sábado, 8 de dezembro de 2012

Campo de flores

O tempo vem se mostrando como matéria rica de memórias e histórias nos trabalhos de grandes músicos, sobretudo os que neste 2012 alcançam a casa dos setenta. Caetano Veloso, Milton Nascimento, Gilberto Gil, Paulinho da Viola e Jorge Benjor brindam com o grande público mais de meio século de existência, se vivo estivesse o também setentão de peso Tim Maia traria com sua voz poderosamente grave um vigor ainda mais festivo e repleto de rebelde energia. “O melhor lugar do mundo é aqui e agora” já preconizava Gilberto Gil nos tempos joviais de “Refazenda” e Paulinho da Viola se apropria da reflexão do compositor baiano cantando os versos de Wilson Batista “Eu sou assim quem quiser gostar de mim eu sou assim/ Meu mundo é hoje não existe amanhã pra mim/Eu sou assim/Assim morrerei um dia/Não levarei arrependimentos/Nem o peso da hipocrisia”. As agruras e deslumbramentos relativos ao transcorrer do tempo inundam o imaginário lírico-sonoro de Caetano Veloso muito antes de seu desvelar septuagenário : “De modo que o meu espírito/Ganhe um brilho definido/Tempo tempo tempo tempo/ E eu espalhe benefícios/Tempo tempo tempo tempo”. Milton Nascimento com sua grandeza e serenidade canta como se fosse dono dos céus: “Passa o tempo, passa a estrada/Ou será que nada passa?/Nada contra além da graça do amor/O Amor que é raio e centro/Eternidade e momento/Nosso solidário redentor/Único Senhor do Tempo/Amor”.

Introduzo essas minhas digressões musicais com um extenso aplauso aos septuagenários, mas trazendo a cena o ainda sexagenário Chico Buarque de Hollanda que volta ao disco e aos palcos evidenciando um belíssimo trabalho que também deixa entrever o tempo como matéria de lírico desnudamento. Após tantos discos com títulos memoráveis como Almanaque, Ópera do Malandro, Para todos, Cambaio, As cidades e Carioca o compositor retoma sua criação musical num álbum de dez canções que traz estampado na capa com sua foto em preto e branco o simples nome Chico. “Chico” é uma ode ao amor em tempos de madureza, que despoja em palavras e sons a beleza do encantamento amoroso em tempos de depuração, tal qual elucidou Drummond em seu denso e desnudo “Campo de flores”: “Hoje tenho um amor e me faço espaçoso/para arrecadar as alfaias de muitos/amantes desgovernados, no mundo, ou triunfantes”.

“Chico” é uma obra como as demais do artista, plena de sutilezas, delicadezas e reentrâncias que não se captam numa única audição. Os versos de “Diário”, faixa que compõe a abertura do cd exibem uma espécie de auto retrato do compositor, que descreve a si próprio inserido na vida presente e com os homens presentes:“ Hoje topei com alguns conhecidos meus/Me dão bom-dia, cheios de carinho/Dizem para eu ter muita luz, ficar com Deus/Eles têm pena de eu viver sozinho”. Mas essa solidão outrora vivenciada com resignada madureza se transforma em emoção de pura redescoberta incitada por um novo amor: “Hoje afinal conheci o amor/E era o amor uma obscura trama/Não bato nela nem com uma flor/Mas se ela chora, desejo me inflama”. Tal qual Picasso e sua Jaqueline, Miller e sua Anais Nin, Oswald e sua Pagu, o compositor se esbalda de encantamento por sua jovem musa Thais Gullin que submerge e irradia efluxos erótico-epifânicos em seu coração de poeta forte-frágil: “O nosso amor/a nossa íntima canção/Com nosso segredos, os mais picantes/Nos rompantes de um tenor”.

No transcorrer de cada faixa Chico vai desvelando um amor que pulsa além do reino imaginário-sublimado dos sons e palavras. Vinicianamente carnal e lírico o criador despeja seu eros afoito e simultâneamente intenso e denso ao proclamar um amor que é chama, desejosamente infinita na sequência dos agoras: “Meu tempo é curto, o tempo dela sobra/Meu cabelo é cinza, o dela é cor de abóbora/Temo que não dure muito a nossa novela, mas/Eu sou tão feliz com ela”. “Essa pequena” é um canto de pura sedução e singeleza do homem maturado de todo o sentimento “Pretendo descobrir/No último momento/Um tempo que refaz o que desfez/Que recolhe todo sentimento/E bota no corpo uma outra vez” . “Chico” é um disco que traz a tona o renascer de um jovem-senhor-menino que se despoja de todas as armaduras e se permite viver no seu talvez mais pleno gozo de entrega.

O tempo e suas curvas surpreendentes é substrato para a elaboração de versos que camuflam uma suavidade angustiada, sublime instante de epifania amorosa e sonora que se dá na mais bela canção do álbum que celebra a chegada do amor em tempos de madureza comungado com a alegria rítmica e tão brasileira do baião: “Não sei para que/Outra história de amor a essa hora/Porém você/Diz que está tipo a fim/De se jogar de cara num romance assim/Tipo para a vida inteira/E agora, eu/Não sei agora/Por quê, não sei/Por que somente você/Não sei por que/Somente agora você vem/Você vem para enfeitar minha vida/Diz que será/Tipo festa sem fim”. O arranjo construído pelo violonista Luiz Cláudio Ramos é primoroso quando explode cheio de ritmos genuinamente brasileiros entoados pelo coro composto por vozes femininas que traduzem um instante de pura elevação. Em minhas incontáveis e obsessivas audições desta música chamava-me sempre atenção a intencional e genial saída sonoro-poética de Chico, que brinca com o titubear da entrega amorosa transfigurada em criação musical na maneira como pronúncia os versos iniciais de “Tipo um baião”, tal qual uma sutil remissão aos ecos do gago apaixonado Noel.

O tão belo choro- canção “Se eu soubesse” alude em sua leveza descompromissada às canções francesas em que o compositor capta instantes de singelo lirismo. Paris emoldura a atmosfera cinematográfica que reveste ocenário do dueto apaixonado entre o criador e sua musa. Chico se deixa inflamar numa chama de satisfação infinita : “sinto que ainda vou penar com essa pequena, mas o blues já valeu a pena”. Saravá!


quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Angela Rô Rô Feliz da Vida


Angela Rô Rô está feliz da vida, prestes a lançar seu novo DVD "Feliz da Vida" no dia 15 de Outubro no Teatro Net Rio, ela fala um pouco sobre sua carreira, predileções musicais e projetos futuros. Angela vive um momento de plenitude existencial e artística evidentes na satisfação que expõe em cantar, compor e abrir o palco para a entrada de novos amigos como Diogo Nogueira e Jorge Vercillo.


Daniela Aragão: Angela é uma imensa honra e satisfação conversar com você. Acompanho seu trabalho desde a adolescência e te assisti ao vivo pela primeira vez no Teatro Solar em Juiz de Fora, nos idos de 1993. Fiquei encantada por sua intensa musicalidade e talento além de sua postura marcante que revela inteligência, ousadia e sobretudo muita personalidade. Gostaria de começar nossa conversa com uma pergunta que costumo fazer para todos os entrevistados. Como começou a música em sua vida?

Angela Rô Rô: Eu tenho a música como companhia na vida desde a infância.Com 5 anos iniciei estudos com instrumentos rítmicos e logo depois acordeon ate 8 anos, quando ganhei meu piano do patrão do meu pai.Mas o dom, o talento e voz herdei de minha mãe Conceicao!Ambos me incentivaram muito!

Daniela Aragão: Seu primeiro disco lançado em 79 revela uma artista completa que compõe, toca e canta. Naquele momento essa tríade se harmonizava bem em sua cabeça ou você acha que a cantora por exemplo levava mais destaque?

Angela Rô Rô: Em 1979 quando gravei meu primeiro disco eu já era figura cult do meio artístico.E tinha como estilo a forma prática de cantar pela noite me acompanhando ao piano com meu próprio repertório.Era visceral!Durante algum tempo foi minha solitária arte nos palcos.Mas Adoro Um Bom Músico tocando comigo!!

Daniela Aragão: Você possui um timbre belíssimo e uma marca única, inconfundível. Suas interpretações levam a sua assinatura, tanto que fica até difícil assimilar "Amor meu grande amor" em outra voz, por exemplo. Em alguma ocasião da sua vida você sentiu vontade ou necessidade de recorrer a algum preparador vocal para poder explorar algumas nuances do seu canto?

Angela Rô Rô: Não quero ser arrogante mas nunca gostei de fazer aulas de canto!apesar de ter assistido alguns meses aulas de música quando morava em Londres.E quando criança e mocinha aprendia e praticava solfejos e escalas junto as aulas de piano.

Daniela Aragão: O Brasil é um país de muitas cantoras, mas poucas são aquelas que têm domínio de algum instrumento. Elis Regina por exemplo era uma cantora que "apenas cantava", mas como cantava, tinha feeling de músico, timing perfeito como revelou Edu Lobo. Você, Rosa Passos, Joyce e Cida Moreira são cantoras que se acompanham, certamente isso é um diferencial. O piano é fundamental para você Angela?

Angela Rô Rô: _Gratíssima!Primeiro você elogia minha voz e agora me compara a Joyce..RosaPassos..Cida Moreira...Mas sim...e muito bom ser independente como uma Leila Pinheiro..Wanda Sá...Adriana Calcanhotto...Marina...Maria Gadú...quando então o artista compõe o que canta eh tudo!!

Daniela Aragão: Pois é, falei apenas as três, mas você citou excelentes cantoras que estão aí hoje e sempre se renovam como Wanda Sá e Adriana Calcanhotto. Citei a Joyce e Rosa Passos pela questão do desempenho como instrumentistas também, pois acho bonito você tocar piano, acompanhar suas próprias canções. Ao longo de sua carreira você compôs também em parceria com vários artistas como Ana Terra, Cazuza, Sergio Bandeira e Antonio Adolfo. Você faria um disco inteiro elegendo algum de seus parceiros fiéis? Ou há algum sonhado?

Angela Rô Rô: Sou muito sortuda com meus parceiros!São todos ótimos!Agora estou com um repertório de inéditas com Jorge Vercillo, Sandra de Sá, Moska, Ana Carolina, Antônio Adolfo. Meus maestrinho Ricardo MacCord... músicas que fazem parte do meu dvd que será gravado dia 15 de Outubro no Teatro NetRio.

Daniela Aragão: Nos anos de 2004 e 2005 você esteve no ar no Canal Brasil com o programa Escândalo em que entrevistava uma série de músicos. Como foi a experiência?

Angela Rô Rô: Foi genial fazer 53 programas num canal de tv maravilhoso como o Canal Brasil.Descobri o quanto meus colegas são amigos queridos e despojados!Foi um grande aprendizado. É uma delícia encontrar, conversar, cantar e tocar com convidados
maravilhosos e sensacionais!

Daniela Aragão: Fale um pouco sobre o projeto Loucos por música.

Angela Rô Rô: "Loucos por Musica" é um Projeto da Dupla Produtora (escritório do qual sou exclusiva.) Criado por Lana Braga, que durante anos serviu ao público Com encontros musicais regados a Arte Plástica feita durante os shows que uniram artistas Como Bethânia, Ana Carolina, Paralamas do Sucesso, Erasmo Carlos, Elba Ramalho e Ivete Sangalo. E cuja renda foi entregue integralmente a Instituições de apoio ao usuário de saúde mental, seguindo a luta da Dra Nise da Silveira. Arte Cura! Loucos por Música está agora precisando de patrocínio para continuar seu caminho cultural de utilidade humanitária! Vamos torcer!

Daniela Aragão: Apoio integralmente o movimento e certamente a arte cura mesmo, Nise da Silveira abriu um caminho nas artes plásticas que podemos e devemos expandir para outras modalidades artísticas como a música que é um excelente meio de cura. Viva Angela!

Daniela Aragão: Adoro suas interpretações de Cole Porter e Jacques Brel. Já pensou em fazer um disco exclusivamente com composições deles ou alguns grandes standards? Frank Sinatra por exemplo?

Angela Rô Rô: Penso um dia gravar Samba e Jazz que seria mistura de grandes sambas com o melhor do Jazz das décadas de 40 50 e 60.Ou um cd só com Jazz com repertório doFran Sinatra..Billi eHoliday..Sarah Vaughan..por ai...!

Daniela Aragão: Você é luxo só, como diz a canção Angela. Fico só imaginando as maravilhas que poderão vir daí. E Angela Rô Rô continua intensa, densa, criativa e irônica? Me toca aquele belo texto seu que acho bem seu retrato " Mais, foi a primeira palavra que eu me repeti intensamente em minha infância: 'mais e, mamãe, mais e...Eu quero é mais ser imortal!! Quero ser o meu futuro ancestral. Quero mais pessoa, mais maria, mais poesia...". ... Toda a luz do mundo pra você. Sucesso!

Angela Rô Rô: Que bom que continuo sempre a mesma Essência pois gosto muito de ser quem eu sou!Mas grandes e radicais mudancas Como a derrota de vícios e a vitória da minha saúde desde 1999 fizeram minha vida melhorar e com isso minha arte corpo e alma lucraram!SouFeliz!Feliz da Vida!S



ejam felizes!AngelaRoRo



domingo, 25 de março de 2012

Bracher



Faz um bom tempo que não escrevo uma crônica, hoje recordo-me com satisfação do período em que mantive assiduamente uma coluna no jornal de Cataguases. De quinze em quinze dias estava lá ao lado de outros colunistas também assíduos como os escritores Ronaldo Werneck e Francisco Marcelo Cabral. Cataguases é a “Paris da Zona da Mata” na visão lírica-utópica de Werneck, mas é fato que certo glamour ainda invade o imaginário de alguns habitantes que por ali se reúnem num pequeno calçadão evocando um tempo-memória não vividos pelas imagens de Humberto Mauro e a criação densa e simultaneamente iconoclasta de Rosário Fusco.

Um ano e meio caminhando entre igrejas, ladeiras, museus e casas e mais casas de Ouro Preto, me invade uma sensação semelhante a que tive anos atrás mirando um jardim composto por Burle Marx, no Hotel Cataguases. Essa sensação é difícil de traduzir em palavras e também não encontrei uma canção que desse conta de me traduzir em verso e som. É uma espécie de melancolia aliada a uma solidão contemplativa que me faz alegre e triste. “Estou aqui de passagem, esse mundo não é meu, esse mundo não é seu”, Marisa Monte sopra nos meus ouvidos esse verso com sua voz de sereia e vou juntando as imagens desses passageiros que encontro a todo momento na Rua Direita, ou seria esquerda? O bar Barroco, ou melhor: Barro Oco, na insistente versão de meu amigo Serginho, é uma mistura de Lapa com Baixo Leblon, botequim pé sujo e mil outras associações que sempre lhe cabem bem. Cabeludos, carecas, pretos, brancos, hippies, estudantes, turistas brasileiros, turistas franceses, turistas italianos, turistas bolivianos,turistas argentinos, professores, ricos, pobres, intelectuais, pseudo-intelectuais, bem vestidos, mal vestidos, musicais, desafinados, filósofos, caras de pau, saudosistas, artistas, sonhadores, gente e mais gente vejo por ali quando às vezes entro para comprar uma água gasosa ou para saborear a tão famosa coxinha. Verdade que já me sentei ali algumas vezes, a primeira foi com papai na nossa primeira visita a Vila Rica há cerca de vinte e três anos, em que barroqueamos até o dia clarear. Coca Cola, cerveja, tira gosto, violão e uma gente muito doida que nunca me fez apagar aquela noite única.

Ganhei do pintor, meu mais novo amigo de infância e conterrâneo Carlos Bracher, seu tão bonito “Ouro Preto. Olhar Poético”: “Daniela amada dos tempos e memórias impregnadas, dos seus e da própria vida, que virá, tanto quanto da Havida, daquela que lá ficou nos registros de mim, Juiz de Fora. Todo afeto. Carlos Bracher 2/12/2011”. No claro escuro daquele corredor da estação ferroviária, espaço em que acontecia a vernissage, li e reli, li e reli a dedicatória de Bracher que muito talvez dissesse do meu estar aqui, Bracher que foi um amigo irmão de meu saudoso e querido tio Luiz Affonso, selou naquele instante nossa mais “nova velha amizade”.

Ouro Preto desponta nas páginas deste livro em que Bracher percorre Vila Rica com cores e palavras, objetos como uma cadeira de braço do século XVIII e uma cama que data da mesma época, transformam-se diante de seu olhar pictórico. Salto duas páginas e vejo a foto envelhecida de Dona Olímpia tirada em 1962, e me remeto a Milton Nascimento e Toninho Horta no antológico “Terra dos pássaros”, nesse instante Minas arde nos meus olhos e ouvidos: “É ficou assim, caiu no ar/ É passou assim, não quer passar/ Não para de doer/ E não vai parar mais/Nem de vez em quando vai sarar/ Me xinga me deixa me cega/ Mas vê se não esquece de voltar”. Praça Tiradentes acinzentada, Casa de Gonzaga em fluxos rosados, igreja de São Francisco de Assis serena e tensa em sua luminosidade, Casa de Claúdio Manuel da Costa expandindo-se sobre um semi teto rosa e cinza, o círculo sóbrio que recria labirinticamente- uterinamente a Mina do Chico Rei, a última morada de Guignard resplandece plena de sensibilidade e delicadeza aos olhos de um pintor que celebra um igual: “O bairro de Antônio Dias era uma de suas temáticas preferidas. Adorava crianças e, quando instalava seu cavalete nas redondezas de Antônio Dias ou quaisquer outros lugares, seus bolsos estavam sempre cheios de balas para presenteá-las à meninada. Sentava-se nos bancos da ponte de Marília, observando, desenhando, fruindo a paisagem e as pessoas. Era um homem de modos simples e a autenticidade era sua marca vulnerável”.

Parece-me que Bracher re-constrói Ouro Preto, um pouco mais ensolarada? Nos cruzamos em poucas ocasiões, embora ele entusiasticamente sempre fale da nossa futura longa conversa- entrevista que acontecerá um dia. Topei pela última vez com ele entre as estantes de um supermercado, afobado procurava estopas para limpar os dedos sujos de tinta. Um momento descontraído e absolutamente cotidiano. A vida prática naquele instante suplantava o lirismo. Rumo a uma cidade o qual não me recordo o nome, Bracher pintaria uma grande tela, trabalho que ele se preparava para fazer sob encomenda, feliz da vida e com uma empolgação de menino. Antes de se despedir pediu-me meu endereço para o envio de “uma coisa”. Essa coisa chegou num envelope branco médio, é um vídeo seu acrescido de um texto sobre a fábrica “Louçarte”, existente em Juiz de Fora. Delicadezas que tanto me movem e comovem.

quinta-feira, 1 de março de 2012

Entrevista com o pianista André Mehmari



Daniela Aragão: Oi André, é um prazer e uma honra conversar com você que é o terceiro pianista a ser entrevistado. Márcio Hallack e Cristovão Bastos já passaram por aqui e falaram sobre suas músicas, projetos e apreciações. Recordo-me de que nos conhecemos na ocasião da homenagem ao Cacaso realizada pela Rosa Emília no CCBB do Rio, você participou do espetáculo acompanhando Paula Santoro, Claudio Nucci, Rosa Emília, Sergio Santos entre outros. Gosto imensamente da sua maneira de tocar que parece aliar o popular e o erudito, enfim, como começou a música wm sua vida?

André Mehmari:Minha vida começou no banquinho do piano, literalmente. Minha mãe iniciou o trabalho de parto enquanto tocava algo no piano Bentley que meu pai havia presenteado a ela quando soube da gravidez. Podia ser Chopin, Nazareth ou Jobim mas ela não se lembra. Não venho de família de músicos, mas ela garantiu um ambiente musical rico e variado em casa, tocando piano, violão, acordeom (seu primeiro instrumento) e cantando.

Daniela Aragão: Você parece-me um pianista de formação clássica que no percurso foi incorporando outras vertentes como o jazz. Como se deu sua formação?


André Mehmari:Na verdade deu-se algo muito próximo do inverso disso que você descreve. Minha formação foi bastante irregular e singular. Comecei por um curso de órgão eletrônico, febre dos anos 80 e já saí tocando em bailes aos 9, 10 anos de idade... na adolescência mergulhei nos clássicos e me enamorei do jazz. O ímpeto de improvisador sempre existiu em mim. Desde a infância, assimilei todo tipo de música ao meu redor, sem rótulos nem pré julgamentos. Isso se reflete na música que faço hoje.


Daniela Aragão: Você também compõe trilhas para cinema e peças eruditas, como foi a experiência de compor e gravar a música do ballet “Sete” para a Companhia Paulista de dança?


André Mehmari: Compus já quatro balés: Sete, Bach, Abacada e Ballo. Este ano escreverei mais um. É algo muito rico para o compositor, esse namoro com o movimento do corpo humano, com a dança. O que veio primeiro, a dança ou a música? Essas artes são irmãs e se adoram.

Daniela Aragão: Um de seus trabalhos que mais me encantou foi o que desenvolveu ao lado da cantora Ná Ozzetti, somente o duo piano e voz e uma cumplicidade musical plena que deixa evidente para o ouvinte o trato delicado de cada nuance da melodia. O ciúme de Caetano Veloso ganha uma versão impactante de vocês. Como foi trabalhar com uma cantora como Ná Ozzetti?

André Mehmari: Este trabalho é importantíssimo nas nossas carreiras. O trabalho com a Ná foi sempre muito fluente e natural, desde a escolha das canções que abordaríamos no nosso CD piano e voz. De fato, trata-se de um trabalho onde cada nota tem sua razão de existir, tudo foi muito bem cuidado e gestado, pois registramos todos os ensaios até o dia do primeiro concerto. Isso nos deu um controle sobre o amadurecimento profundo do processo criativo, um recurso que só o tempo permite. O CD e o DVD são discos dos quais me orgulho muito e a Ná tem sido uma parceira constante em minha carreira.

Daniela Aragão: Você é muito jovem e certamente com muitos projetos pela frente. Na vertente mais direcionada para a música popular brasileira, qual trabalho você sonha em realizar?

André Mehmari:Não me vejo encaixado (literalmente) numa vertente ou linha musical. Tenho uma natureza inquieta, transito por ambientes musicais muito variados e distintos, aprendo com tudo e todos, filtro o que não gosto e minha música é o resultado dessa vivência musical rica e intensa. Gosto de música bonita, boa e inteligente.

Daniela Aragão: Você já gravou um disco inteiramente autoral?


André Mehmari: ...De árvores e valsas (2008) é o primeiro projeto totalmente dedicado a composições próprias. Mais recentemente, o Canteiro também é só de coisas minhas, todas dialogando com a tradição da canção, algo que me é muito caro.


Daniela Aragão:Quais são os projetos atuais?

O lançamento do CD duplo Canteiro, a finalização do novo CD com Chico Pinheiro e Sérgio Santos, previsto ainda para este ano e muitas composições e e encomendas já em andamento, para orquestras e grupos variados.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Entrevista com o poeta Ronaldo werneck




Daniela Aragão: É uma satisfação muito grande realizar essa entrevista com você, pois afinal de contas desenvolvemos alguns trabalhos juntos como a gravação do meu cd dedicado à parceria Sueli Costa e Cacaso e algumas apresentações lítero musicais na ocasião da divulgação do seu livro Ronaldo Werneck revisita Selvaggia. Você inaugura a face literária do meu blog, pois os demais entrevistados foram todos da área musical. Então, como começou a literatura em sua vida?

Ronaldo Werneck – É um prazer estar aqui falando com você, Daniela. E, ainda mais, “inaugurando a face literária” do seu blog – que responsa! A literatura surgiu para mim desde muito cedo, devorando (antropofagicamente?) tudo que via pela frente. De início, os indefectíveis gibis, os quadrinhos de variados quilates. Depois, já em livro, histórias que já conhecia dos quadrinhos. “Tarzan dos Macacos”, de Edgard Rice Burroughs, o primeiro livro lido (e amado) do princípio ao fim. O prazer de “fantasiar”, de assimilar a história pela força das palavras, sem o apoio da ilustração. A palavra que se fazia imagem na mente. A palavra que até hoje se faz imagem, sua força, o poder que enriquece o imaginário. Um pouco depois, chegava a poesia. Perdão, os poemas. Nunca mais me libertei, nem quero, da palavra-prosa/palavra-poema. Fora da poesia, da proesia, não há salvação. Pelo menos para mim.

Daniela Aragão: Você foi funcionário do Banco do Brasil durante anos e no entanto praticamente só trabalhou no setor cultural não é?

RW – Sim, trabalhei no Banco do Brasil por mais de 30 anos. De início, na Bahia (Salvador, 1964). Depois, e até o final, no Rio de Janeiro. Na Bahia, fui durante um ano funcionário da Agência-Centro, cuidando de títulos de desconto e redesconto, coisas que, aliás, até hoje não conheço nadica. O que não é muita novidade. Mas, como datilografava muito bem, acabei aceitando trabalhar “por tarefa”. Isto é, datilografados os títulos do dia, podia ir embora. Foi o grande acontecimento de meus tempos de Bahia. Entrava no BB ao meio-dia, datilografava furiosamente até duas, três horas da tarde todos os títulos entrados naquele dia e “picava a mula”, como se dizia na época. Raramente saía depois da quatro da tarde. Aí, sim: a Bahia se abria para mim, no vigor dos meus vinte anos, absolutamente sem outro compromisso a não ser curtir o mar de Caimmy, às vezes o de Jorge Amado, que já não lia mais, voltado para outras leituras “mais sérias” (que bobagem!): poesia concreta, práxis, poesia, poesia (a “redescoberta” de Cassiano Ricardo, que acabara de lançar o “Jeremias sem Chorar”, paixão imediata, cheguei mesmo a escrever um artigo sobre o livro, publicado na época pela Revista da Bahia) cinema, cinema, muitos filmes e livros sobre cinema, muitas amizades com críticos, atores e cineastas. Enfim, foram de formação os tempos de Bahia. Depois, transferido para o Rio, passei a trabalhar na Direção-Geral do BB, redigindo pareceres sobre Crédito Geral, imagine as delícias!. Isso durou uns oito anos. Daí fui para a Cacex, a Carteira de Comércio Exterior, já como redator de um Boletim Semanal, que logo se transformaria num revista, publicação que editei por longos 18 anos. Da Cacex, fui para o CCBB, o Centro Cultural Banco do Brasil, trabalhando lá durante meus últimos cinco anos de Banco, como Editor de Textos e Assessor de Comunicação. Quer dizer, na balança dos anos de Banco do Brasil, atuei mais como jornalista e redator do que propriamente bancário. O que foi bom para o Banco e para mim, é claro, que trabalhava escrevendo, coisa que motiva a minha vida.

Daniela Aragão: Entre as suas obras uma das que mais me toca é Selva Selvaggia, que muito apropriadamente você apresenta: “o poema é um produto de noites mal-dormidas, dramas pessoais, crises metafísicas e financeiras...”.

RW – Selva Selvaggia, meu primeiro livro, lançado em 1976, é também o de que mais gosto. É o resultado de longos doze anos de leituras, pesquisas, vivências & escrevivências. Produto disso tudo que você diz aí acima (você, ou eu?). Traz a tiracolo a sedução da rebeldia dos anos 60, como disse o crítico Fábio Lucas. Deixo os comentários para os críticos, os vários críticos que escreveram sobre Selvaggia ao longo dos anos. É um livro que repercute até hoje: ainda há pouco, quase 40 anos após sua publicação, o crítico mineiro Leonardo de Magalhaens escreveu extenso artigo sobre Selva Selvaggia em seu blog (http://leoleituraescrita.blogspot.com).

Daniela Aragão: Além do profundo envolvimento com a criação poética você também incursionou pelo cinema não é? Um dos seus mais recentes livros é o dedicado ao cineasta Humberto Mauro. Este livro além de revelar um olhar analítico sobre a obra do cineasta traz ao leitor um pouco da amizade que vocês desfrutaram.

RW – Cinema sempre foi meu fascínio. Cinema & poesia, duas coisas que têm tanto a ver. Vide Eisenstein construindo sua teoria da montagem a partir do haicai japonês ou de imagens extraídas de poemas de Pushkin. Vide Godard (re)citando Rimbaud. Vide Fellini fazendo poesia com a câmera. Meu livro sobre Humberto Mauro (“Kiryri Rendáua Toribóca Opé”) – não por acaso o criador de uma poética rural com seus filmes –, mais que um ensaio-biográfico sobre o cineasta mineiro, é, na verdade, uma sequência de histórias comandas pele afeto, por nossa amizade, fortalecida por nossa convivência ao longo dos últimos dez anos de sua vida. Mauro era daquelas pessoas pra gente não esquecer nunca. Um ser único.

Daniela Aragão: Você publica com bastante assiduidade, parece que o drama da página em branco não te assola. Seus dois livros de crônica também recentemente publicados revelam sua paixão por filmes, quadros, atrizes, músicos, enfim, mergulhos culturais. Neste caso desponta certa ironia, mas sem pesar muito na acidez.

RW – Coisa de poeta-jornalista. De cronista-poeta. Ou o que seja. Escrevi a vida inteira por profissão, de tudo um pouco. Jornalista, fui da geral à polícia, da economia à cultura. Claro que é na cultura que me encontrava, editor de segundos cadernos e de suplementos literários. Isso tudo vem agora de cambulhada nas crônicas absolutamente descompromissadas de meus dois mais recentes livros, Há Controvérsias 1 e 2. Ironia? Sim, um pouco. Mas acho que a coisa pega mais pelo lado do bom-humor, que procuro manter, apesar dos pesares. Ou dos pensares mais profundos, o que me leva de volta à ironia, coisa de mais profundidade que a empáfia dos pensares, apesar dos pesares. Hoje, pra mim, prosa é prazer. Poesia, profissão.

Daniela Aragão: Quais são seus projetos atuais?

RW – A partir de 1995, quando me aposentei do Banco do Brasil, não parei mais. Sem controvérsias. Nunca trabalhei tanto como nos últimos anos. De volta à minha Cataguases, à “pacataguases”, publiquei vários livros, lancei um cd e escrevi inúmeros textos sobre artes plásticas & outras mumunhas mais. Agora mesmo estou finalizando o livro Pomba Poema & Outros Rios, a ser lançado este ano. Ainda em 2012, devo lançar “50 Poemas Escolhidos pelo Autor” e, para 2013, já está entabulada a edição de um alentado livro, devidamente ilustrado, compilando os textos que escrevi nos últimos 12 anos para a Fundação Ormeo Botelho, daqui de Cataguases, muitos deles para o Cineport-Festival de Cinema de Países da Língua Portuguesa. Pois é, cinema de novo. Cinema novo.

Daniela Aragão: Te desejo muito sucesso, sempre. Obrigada