Fátima Guedes: “Ai, ai o mato, o cheiro seu/ um rouxinol no meio do Brasil”. Djalma Ferreira: “É aquele cheiro de saudade/ que me traz você a cada instante”. Como as canções, também os cheiros são cercados de vida: cheiro de livro antigo, cheiro de livro novo, cheiro de pão saltando do forno, cheiro “verde” do eucalipto na sauna, cheiro de roupa nova, cheiro de caderno novo, cheiro de shampu no cabelo, cheiro de pipoca, cheiro de chocolate, cheiro de canela, cheiro de gasolina, aquele bouquet do vinho.
Para mamãe, abacaxi cheira a piscina. Já minha irmã acha mesmo que abacaxi tem cheiro de abacaxi, uai! Para papai, o cheiro do figo se fixa na memória, como o cheiro de jornal, o cheiro de tinta. Há aquele “cheiro de maçã evocando a metrópole” como diz o Ronaldo Werneck em seu Pomba Poema. E pra mim há aquele aroma, o inesquecível cheiro da “flor-do-samba”, aquele perfume da flor dama-da-noite que impregnava as quadras de ensaio das escolas de samba de Juiz de Fora.
Ainda outro dia, caminhando em Cataguases, naquele vaivém da avenida Humberto Mauro, senti o forte perfume da “flor-do-samba”, o que me proporcionou uma súbita sensação de conforto e acolhimento. Ali na Humberto Mauro, com suas árvores simetricamente distribuídas, o córrego, os paralelepípedos, tudo transmite uma bucólica, convidativa serenidade.
E o cheiro de Cataguases? Ela cheira a cultura no charme de seus espaços. Uma plácida beleza reveste esta cidade que respira arte por todos os poros. Em cada canto, uma obra de um artista de renome, o que vem me tocando profundamente nesses quase quatro meses em que aqui estou. O Portinari das “Fiandeiras”, a Violeta de Sonia Ebling, o Colégio, a Santa Rita da Djanira. E também a imponência da ponte metálica.
Os contrastes convivem numa síntese harmônica entre o tradicional e o moderno: casas, painéis, esculturas, igrejas, árvores, muitas árvores e muita, muita gente jovem, coisas que fazem de Cataguases uma cidade aberta para o novo. Pelo menos, é o que acredito. Uma cidade hospitaleira que recebe pessoas de grandes centros e que numa saudável “antropofagia cultural” assimila as contribuições e as devolve ao povo. E que se prepara para oferecer o que tem de melhor aos visitantes, como se vê pela recente implantação na chacára Dona Catarina do vagão de informações turísticas.
Para mim, um dos dias mais prazerosos desde que aqui estou , um dos momentos em que me senti mais integrada ao astral cataguasense, foi quando assisti no teatro Rosário Fusco à excelente jam-session do baterista Afonsinho Vieira, acompanhado por músicos da pesada como o baixista Jimmy Santa-Cruz, o saxofonista Val e o pianista Chiquinho Neto. Eu estava em Cataguases, eu estava no mundo. Percebi que não havia fronteiras. Unidos pela música, unidos pela sensibilidade, saímos todos para o jantar após o show.
O papo rolou solto, pleno de improvisos, num clima de agradável descontração. Jazz puro. Noite de jazz livre, de free-jazz em Cataguases. Nunca me senti tão em casa. Não o saxofonista Val, que é moço e muito novo, mas com certeza Afonsinho, Jimmy e Chiquinho conhecem, ouviram e talvez até mesmo tenham tocado com Djalma Ferreira. Pois é, todo aquele cheiro de saudade de um Rio pré-bossa nova, tempos que eu também gostaria de ter vivido. “A canção/ a praça/ o perfume/ tudo no tempo estancado”, como já disse aquele poeta. Quem mesmo? O Ronaldo, gente, que gosta tanto desta cidade que parece estar impregnado de um “cheiro Cataguases”. Que é único.
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