Mães costumam paparicar os filhos e atribuir-lhes qualidades além dos limites humanos. Minha mãe é uma dessas um pouco exageradas, que sempre se excede em elogios quando se trata de falar sobre mim e meus dois irmãos. Quando era criança ficava agoniada quando a mãe de alguma coleguinha nos visitava e começava a sessão fotografia. Mamãe abria álbuns e mais álbuns e ia contando detalhe por detalhe todas as nossas proezas. A pobre da visita, em geral, só ficava balançando a cabeça afirmativamente e dizendo coisas como: “É mesmo! Nossa! Puxa! Parabéns!
De vez em quando mamãe me tirava das brincadeiras e me chamava para confirmar algum acontecimento extraordinário, como no dia em que calcei minhas primeiras sapatilhas de balé (uma foto muito mal tirada, por ela mesma, em que eu, desengonçadíssima, tento dar um laço na fita da sapatilha). Meu irmão até hoje morre de rir quando relembra o fato de que quando era um menino gordinho e os companheiros da escola o chamavam de bolão, mamãe lhe explicava, cheia dos eufemismos: “Fabinho, você não é gordo, só tem ossos largos”.
No camarim da Sala Baden Powell, no Rio de Janeiro, um pouco antes de iniciar o show que eu faria com o pianista Márcio Hallack, bati um ótimo papo com Neném Krieger, a diretora do teatro. Muito tensa, eu fazia os ajustes finais em minha maquiagem, insistindo pela última vez na difícil arte de desenhar com o delineador um leve traço sobre as pálpebras, sem me borrar de preto. Neném foi me distraindo tanto com seu bom humor e simpatia que, por uma fração de segundo, cheguei a me esquecer que estava na hora de tocar o último sinal para a entrada em cena.
Conversei com ela sobre o repertório do meu show e a nova geração de músicos e compositores da MPB, que inclui talentos como Rodrigo Maranhão, Marcelo Camelo, Chico Pinheiro, Daniel Jobim e Edu Krieger. Este último é seu filho e Mamãe-Neném, fã de carteirinha, logo emendou/recomendou: “Você precisa ouvir o Edu, meu filho. Não é porque sou mãe dele, não. Mas acho que você vai gostar. Ele anda fazendo coisas muito boas e acabou de lançar seu primeiro disco”.
Neném não escondia o brilho nos olhos: muita, muita alegria e satisfação quando me falava do Edu. Acho que Cazuza estava certo quando disse numa canção: “Só as mães são felizes”. Neném expunha sorridente o entusiasmo pelo talento do filho. Infelizmente, naquele dia, ela não tinha nenhum cd em mãos para me presentear e voltei para Juiz de Fora com muita vontade de ouvir o disco do Edu.
Há cerca de três semanas recebi pelo correio um presente de Neném, o recém- lançado cd de Edu Krieger. Curiosa como sempre, coloquei-o imediatamente para tocar. E gostei tanto que acabei transferindo as músicas para o meu MP3, que costumo levar diariamente para a malhação. O músico se tornou meu companheiro fiel nos momentos de suor na esteira e na bicicleta. Pedalar e andar cinqüenta minutos em local fechado me causa total impaciência, e só aprendi a desfrutar desse tempo com música (escolhida por mim, é claro). Em mais de um ano de “quilometragem estática”, quase saí voando com belas canções de Piazzola, Nelson Ângelo, Dori Caymmi, e tantos e tantos. João Donato foi quem me acompanhou mais tempo, por três suados meses.
Edu Krieger não me era de tudo desconhecido, pois eu já tinha escutado algumas de suas canções gravadas por Maria Rita, como Novo amor, Maria do Socorro e Ciranda do mundo. Maria do Socorro me pegou de jeito desde a primeira audição: a graciosidade da letra e o suíngue do samba anunciavam um compositor que sabia a que veio. A letra é uma pequena crônica bem humorada que tem como tema o subúrbio carioca, e me fez lembrar vagamente do letrista Aldir Blanc, um dos mestres do gênero. A Miss Suéter da canção de Aldir retorna transformada em musa do baile funk nos versos atuais de Edu Krieger: “Maria do Socorro/ suas pernas torneadas/ pelas ladeiras do morro/ ela vai pro baile funk/ de shortinho, top e gorro/ é afim do Zé Galinha/ mas namora o Zé Cachorro”.
As interpretações de Maria Rita são muito boas pela beleza do timbre, a qualidade dos arranjos e do naipe de músicos. Mesmo assim, não me canso de repetir que prefiro sempre ouvir o autor interpretando sua própria obra. Neste cd, Edu registrou com sua voz e violão as canções que Maria Rita gravou anteriormente. Tudo saiu diferente, com a assinatura Edu Krieger, do princípio ao fim. Ele supera em seu disco as limitações comuns evidentes nos álbuns de estréia, que usualmente falham na seleção do repertório. Aos trinta e quatro anos o músico demonstra a maturidade de um artista que provavelmente recebeu as melhores influências, de nomes como Chico Buarque, Cartola, Djavan, Gilberto Gil, Clementina de Jesus e dos grandes representantes do nosso samba.
Edu Krieger manifesta inclinação para compor sambas, mas sambas com toques de linguagem contemporânea. As harmonias e os arranjos muito bem feitos incorporam elementos da modernidade como programações e sintetizadores. Tudo na medida certa para que o som soe com cara de novo, mas com substância. Saber ganhar, por exemplo, é um samba bem brasileiro, leve e alto astral: “Você sabe perder/ Tem fé pra recomeçar/ O difícil pra você/ É saber ganhar/ É saber ganhar// Se você perde/ Na humildade se apresenta/ E de novo você tenta/ Sem vaidade e sem rancor”.
Edu Krieger é compositor essencialmente urbano, capta a cidade do Rio de Janeiro em fragmentos de luz e sombras. Sem fazer música panfletária ao estilo déjà vu, ele deixa despontar suas impressões de relance, numa linguagem que privilegia os aspectos visuais, a exemplo de Ela mora longe: “Ela mora longe/ Mora tão longe que se esconde/ Quatro ônibus e um trem/ Duas barcas mais um bonde/ Me separam do meu bem”.
“A lua é testemunha” é uma bela balada lírica muito bem interpretada por Edu, que não desperdiça uma palavra. Vale destacar a atuação da guitarra de Fabiano Krieger, que passeia ao lado dos demais intrumentos dando colorido à canção. A letra meio à moda romântica (mas nada kitsch) fala do apaixonado que se confidencia com a lua: “A lua me flagrou pela janela/ Me lembrei dos olhos dela/ Comecei a marejar/ Marejei mais que um marujo/ Que tem saudade do mar/ Meu olhar ficou tão longe/ Bem mais longe que o luar/ E a lua é testemunha/ Me flagrando na janela/ Que ainda morro/ Morro de saudade dela”.
Entre as quatorze canções, eu me encantei mesmo foi por Linha de fé. Toda em batuques e ritmo de palmas que evocam a força africana. A pulsação das palmas e tambores, aliada à guitarra de Fabiano Krieger, que de novo passeia preenchendo pequenos intervalos, compõe uma espécie de mantra. O que me traz de volta também o som de Clementina, que sempre me toca fundo. A letra chama para um ágape de alegria e coragem. Bato palmas para Edu Kireger e sigo nesse compasso: “Segura na palma da mão/ Esta nossa linha de fé/ Sentido e razão/Pro que der e vier/ Encarando o que for/ Renascer todo dia/ Quem renasce da dor/ Dá valor à alegria”.
De vez em quando mamãe me tirava das brincadeiras e me chamava para confirmar algum acontecimento extraordinário, como no dia em que calcei minhas primeiras sapatilhas de balé (uma foto muito mal tirada, por ela mesma, em que eu, desengonçadíssima, tento dar um laço na fita da sapatilha). Meu irmão até hoje morre de rir quando relembra o fato de que quando era um menino gordinho e os companheiros da escola o chamavam de bolão, mamãe lhe explicava, cheia dos eufemismos: “Fabinho, você não é gordo, só tem ossos largos”.
No camarim da Sala Baden Powell, no Rio de Janeiro, um pouco antes de iniciar o show que eu faria com o pianista Márcio Hallack, bati um ótimo papo com Neném Krieger, a diretora do teatro. Muito tensa, eu fazia os ajustes finais em minha maquiagem, insistindo pela última vez na difícil arte de desenhar com o delineador um leve traço sobre as pálpebras, sem me borrar de preto. Neném foi me distraindo tanto com seu bom humor e simpatia que, por uma fração de segundo, cheguei a me esquecer que estava na hora de tocar o último sinal para a entrada em cena.
Conversei com ela sobre o repertório do meu show e a nova geração de músicos e compositores da MPB, que inclui talentos como Rodrigo Maranhão, Marcelo Camelo, Chico Pinheiro, Daniel Jobim e Edu Krieger. Este último é seu filho e Mamãe-Neném, fã de carteirinha, logo emendou/recomendou: “Você precisa ouvir o Edu, meu filho. Não é porque sou mãe dele, não. Mas acho que você vai gostar. Ele anda fazendo coisas muito boas e acabou de lançar seu primeiro disco”.
Neném não escondia o brilho nos olhos: muita, muita alegria e satisfação quando me falava do Edu. Acho que Cazuza estava certo quando disse numa canção: “Só as mães são felizes”. Neném expunha sorridente o entusiasmo pelo talento do filho. Infelizmente, naquele dia, ela não tinha nenhum cd em mãos para me presentear e voltei para Juiz de Fora com muita vontade de ouvir o disco do Edu.
Há cerca de três semanas recebi pelo correio um presente de Neném, o recém- lançado cd de Edu Krieger. Curiosa como sempre, coloquei-o imediatamente para tocar. E gostei tanto que acabei transferindo as músicas para o meu MP3, que costumo levar diariamente para a malhação. O músico se tornou meu companheiro fiel nos momentos de suor na esteira e na bicicleta. Pedalar e andar cinqüenta minutos em local fechado me causa total impaciência, e só aprendi a desfrutar desse tempo com música (escolhida por mim, é claro). Em mais de um ano de “quilometragem estática”, quase saí voando com belas canções de Piazzola, Nelson Ângelo, Dori Caymmi, e tantos e tantos. João Donato foi quem me acompanhou mais tempo, por três suados meses.
Edu Krieger não me era de tudo desconhecido, pois eu já tinha escutado algumas de suas canções gravadas por Maria Rita, como Novo amor, Maria do Socorro e Ciranda do mundo. Maria do Socorro me pegou de jeito desde a primeira audição: a graciosidade da letra e o suíngue do samba anunciavam um compositor que sabia a que veio. A letra é uma pequena crônica bem humorada que tem como tema o subúrbio carioca, e me fez lembrar vagamente do letrista Aldir Blanc, um dos mestres do gênero. A Miss Suéter da canção de Aldir retorna transformada em musa do baile funk nos versos atuais de Edu Krieger: “Maria do Socorro/ suas pernas torneadas/ pelas ladeiras do morro/ ela vai pro baile funk/ de shortinho, top e gorro/ é afim do Zé Galinha/ mas namora o Zé Cachorro”.
As interpretações de Maria Rita são muito boas pela beleza do timbre, a qualidade dos arranjos e do naipe de músicos. Mesmo assim, não me canso de repetir que prefiro sempre ouvir o autor interpretando sua própria obra. Neste cd, Edu registrou com sua voz e violão as canções que Maria Rita gravou anteriormente. Tudo saiu diferente, com a assinatura Edu Krieger, do princípio ao fim. Ele supera em seu disco as limitações comuns evidentes nos álbuns de estréia, que usualmente falham na seleção do repertório. Aos trinta e quatro anos o músico demonstra a maturidade de um artista que provavelmente recebeu as melhores influências, de nomes como Chico Buarque, Cartola, Djavan, Gilberto Gil, Clementina de Jesus e dos grandes representantes do nosso samba.
Edu Krieger manifesta inclinação para compor sambas, mas sambas com toques de linguagem contemporânea. As harmonias e os arranjos muito bem feitos incorporam elementos da modernidade como programações e sintetizadores. Tudo na medida certa para que o som soe com cara de novo, mas com substância. Saber ganhar, por exemplo, é um samba bem brasileiro, leve e alto astral: “Você sabe perder/ Tem fé pra recomeçar/ O difícil pra você/ É saber ganhar/ É saber ganhar// Se você perde/ Na humildade se apresenta/ E de novo você tenta/ Sem vaidade e sem rancor”.
Edu Krieger é compositor essencialmente urbano, capta a cidade do Rio de Janeiro em fragmentos de luz e sombras. Sem fazer música panfletária ao estilo déjà vu, ele deixa despontar suas impressões de relance, numa linguagem que privilegia os aspectos visuais, a exemplo de Ela mora longe: “Ela mora longe/ Mora tão longe que se esconde/ Quatro ônibus e um trem/ Duas barcas mais um bonde/ Me separam do meu bem”.
“A lua é testemunha” é uma bela balada lírica muito bem interpretada por Edu, que não desperdiça uma palavra. Vale destacar a atuação da guitarra de Fabiano Krieger, que passeia ao lado dos demais intrumentos dando colorido à canção. A letra meio à moda romântica (mas nada kitsch) fala do apaixonado que se confidencia com a lua: “A lua me flagrou pela janela/ Me lembrei dos olhos dela/ Comecei a marejar/ Marejei mais que um marujo/ Que tem saudade do mar/ Meu olhar ficou tão longe/ Bem mais longe que o luar/ E a lua é testemunha/ Me flagrando na janela/ Que ainda morro/ Morro de saudade dela”.
Entre as quatorze canções, eu me encantei mesmo foi por Linha de fé. Toda em batuques e ritmo de palmas que evocam a força africana. A pulsação das palmas e tambores, aliada à guitarra de Fabiano Krieger, que de novo passeia preenchendo pequenos intervalos, compõe uma espécie de mantra. O que me traz de volta também o som de Clementina, que sempre me toca fundo. A letra chama para um ágape de alegria e coragem. Bato palmas para Edu Kireger e sigo nesse compasso: “Segura na palma da mão/ Esta nossa linha de fé/ Sentido e razão/Pro que der e vier/ Encarando o que for/ Renascer todo dia/ Quem renasce da dor/ Dá valor à alegria”.
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