Brasil: "O que eu mais gosto é criar"


Entrevista com o pianista João Carlos Assis Brasil na Fundação Oscar Araripe, em Tiradentes. Uma manhã de sábado do dia 14 de novembro de 2009.


Daniela Aragão: Quando você começou a tocar?

João Carlos: Comecei com 3 anos, eu ganhei um pianinho de brinquedo que me despertou. Aí com quatro anos comecei a estudar. Eu tinha uma única tia que tinha um piano de verdade e fui lá e comecei a tocar, compor, a improvisar e pronto.


Daniela: Já saiu sozinho?


João Carlos: É, desde criança que eu componho. É dom mesmo, nasci com isso.

Daniela: Sua formação é clássica né?

João Carlos: Totalmente clássica. Fui para Paris, Londes, Viena, fiquei muitos anos na academia de Viena. Estudei pra valer, ganhei prêmio internacional Bethoven. Da década de oitenta para cá que resolvi expandir para o popular.

Daniela: É interessante um pianista clássico do seu porte abrir espaço também para acompanhar cantores como Olivia Bygton e Ney Matogrosso.


João Carlos: Eu gosto, é para criar. O que eu mais gosto é criar. Por exemplo, no show de hoje eu faço isso, peço sempre ao público que me dê duas ou três notas e com essas notinhas eu faço uma composição na hora. Faço sempre isso. Então na Europa eles caem o queixo, pois eles não tem isso. E isso é o que eu mais curto fazer, criar mesmo. Esse concerto inteiro vai ser nessa base, menos as músicas de Villa Lobos que são originais. Do Villa Lobos vou tocar Prelúdio das Bachianas n 4, Alma brasileira e Impressões Seresteiras.

Daniela: Você está vivendo aqui no Brasil?

João Carlos: Estou, mas recebi um convite da Espanha, já toquei lá em Salamanca. Daí me convidaram para ser professor da universidade de lá. Ano que vem pretendo ir para lá e abrir uma Cátedra Villa Lobos, ou seja, para ensinar música brasileira, clássica e popular e tudo o que tenho direito. Não é uma coisa totalmente formalizada, mas vai rolar. Pelo que entendi vou ser uma espécie embaixador brasileiro na Espanha para ensinar a nossa música para eles.

Daniela: O mercado para a música clássica continua bastante complicado no Brasil, não é?

João Carlos: Continua muito complicado, não somente a música clássica, mas a popular também. Os valores que a gente estava acostumado acabaram. Hoje em dia vale o que vende, o que faz sucesso. E a gente que faz uma coisa mais elaborada, mais sofisticada, é como dar murro em ponta de faca. Difícil. Essa é uma das razões também porque eu estou querendo ir embora. Claro que vou voltar sempre para tocar, não vou abandonar nunca o meu público, minha família, mas pretendo ir.

Daniela: Manter um nível de qualidade para um público que não está habituado é complicado.

João Carlos: Sim, eles estão acostumados a ouvir o trasch,. Quer dizer, para fazer um nível de trabalho mais elaborado, mais sofisticado, não é de cara que esse público vai receber.

Daniela: Não tem educação musical nas escolas

João Carlos: Pois é, não tem, tem que ser uma coisa muito bem elaborada, feita com a cabeça, não pode ser imediato. Tem que ser uma coisa muito bem planejada, mas ninguém está nem aí, só querem ganhar dinheiro.

Daniela: E você já tocou aqui nas universidades de música do Brasil?

João Carlos: Já, em quase todas. Eu dou aulas na Escola Villa Lobos, no Rio. Na Academia Lourenço Fernandes. Já dirigi música na faculdade Estácio de Sá, quando tinha música.

Daniela: Acho que todo mundo acaba tocando nesse ponto, é inevitável.. Você e seu irmão gêmeo, o saxofonista Vitor Assis Brasil . Vocês dois são músicos talentosíssimos e com caminhos próprios.

João Carlos: Eu vou fazer junto com um saxofonista um concerto todo voltado para as composições do Vitor, terça e quarta no SESC. Eu sempre estou tocando as músicas dele, meu outro irmão Paulo que tem uma produtora sempre faz homenagem a ele, todo ano.

Daniela: Tem ainda coisas inéditas do Vitor?

João Carlos: Tem muita coisa inédita. Agora mesmo eu doei o legado dele para a escola, o xeróx. Formaram um quinteto de saxofone . Quanto mais gente conhecer isso melhor, nada melhor do que você doar isso para escolas.

Daniela: Ele deixou arranjos?

João Carlos: Deixou, quer dizer tudo não, pois no jazz algumas coisas você caminha. Essa é a magia da música popular. Agora a música clássica é dificílima no sentido de que você tem que acompanhar tudo aquilo que está ali e ao mesmo tempo colocar a sua personalidade em cima, e isso tudo com uma sutileza muito grande. Agora no jazz e na música popular a dificuldade não se encontra no que está escrito, é você criar. Porque no popular você tem que criar, você tem que ser um criador. Vai improvisar como, o que é improvisação se não criação. No popular o difícil é isso, a pessoa tem que ter esse dom.

Daniela: Você traz também. Tom recebeu muita influência de Villa Lobos né?


João Carlos: Tom era um homem culto, ele ouvia tudo, claro que foi influenciado. Villa Lobos que dizia, quando ele sentia uma influência ele se sacudia inteiro, tal a personalidade forte que ele tinha que queria ser ele mesmo, original. Ele era um cara incrível, fiz um concerto semana passada, só Villa Lobos. E eu sempre converso com o público, uma espécie de enterteinement, que é o que gosto de fazer. Então eu pincei umas frases de Villa Lobos que são extraordinárias, uma delas diz assim: “A minha música são como cartas que eu escrevi para a posteridade, sem esperar resposta nenhuma”.

Daniela: Essa fala do Villa bate com a conversa que eu estava tendo ontem a noite com o contrabaixista Dudu Lima, que é um músico de vertente jazzística. Ele estava falando desse lance de deselitizar a linguagem do jazz, trazer essa “música difícil”para o público. Então ele comunica, tenta tirar essa aura.

João Carlos: Pois é, tem uma coisa de dificuldade e sofisticação que torna difícil das pessoas compreenderem. Então é importante que você decodifique um pouco, abra outros códigos para o público.

Daniela: Isso é muito importante

João Carlos: Com certeza. É uma função didática.

Daniela: Mês passado a PUC-Rio realizou um evento de uma semana inteiramente dedicado a reflexão sobre a MPB. Com a parceria da gravadora Biscoito Fino estiveram por lá Francis Hime, Paulo César Pinheiro, José Miguel Wisnik, Maria Bethânia e outros. Tem se tentado abrir espaços para a música brasileira.

João Carlos: A Biscoito Fino tem desenvolvido um trabalho fantástico, eu fui um dos primeiros a gravar lá. Tenho uns dois ou três discos lá. Hoje em dia eles são a gravadora mais importante, todo mundo está lá. Olivia é uma pessoa extremamente artista, uma mulher extremamente culta, sofisticada, ela não põe nada que não seja de alto nível. Juntou ela e a kati, pronto.

Daniela: eu indiretamente acabei sendo uma divulgadora da gravadora ao escrever textos sobre os cds deles para jornais aqui de Minas.


Daniela: E agora o que você está fazendo? Compondo? Gravando?

João Carlos: Faz tempo que não gravo, eu estou com um projeto, mas ainda não pintou a oportunidade. Uma coisa que eu gostaria muito de fazer é gravar só canções brasileiras e americanas. Ainda não aconteceu, mas chega tudo na hora certa. Esse é um projeto que eu tenho muita vontade de fazer.

Daniela: E só com piano?

João Carlos: Só piano, uma coisa para você botar e viajar.

Daniela: E algum disco específico sobre o Vitor?

João Carlos: Pretendo sim, ainda não tenho nada pautado, mas pretendo. Tem muita coisa que ainda tem que ser gravada. Eu tenho várias missões a cumprir.

Daniela: Agenda cheia?

João Carlos: Tem ido bastante bem, dadas as circunstâncias. Agora eu agradeço muito ao Sérgio Costa e Silva, que é o diretor da Música no Museu, pois foi através dele que fui para a Europa, Portugal, Espanha, o maior sucesso. Tenho tocado sempre, desde que ele abriu a série Música no Museu. Então essa coisa do convite para a Espanha aconteceu através dele e possivelmente eu vá para a Índia e o Egito para fazer concertos lá, e tudo pela Música no Museu. Ele está fazendo um trabalho fantástico no Brasil todo e agora implantando no exterior. Se não me engano ele fez no ano passado 590 concertos. Ele tem dado enorme oportunidade a tudo o que é pianista jovem, músico jovem que não tem espaço. É um rapaz do maior valor.

Daniela: E algum trabalho com cantor?

João Carlos: Fiz com Bethânia agora dois, músicas do novo disco dela, o “Tua”. A primeira e a última faixa, eu abro e fecho.

Daniela: O trabalho da Bethânia está muito bonito e o que ela tem de sabedoria da palavra, da poesia...

João Carlos: É, ela é uma grande atriz além de cantora. Ela sabe lidar com a palavra e passa isso na música. Eu acho que ela e o Ney Matogrosso são hoje em dia os que tem mais veracidade e competência de todos.

Daniela: Acho que a gente tem que batalhar é por esse tipo de trabalho, é difícil, mas vale.

João Carlos: Sim, é um desafio e as vezes a coisa difícil te dá mais prazer do que a coisa fácil. Você tem que lutar mais.

Daniela: E quais você considera suas maiores influências?

João Carlos: Todo o repertório da música clássica e todo o repertório maravilhoso da música brasileira e americana. A americana eu digo dos anos 30 até os anos 60, que é um manancial maravilhoso. Alto nível! Então tudo isso conviveu comigo desde que eu sou pequeno. Ninguém cresce se não preservar esse valores.

Victor Biglione: o número 1


Do dia 13 ao 16 estive em Tiradentes a convite de Vicente Martins, diretor do Duo Jazz Festival. Foi um enorme prazer conversar com os músicos: Victor Biglione, João Carlos Assis Brasil, Rai Medrado, Dudu Lima, Tony Oliveira e Guinga. Segue abaixo o bate papo descontraído e alto astral com o talentosíssimo guitarrista número 1.



Entrevista com Victor Biglione no Restaurante da Vovó, em Tiradentes numa noite quente de sábado do dia 14 de novembro de 2001.


Daniela Aragão: Já que estamos com o livro aqui na mesa, nada melhor do que começarmos por ele que abrange toda a sua carreira. Como é que surgiu essa idéia?


Biglione: Eu estava andando na rua e um jornalista, acho que foi o Luiz Pimentel, do Jornal do Brasil, falou assim : “O Victor, presta atenção no que eu vou te falar, eu tenho a impressão que dos músicos que não nasceram no Brasil, você é o cara que mais trabalhou com a música brasileira, você já se tocou disso?” Eu falei uai (bem mineiro) não. A partir disso procurei o Instituto Cravo Albim e a Heloísa Tapajós me recomendou (a Losinha maravilhosa, irmã do Mú, do Dadi, que eu toquei na Cor do som) e apresentou o Ricardo Cravo Albim, que eu já conhecia, é lógico. Me indicaram esse menino, o Euclides Amaral, esse pesquisador (mostra o livro). Foram seis meses de pesquisa, um trabalho sensacional e eu sempre cuidei das minhas coisas, guardei o material fotográfico todo, tem mais de 70 fotos com artistas da MPB. Aí foi um presente, meus 50 anos, essa moda né, o cara que fez mais gol no brasileiro....Arrumei meu recordezinho, meu recordezinho de leve, eu fiquei felicíssimo pois para um cara que não nasceu aqui ser tão bem recebido de braços abertos pela MPB. Foi um negócio maravilhoso.

Daniela: Eu vou tentando retomar na memória uma série de discos em que eu vejo sempre o seu nome

Biglione: Exato. Tem um capítulo que se chama Victor Biglione de A a Z, são mais de 250 nomes da MPB. Eu ainda peguei o finzinho da fase de ouro da MPB assim, trabalhei com música brasileira mesmo.

Daniela: Você tocou com a Elis?


Biglione: Toquei. Não tem ninguém que eu não toquei. Quer saber o que eu gravei com a Elis? Para Lennon e MC Cartney, no Luz para as estrelas, limparam a voz dela e chamaram arranjadores que nunca tinham trabalhado com ela. O Wagner Tiso me chamou, o Gilson Peranzzetta. Fiz parte desse rearranjo. Com ela viva eu só fiz o especial do Daniel Filho, o Grandes Nomes, que ela faz com a Gal. Eu vi ela viva, tocamos juntos Vivendo e aprendendo a jogar, do Guilherme Arantes. Aí fizeram essa idéia maravilhosa da Som Livre, tem dois artistas que eu trabalhei depois deles já terem falecido, a Elis e o Tim Maia. Eu gravei um disco com o Tim Maia quando ele já estava falecido chamado Sou Tim, eu gravei o Lindo lago do amor, do Gonzaguinha e gravei Saigon, essa música é linda né?

Daniela: A que você atribui esse fato de tocar com todo mundo? A sua versatilidade que te faz ser esse número um...E você tem uma personalidade muito própria, tem uma identidade o seu tocar.

Biglione: Eu gosto da música toda: samba, jazz, bossa nova, blues baião, o que for. Eu trabalho com cinema também, fazendo trilha, eu tenho dois kikitos. Assinando trilha sonora mesmo, eu ganhei o Festival do Rio, o festival de conservatória. Adoro cinema, e vão entrar nesse ano dois filmes que estou assinando, o Elvis e Madonna e o Caçador de sonhos. E eu gosto de tudo, não vou me prender a uma coisa só, eu gosto da música no todo dela. Eu penso igual ao Vicente (idealizador e diretor do Festival) “programa tudo”, gosto disso que está tocando, só não gosto de coisa ruim.

Vicente: Ano que vem podemos programar um duo com suas trilhas de cinema. As imagens seriam exibidas ao fundo. Uma sugestão...

Biglione: Pô, legal, ótimo. E o fato de eu ter sido criado em Copacabana ajudou muito, é uma mistura muito grande e você recebe tudo o quanto é tipo de informação. Minha mãe estava me apresentando o Reginaldo Bessa, toda a turma da Bossa Nova, eu estava escutando Led Zeppelin, aí acordei Baile, com Zé Kéti. Tudo muito presente, muito verdadeiro.

Daniela: Você começou a tocar quando?

Biglione: Com 12 anos eu comecei a tocar, e como minha mãe era metida a moderninha já concordou que eu fosse músico.

Daniela: Desde pequeno você já sentiu que música era a sua praia?

Biglione: Não, eu queria ser jogador de futebol. Mas eu fiz teste para o Flamengo e fui reprovado, aí fui lá pra Marechal Hermes e fui aprovado. Aí meu pai falou, você foi aprovado, mas ele gostou de você para zagueiro. Falei - ah não, zagueiro não, nenhum garoto quer ser zagueiro. Foi um cara amigo da minha mãe, um hippie, que apareceu com o violão, me apaixonei por violão e nunca mais parei. E vi que tinha mais jeito pra tocar do que pra futebol, você percebe isso.

Daniela: Lembro de você no Cultural e também tocando na Pró Música com o Wagner Tiso. O que me impressionou foi essa sua capacidade de transitar entre os gêneros.


Biglione: Lá no Cultural eu estava tocando rock, eu adoro. Eu gosto de tudo o quanto é música e a MPB foi me levando a variedade de artistas, um recomendando para o outro da MPB, acabei gravando com quase todo mundo. Não tem ninguém que eu não gravei, toquei ou participei.


Daniela: O que você mais ouviu que te influenciou?

Biglione: O que eu mais ouvi e estudei sempre foi o jazz, a minha escola é jazzística. Eu estudei mesmo foi o jazz, as escalas, os acordes, a harmonia, a Bossa Nova, aquela coisa toda de acompanhar. Mas de ouvir eu ouço todo mundo. Não coisa ruim, é claro. Aqui no Brasil depois da gente ter Glauber Rocha, Edson Machado, Zé Kéti, Cartola, Sérgio Mendes, Chico Buarque, Egberto Gismont, Hermeto. É triste tanta coisa ruim hoje.

Daniela: O que você está gravando agora? Algum disco autoral?

Biglione: Esse ano eu fiz coisa pracaramba. Eu lancei um disco de guitarra, essas guitarras de jazz, só tocando Tom Jobim, chama Uma guitarra no Tom. Super cool, só tocando Tom Jobim. Depois lancei Tributo a Ella Fitzgerald, só Ella abrasileirado, arranjos brasileiros. Ainda lancei esse livro. Foi lançado dia 5 de novembro. E vou falar, morar no Brasil para mim é um sonho, é um país que eu adoro. Tem um monte de amigo meu que me pergunta: “você torce para quem, Brasil ou Argentina?”. Eu falo que torço para a Argentina, é lógico, mas não frequento a Argentina, esses amigos meus por qualquer dez merréis já vão para a Argentina, gastar lá. Eu falo, eu torço para a seleção Argentina mas gasto meu dinheiro todo, centavo por centavo no Brasil. O que que adianta, torce pro Brasil êêêêê e amanhã já está embarcando para Buenos Aires. Lindo é o Brasil, é o meu Rio de Janeiro. Buenos Aires tô fora. Já viajei muito, mas o maior país do mundo para mim é o Brasil. Você pode viajar, voltar com o dinheiro forte, euro, dóllar, agora morar eu sempre tive certeza que o lugar é o Brasil. Já recebi inúmeras propostas, mas morar eu moro no Brasil.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Duo Jazz em Tiradentes



Sempre adorei bastidores de shows, fossem os meus ou os de amigos. Neles é que rolam as melhores conversas, piadas, sugestões e conflitos. Dizem que Elis Regina durante toda a carreira nunca deixou de demonstrar certa ansiedade nos minutos antes de entrar em cena, na ocasião de sua participação no XIII Festival de Jazz de Montreux, a adrenalina era tão grande que a Pimentinha demorou a arredar os pés da coxia.

Neste último final de semana, Tiradentes foi agraciada pelo que de melhor se pode ouvir dentro do cenário do jazz produzido por artistas como Victor Biglione, Guinga, Dudu Lima, Enéas Xavier, Rai Medrado, A C, Big Charles, Tony Oliveira, Magno Alexandre e outros. A convite do idealizador e diretor Vicente Martins, passei cinco agradabilíssimos dias nesta cidade por conta de entrevistar essa rapaziada que entende tudo de música boa.

Entre sol, chuva e a presença do meu fiel gravador, aproveitava sempre a brecha do momento em que algum músico passava um som ou almoçava, para abrir espaço para uma boa conversa. Com o pianista Tony Oliveira, meu primeiro entrevistado, levei um longo bate papo que começou lá no tempo em que ele se apresentava na rádio Tupi, de São Paulo. Tony contou-me dos primórdios de sua carreira, no final da década de cinquenta, época do surgimento da Bossa Nova, quando tocava com o contrabaixista Manuel Gusmão e o baterista João Palma. Entusiasmado, revelou que foi o primeiro pianista que gravou com Jorge Ben no seu disco Mais que nada. O sorriso estampado nos lábios, não ocultava a satisfação pela experiência adquirida em espetáculos históricos como Pobre menina rica (Vinícius de Moraes e Carlos Lyra), no Maison de France. O contrabaixista Dudu Lima, após a realização de um show altíssimo astral ao lado do pianista kakinho Itaboray, abriu caminho para uma conversa agradável em que pudemos compartilhar alguns amigos e lugares em comum, visto que nós dois passamos a adolescência em Juiz de Fora e ainda transitamos por lá. Do contrabaixo acústico ao elétrico, Dudu falou com total despudor das limitações e amplitudes que envolvem o universo inesgotável da música: “A gente estuda o instrumento a vida inteira e ele continua um desconhecido, pois é infinito”. Victor Biglione, o argentino mais brasileiro de todos os músicos: “Lindo é o Brasil, é o meu Rio de Janeiro. Buenos Aires tô fora. Já viajei muito, mas o maior país do mundo para mim é o Brasil.” Com Biglione a conversa rolou solta, o humor cativante desse talentosíssimo guitarrista me fez dar altas risadas. Transitando entre o jazz, a música popular brasileira, o blues e outros gêneros, Biglione presenteou-me com seu recém lançado livro, escrito por Euclides Amaral. Inúmeras fotos ilustram a trajetória desse artista, que é considerado o músico estrangeiro que mais gravou com músicos brasileiros, o número um, brincou ele.

Guinga deu uma demonstração única de qualidade humana. Afetado por uma paralisia que tomou metade do corpo, inclusive a face, não descumpriu o compromisso com o festival. Ovacionado por uma platéia embevecida, Guinga tocou e cantou composições suas ao lado de outros parceiros. Embora cansado, expandiu-se em delicadeza e generosidade ao trocar algumas palavras comigo, falou da alegria que lhe traz a parceria estabelecida com José Miguel Wisnik e das parcerias estabelecidas com Aldir Blanc, Paulo César Pinheiro e Chico Buarque.

Música, música, música, música. Foi o que mais respirei durante esses dias. Vou contando o restante aos poucos, para não perder o fôlego.