sábado, 6 de novembro de 2010

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Imagina



Talento musical é coisa que se herda por um legado consanguíneo, basta percorrermos as criações da família Jobim, Caymmi e Costa. Esta última tive o privilégio de conhecer de perto visto que são de minha cidade de origem: Juiz de Fora. Dona Maria Aparecida Costa, Sueli Costa, Telma Costa Lisieux Costa, Afrânio Costa, Élcio Costa, Branca Lima e Fernanda Cunha, a família Costa é talento musical jorrando por todos os poros. Cada integrante traz seu talento singular seja no ofício de tocar, cantar ou compor. Se fosse falar sobre cada membro dos Costa gastaria laudas e mais laudas, escolho então a cantora Fernanda Cunha, filha de Telma Costa, uma das cantoras mais promissoras que ouvi nos últimos tempos.


Dizem que o bom cantor se avalia pela qualidade do seu repertório, Fernanda Cunha se lança no cenário musical com um repertório digno de quem sabe a que veio, no seu primeiro cd gravou Toninho Horta, Ivan Lins, Djavan e Sueli Costa, sob a direção do pianista e arranjador Márcio Hallack. Neste álbum de estréia Fernanda deixa evidente a beleza de seu timbre e o domínio técnico que a faz transitar com leveza e desenvoltura pelas canções que ora primam por certa levada swingada como quer Muito Obrigado e O preferido, ora por canções que exigem densidade interpretativa como Vida de artista.

Seu segundo trabalho inteiramente dedicado a obra de Sueli Costa e Johhny Alf, duas almas musicais que proclamam uma espécie de irmandade, traz arranjos primorosos de Cristovão Bastos, João Carlos Coutinho, Camila Dias e Jorjão Carvalho. As composições são envolvidas por toques de delicadeza e profunda sensibilidade cujo lirismo das construções melódicas de Sueli e Johhny dão suporte ao desabrochar da voz de Fernanda Cunha que desponta límpida e amadurecida: “É só olhar/depois sorrir/depois gostar”. Momento emocionante acontece quando tia e sobrinha interpretam Bóias de Luz, com letra impactante de Abel Silva: “Ah...essas palavras banais/dos boleros sensuais/são verdades diárias/são dores tão normais/ah...esses rostos comuns de tanta gente/ são como bóias de luz apagadas temporariamente”. O arranjo de Cristovão Bastos traz sua costumeira elegância econômica cuja malemolência suave e envolvente me permite uma sutil alusão ao desenho melódico de Resposta ao Tempo, o maestro impõe mais uma vez com propriedade sua assinatura. Olhos Negros recebe uma versão impecável do baixista Jorjão Carvalho que valoriza cada nuance da composição de Johhny Alf e constrói uma base que dá sustentação lírica ao canto de Fernanda Cunha que evolui denso e preciso: “Olhos negros/negros são os breus se não são meus ao meu olhar/olhos negros/por não serem meus serão do mar/mares negros”.

Em Zíngaro, álbum inteiramente voltado para a parceria entre Tom Jobim e Chico Buarque, Fernanda Cunha brilha acompanhada somente pelo violão de Zé Carlos. Zíngaro é poesia da primeira a última faixa em que canções antologizadas como Pois é, Olha Maria, Eu te amo, Retrato em Branco e Preto, Anos Dourados e Imagina ganham versões repletas de frescor e verdade que resultam num sabor de fruto inaugural. Imagina resplandece como um dos registros mais belos de Zíngaro em que a voz de Fernanda passeia entre os graves e agudos com suavidade e afinação absoluta. Como ouvi repetidas vezes o instante em que ela parece tocar o céu com seu agudo cristalino: “Olha a chuva, olha o sol/olha o dia a lançar serpentinas,/serpentinas pelo céu/sete fitas coloridas/sete vias/sete vidas/avenidas/pra qualquer lugar/imagina, imagina”. Olha Maria, outra pérola da parceria Tom e Chico se realiza com o arranjo vigoroso de Zé Carlos cujo violão limpo e destituído de excessos virtuosísticos dá colorido a composição e ao mesmo tempo imprime uma marca única. Fernanda valoriza cada palavra com seu canto denso e plenamente integrado aos meandros da canção, por meio da voz da cantora e do violão de Zé Carlos os versos me invadem com intensidade e exasperação lírica: “Parte , Maria/que estás toda nua/que a lua, te chama,/que estás tão mulher/arde, Maria/na chama da lua,/Maria cigana,/Maria maré”. O disco se eleva sobretudo pela inteiração irrestrita entre Fernanda Cunha e Zé Carlos em que a voz e o violão se fundem em viagens repletas de sonoridades e deslumbramentos líricos. Vou ouvindo cada nuance, atentando para a beleza do timbre de Fernanda Cunha e a emoção compactada nas cordas de Zé Carlos: “Imagina, imagina, imagina/Imagina, imagina/hoje à noite/a gente se perder”.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Entrevista com o pianista, compositor e arranjador Dudu Viana



Daniela Aragão: É uma satisfação estar aqui agora ao seu lado depois de tanto tempo. Emocionou-me te ver acompanhando Wanda Sá no Café Pequeno. Vamos falar sobre sua carreira, composições, novo cd. Tenho sempre feito a mesma pergunta a todos os entrevistados, como começou a música em sua vida?

Dudu Viana: A música começou em minha vida da seguinte maneira, meu pai era músico, meu avô é músico, meus tios são músicos, minha mãe não é musicista mas poetisa, sempre escreveu. Todos os irmãos por parte do pai dela são músicos, meu tio que era coronel da polícia militar da banda de música de Belo Horizonte, Marcos Viana é meu primo. Aos dez anos vendo o meu pai tocar num baile comecei a estudar piano. O piano erudito estudei durante um tempo, depois fiz muito baile, comecei a estudar com a Ana Maria Vieira Ramos, comecei a tocar música instrumental e ao lado do contrabaixista Dudu Lima trabalhei durante cinco anos.

Daniela Aragão: Você tem formação em conservatório?

Dudu Viana: Sim, mas não cheguei a concluir o curso técnico. Resolvi ir para o Rio para fazer faculdade de música com habilitação em composição. Lá comecei a diversificar, fiz o meu primeiro disco, fui catando um informação adquirida em vários lugares, muitos trabalhos em shows. A composição em minha vida é mais recente mas o lance de tocar é anterior, comecei a fazer shows com doze para treze anos e comecei a estudar piano com nove.

Daniela Aragão: Você já estava vocacionado, sabia que seria um músico profissional.

Dudu Viana: Sim. Eu tinha outros talentos também, desde os sete anos que mexo com computador, informática. Só vim a entender mais tarde o que é a vida do músico profissional, que não é aquela coisa mágica, inalcançável, hoje é uma coisa mais disciplinada pois estudamos, pesquisamos. Temos que vivenciar essa polivalência onde o músico tem que ter noções técnicas de composição, arranjo, saber a utilização do instrumento dele também de maneira didática no momento em que for dar aula. Eu não sou apenas um concertista de piano nem arranjador, faço um pouco de cada coisa, mas hoje em dia direciono mais. Mas até eu entender isso que diz respeito a minhas possibilidades enquanto músico demorou um pouco. Eu fui estudando no segundo grau, levando a música como hobby até que chegou o momento em que me decidi definitivamente por ela, larguei a engenharia elétrica e fui fazer música.

Daniela Aragão: Seu primeiro cd foi financiado pela Lei Murilo Mendes não é?

Dudu Viana: Sim, foi aprovado em 2005 e lancei em 2008. Morei um tempo em Milão e pedi a prefeitura um prazo maior. Esse disco é composto de dez faixas em que oito composições são minhas, uma releitura do noturno de Chopin, opus 9 n2 em mi bemol cujo arranjo numa levada jazzistica é muito legal. Tem uma música minha chamada Eduarda, fiz com músicos aqui de Juiz de Fora que são Dudu Lima, Berval Moraes, Alexandre Schio, Glaucus Linx, Jonathan que é um super contrabaixista, tem meu primo Daniel. Foi um disco que não tem muito o conceito de uma obra fechada, como se fosse a transposição de um momento de transição em que eu vivia na época, da música popular para a música erudita que estava vindo muito sobretudo na questão dos arranjos, a dúvida entre o elétrico e o acústico então tem faixa de piano, faixa de sintetizador. Tem coisa muito moderna, tem chorinho, é uma salada esse primeiro disco. Agora estou fazendo um disco que é uma obra mais fechada, com uma concepção mais fechada mas que mantem a mesma formação do outro cd, ainda tem a questão do conceito quanto a formação das melodias e harmonias e chama-se Nublado. Inédito ainda, uma parceria minha com Walmer Carvalho, participam ele Wagner de Souza trompetista, Gladston na bateria. Foi tudo gravado no Nave ao vivo e numa tarde.


Daniela Aragão: O estúdio Nave é um espetáculo e você com todo esse vigor criando no calor da hora, muito boa essa pulsação.

Dudu Viana: Quisemos preservar esse vigor e frescor. Estava engavetado desde 2008.

Daniela Aragão: Poderíamos dizer que você estava no entremear entre o jazz e o erudito?

Dudu Viana: Não, na verdade eu estudei a música erudita quando criança mas sem entender muito porque eu estava fazendo isso. O meu trabalho sempre foi focado em música popular e quando entrei na faculdade começou aquela avalanche abrindo outros olhares para outras questões musicais. Então eu fiquei um pouco dividido entre sonoridades diferentes como registra o meu primeiro cd. Esse atual já está gravado, nó vamos mixar com muito cuidado e deve sair no começo de 2011. Oito faixas com seis composições minhas, duas em parceria com Walmer Carvalho.

Daniela Aragão: Vim recentemente a descobrir sua faceta de arranjador que me agradou muito através do ótimo Borandá meu Camará, do Roger Rezende em que você foi o responsável pela concepção dos arranjos.

Dudu Viana: Posso falar que de uns três anos para cá estou centrando minha carreira mais no lance da produção, arranjo. Faço a direção musical dos artistas, preferi ficar no background e lidar com tudo desde a concepção. Sigo paralelamente a minha carreira solo, mas gosto muito de fazer arranjos para sopros, arranjos para cordas. Tem a composições eruditas da faculdade que tenho que fazer, peças para orquestra, peças para flauta, quarteto de cordas, mas esse lance do trabalho como arranjador me agrada muito. O trabalho com o Roger foi demorado pois nos apegamos as minúcias, selecionamos as canções, mexemos nos andamentos, na sonoridade. Tem a questão da tonalidade, experimentamos as tonalidades durante todo o disco procurando dar cores diferentes, texturas. Tem música que tem bateria, percussão, sopro violão e baixo, tem música que é só voz e violão, quer dizer, trabalhar o disco como obra mesmo, não só faixa a faixa mas as letras, como o arranjo pode facilitar a compreensão daquela letra, daquela mensagem. Isso é o que tenho trabalho mais e felizmente tenho obtido resultados bacanas.

Daniela Aragão: Na entrevista que fiz com Roger Rezende ele se mostrou muito satisfeito com seus arranjos e comentou sobre sua sabedoria e sensibilidade para manter a essência musical dele, a marca do Roger Rezende digamos.

Dudu Viana: Cada artista tem uma maneira de trabalhar, o Roger é muito dado, uma pessoa muito generosa pois ele te dá todo o espaço para você apresentar a idéia, ele te oferece alternativas e tempo até que você se acostume a uma idéia nova. Isso é uma questão que nem todo o artista quer, pudemos testar arranjos. Tem músicos também que te entregam uma batata quente e querem que você resolva. Outros artistas que querem interferir até num bemol, numa introdução porque: "- ah eu acho que esse si bemol vai mudar toda a história". Tem artista que vai até o âmago, quer interferir em tudo. Outros te dão mais espaço, cada um tem seu jeito de trabalhar. Procuro sempre tentar manter a intensidade do artista procurando perceber as nuances de cada um e pretendo sempre ser coerente com a mensagem, com a concepção do disco todo, com a idéia original.

Daniela Aragão: Mais transpiração que inspiração?

Dudu Viana: Tenho um professor que diz que é dez por centro de inspiração e noventa de transpiração. Ontem estava conversando com um amigo o qual fiz o arranjo ontem, quando vem a idéia é muito bonito, mas até você fazer aquilo soar bem feito tecnicamente, pois você está fazendo os arranjos para outros tocarem. É preciso um conhecimento sobre harmonia, arranjos e também do desempenho dos instrumentos e do instrumentista. Uma coisa é você escrever uma peça para o Paulo Sérgio Santos tocar e outra você escrever para um iniciante, então você tem que saber para quem está escrevendo. Então nesses noventa por cento de transpiração passa muita coisa dentro da cabeça.

Daniela Aragão: Você trabalhou com muita gente: Mieli, Oswaldo Montenegro...

Dudu Viana: Quando fui para o Rio trabalhei com Mieli, Maria Gadu, faço parte da Rio Jazz Orquestra, Luiza Possi, fiz arranjo gravado pelo João Donato, agora com a Wanda Sá. Muita gente da música pop e sobretudo da bossa nova, tenho uma coisa muito ligada a bossa nova. Depois do falecimento do Durval Ferreira comecei a trabalhar com a filha dele, a Amanda Braga.Fiz trabalho com um cantor da época do Ed Lincon, um trabalho muito legal que agora o João Donato participou e o Marcos Vale. Essa galera do Sambalanço da bossa nova, tem a Karla Sabath que é uma cantora que que fez uma espécie de drumming bossa que mistura coisas eletrônicas. Trabalho com o Roger, tenho um trabalho de gafieira em que tocamos todo sábado no bar Cariocando no Catete. Então é muita gente.

Daniela Aragão: E uma diversidade que te dá um arsenal muito grande enquanto criador. Você está experimentando, conhecendo várias possibilidades.

Dudu Viana: E esse lance de fazer arranjo é muito bacana pois você ao tocar cria um certo entrosamento em que você acaba tendo que circular em tourné, o que prende um pouco. Trabalho muitas vezes dentro da minha própria casa fazendo os arranjos. É muito bom poder misturar esse monte de coisa e abrir a possibilidade de conhecer pessoas.

Daniela Aragão: E os projetos atuais?

Dudu Viana: Estou fazendo o disco da minha esposa Roberta pela Lei de incentivo de Cataguases, estou produzindo dois cantores, um de música brasileira, outro de samba. Outro de música brasileira que consiste numa coisa mais refinada, mais lenta, vamos gravar Sueli Costa que sei que você tanto gosta. Vamos gravar uma música belíssima de Túlio Mourão e Fernando Brant, gravada pelo Milton que se chama Interior, canção belíssima. Esse trabalho vai ser de trio: piano, baixo, bateria. E vou lançar o meu, pretendo rodar para divulgar.

Daniela Aragão: Você foi para o Rio, mas ainda mantém esse contato forte com Juiz de Fora.

Dudu Viana: Sempre venho aqui, estava fazendo show com Silvério Pontes, o Zé da Velha. Sempre estou vindo aqui para uma coisa ou outra, fiz lançamento da Milena, Lúdica Música. Tenho muitos amigos aqui, uma ligação forte com o Dudu Lima, pois foram cinco anos de convivência diária. Foram dois discos e dois DVDs.

Daniela Aragão: Aqui é um celeiro de grandes músicos, gente muito talentosa.

Dudu Viana: Aqui é um celeiro muito efervescente com músicos de padrão internacional. O próprio Dudu Lima, Glaucus que morou anos na França. Vários outros, o próprio Miltinho que trabalha muito tempo com Jô Soares, Joãozinho. Então tenho uma gratidão enorme, pois cheguei em Juiz de Fora e fui acolhido muito rápido, em três meses já estava tocando com os músicos da cidade, fazendo música instrumental. A Lei Murilo Mendes patrocinou meu disco, sou muito grato a Juiz de Fora e tenho um carinho enorme pela cidade. Penso em criar meus filhos aqui, quem sabe. Hoje em dia com as facilidades de transporte, tudo muito rápido.

Daniela Aragão: Tem agenda para Juiz de Fora?

Dudu Viana: Por enquanto não, neste final de ano estou envolvido com quatro discos. Estou fazendo poucos shows e me limitando a fazer shows eventuais quando me convidam, como por exemplo esse com a Wanda Sá. Não estou iniciando trabalhos novos de shows no momento, mas assim que finalizar este ano pretendo prosseguir. Ano que vem no lançamento do cd novo provavelmente farei aqui no MAM, Pró-Música, Belo Horizonte, Rio.

Daniela Aragão: Maravilha, então pé na estrada.

Dudu Viana: Muito bom, foi muito bacana te encontrar no show da Wanda, na Bossa do Leblon (risos).

Daniela Aragão: O prazer foi todo meu, sucesso!

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Entrevista com o cantor e compositor Roger Rezende



Daniela Aragão: Roger é um prazer e uma honra estar aqui com você. Vamos falar da sua carreira e de seu disco novo.

Roger Rezende: O prazer é todo meu. Pois é, o Borandá meu camará é um disco que a gente fez com muito cuidado pela lei Murilo Mendes, procuramos trabalhar esse disco com muito carinho desde o momento da seleção das músicas até o processo final que foi a masterização. Foi um disco que demorou um pouco além do que prevíamos, mas o importante é que o resultado final foi muito satisfatório. Temos percebido a recepção boa através das pessoas que estão ouvindo. Tem uma base instrumental formada pelo grupo Tio Sam na frigideira, formado pelo Ângelo Goulart, Lula Ricardo e Dudu Viana que assina a produção do disco e é também o arranjador, além do Walber Carvalho no sax, Wagner Sousa trompete, enfim, galera da pesada. Tem também as participações especiais de Nanda Cavalcanti, Ricardo Itaboray e Dudu Lima. Então estou muito satisfeito com esse disco, pois conseguimos atingir o objetivo que estávamos idealizando desde o início, apesar da demora, mas para nós o mais importante é o resultado.Foi um disco que demorou um pouco mais em virtude de imprevistos relacionados a motivos pessoais de alguns que participaram, a questão de trabalho, tentar viabilizar o trabalho com a equipe da forma como pretendíamos e com as pessoas certas. Mas o importante é isso, o resultado, seis meses, nove meses a mais ou a menos não vai mudar nada. O importante é que o disco está pronto e vamos procurar trabalhar bastante a divulgação desse disco para que no ano que vem possamos percorrer um circuito nacional, tanto em Minas como Rio e São Paulo. Pesquisar os Sescs que tem por aí, os festivais onde o trabalho se enquadrar melhor, pretendemos divulgar o trabalho fora daqui, queremos expandir. É um disco produzido aqui em Juiz de Fora pela Lei Murilo Mendes, mas que pretendemos mostrar fora.

Daniela Aragão: É um disco feito aqui, mas de altíssima qualidade que certamente alcançará uma amplitude que permite o acesso em qualquer lugar. É um disco que privilegia o repertório de samba, mas não é um disco chapado.

Roger Rezende: É um disco de MPB e o samba é uma faceta. O meu contato com o samba vem de muito cedo, então é impossível você falar do Roger Rezende sem associar ao samba, o samba é um ponto marcante da minha carreira e das minhas composições, mas não somente o samba, tem outras coisas, no disco tem valsa, bossa, baião, tem Algaravia que é um xote blues, essa é a música mais diferente do meu disco, é uma composição junto com Kadu Mauad e Edson Leão. Eu acho que é um disco bem eclético até, mas tem essa coisa do samba. Os sambas que estão no disco são diferentes entre si, tem o samba jazz, o samba tradicional que é Agradecimento, tem um partido alto, você ouve o Zarolho que é um samba diferente com relação ao padrão do samba clássico, samba raiz. Sogra Coral já é um partido alto. Samba pra dois é um samba bossa, então o que priorizamos nesse disco é a música brasileira, os gêneros da música brasileira como o choro, o samba, a bossa, o baião. Então acho que esse disco se resume numa coisa que se chama Música Popular Brasileira, que é a grande paixão da minha vida em termos de trabalho, eu gosto de vários estilos musicais mas o que considero que faço melhor é a música popular brasileira.

Daniela Aragão: Que maravilha a canção Agradecimento em que você faz homenagem a grandes personalidades do samba local e nacional, Dona Ivone Lara ao lado de Mamão e Carioca. Temporã também é uma música belíssima que traz a marcação do baixo do Dudu Lima.

Roger Rezende: Temporã é meio uma valsa jazz, uma faixa muito elogiada em parceria com o Kadu Mauad. Eu sou apaixonado por essa música, eu e Kadu temos uma sintonia muito boa. Destaco a participação super especial do Dudu Lima no baixo acústico, o Leandro Schio na vassourinha e o Dudu Viana. A letra é do Kadu Mauad, que é um dos parceiros mais presentes no disco. Não é uma música fácil de cantar, mas nos concentramos tanto na atmosfera da canção, é meio uma valsa jazz. Eu e Kadu temos uma sintonia muito boa de composição, ele me manda letras, às vezes faço melodia e mando para ele.

Daniela Aragão: Você tem dois traços que me chamam a atenção que é o lirismo e o humor, um lirismo meio buarqueano. Humor que vai despontar na Sogra Coral, uma canção que poderia plenamente ser gravada por Zeca Pagodinho.

Roger Rezende: A Sogra Coral é bem interessante, talvez seja a música mais pop do disco em função dessa abrangência em falar com uma linguagem popular, da brincadeira, de uma certa ironia e ao mesmo tempo tirando onda com a cara da Sogra Coral (risos). Mas é leve, não querendo deturpar a imagem de ninguém, mas as cobras corais existem (risos). Eu acho que um pouco desse lirismo tem muito do Kadu, ele é um músico, cantor e compositor, mas que como letrista traz algo voltado para dentro, você consegue visualizar algumas coisas nas letras dele, mas é mais o pensar do que o ver. Diferente de outros compositores que às vezes contam a história e você visualiza a cena. Você pode ver o Zarolho por exemplo: “ Dou de cara com outro cara,/ sem saber que ele sou eu/ Dá no mesmo olhar-se a cara/E dizer que em nada leu”. Eu gosto muito dos meus parceiros, nos damos muito bem.

Daniela Aragão: Tem uma simbiose né?

Roger Rezende: Tem, e ao mesmo tempo que tem a coisa espontânea tem a coisa pensada. Tom Jobim dizia isso, que era cinco por cento de inspiração e noventa e cinco de transpiração. Tem músicas que às vezes já vem prontas, tem músicas que vem noventa e nove por cento de inspiração. Eu vi até uma vez o Arlindo Cruz falando sobre isso com relação a Tom Jobim, com universos musicais totalmente diferentes mas tudo dentro de uma cidade chamada Rio de Janeiro. Tem essa coisa da elaboração harmônica e tudo mais. Tem sambas que você vai ter mais dificuldade para chegar num determinado resultado, mas já tem aquela fórmula. Inclusive o Zarolho que tem uma forma muito bem elaborada, na verdade é o resultado rápido de um diálogo com o Kadu. Eu passei a melodia para o Kadu e em meia hora ele me ligou dizendo que estava pronto. Isso tem muito a ver com a sintonia entre os parceiros.

Daniela Aragão: Até retomo a mesma pergunta que fiz ao Cristovão Bastos, que é a questão de que com cada parceiro implica uma construção diferente.

Roger Rezende: Pois é, tem características diferentes. Tem músicas que vão demorar um ano, vamos deixando acontecer.

Daniela Aragão: O Caymmi ficava anos, às vezes décadas refletindo sobre dois versos, principalmente em suas canções praieiras.

Roger Rezende: Isso é interessante. Nesse processo do disco acabei tendo que me dedicar bastante também à questão executiva, de empreendimento. A Lívia Andrade é a produtora de tudo, mas de certa maneira tive que me manter por perto durante todo o processo. Isso me travou um pouco para compor até o início deste ano. Passou o lançamento e em julho já comecei a compor novamente. Kadu já deve estar com umas três melodias minhas para letrar. Ele me manda muitas letras por email, então é assim.

Daniela Aragão: Esse seu trabalho sucede o do Ciulfo?

Roger Rezende: O Ciulfo foi em 2004, um trabalho de resgate de um compositor daqui de Juiz de Fora que teve a maior parte de suas músicas compostas na década de cinquenta e que deixou uma obra muito bonita. Através da proposta do Márcio Gomes topei entrar nesse projeto, esse trabalho foi na verdade um presente do Márcio Gomes. Ele como produtor executivo e musical é muito eficiente, ele conhece todo o trajeto para se chegar num resultado legal. É louvável essa iniciativa dele. Estou procurando colaborar para que esse resgate seja feito. Quando está na mão do Márcio fico tranquilo.

Daniela Aragão: Na feitura você procurou manter a essência do Ciulfo ou fazer uma leitura sua?

Daniela Aragão: A gente procurou manter a atmosfera dos anos cinquenta, mais acústica com pandeiro, cavaquinho, deixar mais na onda do Ciulfo. O Ciulfo já tinha essa malandragem de divisões meio diferentes, é um trabalho muito bacana. Foi mais nessa roupagem do autoral. Esse disco autoral que é o Borandá já vem com uma outra concepção autoral, contemporânea. Mais uma vez falo do nome de Dudu Viana que foi uma pessoa fundamental para o resultado do disco como um todo, é muito bom trabalhar com um produtor que gosta das suas músicas e tem um material legal para produzir e fazer os arranjos. Por exemplo uma introdução minha , uma frase de violão, ele manteve isso, eu tenho que priorizar a minha identidade.

Daniela Aragão: Interessante que eu conhecia mais o Dudu enquanto músico de jazz e ele soube manter a sua integridade musical.

Roger Rezende: Por causa do Tio Sam, nós tocávamos esse repertório nos bares aqui. Quando fomos tocar todos os integrantes já tinham incorporado umas cinco músicas do disco. Tocamos em gafieiras.

Daniela Aragão: Você falando em gafieira e eu acabei de escrever uma crônica sobre gafieira inspirada no belo cd do Cristovão Bastos chamado Curtindo a gafieira. Interessante a atamosfera sonora das gafieiras.

Roger Rezende: Bacana, ele faz arranjos maravilhosos.

Roger Rezende: Hoje em dia não é fácil vender cd, temos tentando por diversas formas divulgar esse trabalho do Borandá meu Camará até porque ninguém hoje entra numa loja para comprar um cd. Eu disponibilizo as minhas músicas, você pode entrar no site Um que tenha e irá encontrar o meu disco. Não tem porque ficar segurando, temos que mostrar a cara.

Daniela Aragão: Estamos fazendo meio ao contrário a nossa conversa, então entro com a pergunta usual, quando a música começou em sua vida?

Roger Rezende: Vem de família, meu avô tocava violão e era multiinstrumentista. Dentro de casa no quarto de som era meu pai ouvindo bossa nova e minha mãe ouvindo Toquinho e Vinicius, meu pai gostava muito de jazz também. Ouvia Stan Getz com João Gilberto e tudo mais. Quando você ia para o lado de fora onde está o pessoal fazendo a comida ouvia Roberto Ribeiro, Clara Nunes no rádio. Me vinham então informações de vários estilos. Clara Nunes foi uma figura que sempre me encantou quando a via na televisão. Então essas informações se cruzam, a coisa mais sofisticada da bossa nova quando fui aprendendo a fazer os primeiros acordes. Depois fazendo aulas com meu avô de cavaquinho, na verdade meu primeiro instrumento foi o cavaquinho talvez em virtude da idade pois eu era pequeno. Depois aos doze, treze anos comecei a tocar um pouco de violão e conhecer Gil, Caetano, a MPB que me deixou alucinado. Teve uma época em que fiquei louco pelo Caetano, quando aprendia a tocar uma música ao violão ficava todo bobo. Com quinze anos comecei a me apresentar na minha cidade em São João Nepomuceno nos barzinhos e tal.

Daniela Aragão: Autodidata?

Roger Rezende: Um pouco, pois depois quando me decidi pela música comecei a fazer umas aulas de canto. Pois o grande sonho aos meus treze anos era me tornar jogador futebol. Então eu tinha aquela esperança que iria jogar no Rio, mas tinha muita gente que ia para o América. Nesse meio tempo comecei a tocar em times da região. Começou a entrar um pouco da boemia que foi atrapalhando, essa vivência da juventude com a música e tal. São João era uma cidade muito festeira, hoje não sei como está. Era ir para o barzinho e sair só cinco da manhã. Amigos que me mostraram Geraldo Azevedo, essa turma do Xangai, Elomar, me aplicaram Lô Borges, enfim fui tendo essas influências através da boemia e dos amigos. Mas meu caminho não era o futebol, ele me ajudou no sentido na noção de que se pode ganhar e perder, mas respeitando a virtude dos outros, saber aceitar a própria virtude e a do outro. Então fui para o lado da música e fiz uma boa escolha.

Daniela Aragão: E quanto aos projetos atuais que transcendem a questão do disco? Estávamos falando do seu empenho junto com outros músicos de resgatar a história da música popular de Juiz de Fora.

Roger Rezende: Sobre isso é importante falar sobre as articulações que um grupo de Juiz de Fora está fazendo, através do Fred Fonseca que é conselheiro municipal, ele está conseguindo articular e estou junto com ele nesse processo de buscarmos condições melhores para o músico para que possamos viver do trabalho autoral. Será tão complicado assim vivermos do nosso trabalho? Hoje não existe mais aquilo da pessoa bater na porta da sua casa e dizer: “- Seu trabalho é maravilhoso, vou te levar para São Paulo, vou te levar para Paris”. Então acho isso difícil de acontecer hoje. É criar mecanismos para que possamos ser reconhecidos como trabalhadores, enfim, o músico que trabalha: compõe, toca e canta. O músico tem que sair dessa de ir ao barzinho para não ganhar nada e ainda ser lesado. Estamos tendo um apoio do pessoal de BH. Precisamos mostrar o que Minas Gerais está produzindo hoje, aqui é o lugar em que se faz a melhor música do país hoje, mineiro não está para brincadeira.

Daniela Aragão: Onde está o foco?

Roger Rezende: O foco permanece no eixo Rio São Paulo. E não queremos virar Michael Jackson, Ivete Sangalo, não é showbusiness. Dentro da concepção independente onde há o esclarecimento do que é cada um temos o objetivo de alcançar nossos objetivos com o pé no chão. Para muita gente não existimos, pois nunca fomos ao programa do Faustão. É uma ignorância muito grande, a idéia é termos um reconhecimento dentro do que fazemos para que possamos viver, não sobreviver. Acredito que por meio dessas iniciativas do Fórum dos músicos vamos conseguir alcançar uma representatividade significativa, temos que chegar organizados, fica mais fácil para conseguirmos parcerias com empresas, governo federal etc.

Daniela Aragão: Pois é, não foi ao Faustão não existe. Você tocou num dado fundamental que é a questão do músico sobreviver através de sua música, pois o que mais se vê é cover.

Roger Rezende: É bacana fazer cover como faço nas rodas de samba com o repertório dos meus compositores preferidos, mas o negócio é que faço cem shows de samba e um do meu disco. Então que eu possa fazer cinquenta shows de samba e cinquenta do meu disco, pois também não quero largar as rodas de samba que considero um trabalho importante de resgate. Acho que é só equilibrar.

Daniela Aragão: Então não tenho mais o que dizer, muito obrigada.

Roger Rezende: Eu é que agradeço essa oportunidade e como diz o meu disco: Borandá meu Camará.

sábado, 16 de outubro de 2010

Curtindo a gafieira de Cristovão Bastos



Fim de tarde no estúdio em Copacabana, o violonista João Lyra risonho e todo despojado chama: “- Vai maestro, passa a canção do Vinícius pra gravar”. Denso e compenetrado Cristovão Bastos se dirige ao piano enquanto aproveito para me sentar no sofá de frente para o vidro que nos separa, momento de sublime apreensão. Uma emoção indescritível me toma no instante em que o vejo-ouço tocar as primeiras notas, seus dedos deslizam delicados e precisos pelo piano extraindo o belo em sua essência mais pura. Um momento de delicadeza ímpar que me remete ao instante em que ouvi pela primeira vez Resposta ao Tempo na voz de Nana Caymmi.

Cristovão Bastos é música pura que ressoa por todos os poros, no toque minimalista e jobiniano de seu piano, na feitura dos arranjos elegantes, na sua fala repleta de nuances de sóis, bemóis e sustenidos. Qualquer frase que joga assim descompromissadamente traz no fundo um arranjo repleto de notas coloridas.

Tomei contato com a obra de Cristovão Bastos por meio da audição de suas composições em parceria com Paulinho da Viola, Aldir Blanc, Paulo César Pinheiro e Chico Buarque. Sua música transcende gêneros e rótulos e traz uma marca de intensa brasilidade como explicita a belíssima Mandacarú Sertão do Caicó, que extrai o lirismo árido e quente de um Brasil de Glauber e Graciliano. A riqueza dos arranjos jamais suplanta a essência genuína de um artista que se apega aos pequenos detalhes, miudezas da vida que aos seus olhos e ouvidos se transformam em poesia.

O aprendizado construído de forma quase autodidata incorpora o percurso pelos bares e teatros da vida acompanhando conjuntos, orquestras e cantores. Vencedor de inúmeros prêmios entre eles oito prêmios Sharp, compôs trilhas inesquecíveis para o cinema como as dos filmes Mauá, Zuzu Angel e O imperador e o rei. As composições de Cristovão trazem sempre sua assinatura elegante em que o piano desponta econômico, preciso e sutilmente delicado.

Chegou-me ontem enviado pelo maestro o excelente Curtindo a gafieira que reúne o repertório que Cristovão desfilou pelas gafieiras do Rio de Janeiro. Cheio de swing e certa sensualidade envolvente que nos convida a dançar, ou ficar quietinho num canto recolhido ao lado de um par. Sérgio Cabral enaltece: “Cristovão Bastos, um grande compositor e um dos nossos melhores arranjadores musicais, evitou, neste trabalho, ceder à vaidade nada rara em músicos do primeiro time de pretender um brilho maior do que aquele que o próprio gênero sugere. Em outras palavras, ele não quis “renovar” a música de gafieira. Foi assim que, em vez de competir com o gênero, contemplou-o como a melhor gravação já feita, em todos os tempos, da música de gafieira.”

Curtindo a gafieira é música em estado de enamoramento, “Vamos dançar/ou ficar abraçados/sei lá”, como me aquece a memória os versos do meu saudoso amigo João Medeiros, que neste momento ouviria esse som em plena ebulição lírica. Ouço Partido da canja, e por essas associações inexplicáveis despontam os ecos da tocante trilha de Gato Barbieri para O último tango em Paris, de Bertolluci. A música tem essa propriedade sensorial, e bom mesmo é nos deixar levar por seus meandros e recônditos. Curtindo a gafieira é sobretudo um som que se faz com a alegria e o prazer de tocar, cujo desempenho de músicos do porte de Jorge Helder, João Lyra e Dirceu Leite dão grandiosidade e estilo. Nas gafieiras sobrevive um pacto em que ninguém pode recusar se for chamado para dançar, nesse caso as composições de Cristovão são mais do que convidativas - envolventes, instigantes e acolhedoras. O piano jobiniano dialoga com o sax, que dialoga com a bateria, que dialoga com a guitarra, que dialoga com o contrabaixo, que dialoga com o bongô e que resulta num verdadeiro casamento musical. Som que transforma qualquer um num bom pé de valsa, vamos dançar?

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Entrevista com a cantora Aretha Marcos


Daniela Aragão: É um prazer, uma honra e um misto de emoção conversar com você. De certa forma você fez parte do meu imaginário e o de muitas outras crianças que na época estavam começando a cantar, enfim, tomar um contato com a nossa música. Os programas infantis da Globo em que você participou são antológicos. A música começou cedo em sua vida não é?

Aretha Marcos: Sim, e acredito que realmente é um privilégio quando a vida já acena um caminho. Sou muito grata pela família que nasci e por minha mãe ter deixado eu participar destes especiais musicais. Foi muito impactante conviver com tantos artistas e ver como a música de cada um me influenciou ao longo do tempo.

Daniela Aragão: Era uma época em que se tinha muita qualidade musical, recordo-me de programas dedicados a Vinícius de Moraes por exemplo. O tempo passou e você aproveitou esse legado familiar. Fale-me então sobre o seu novo CD.

Aretha Marcos: Foi um processo longo até a decisão de fazer o disco, mas quando surgiu, foi bem rápido. Eu já tocava há bastante tempo com Estevan Sinkovitz, Léo Freitas e o Caio Lopes. Quando falei pela primeira vez sobre o disco com eles já sabia que queria acrescentar teclado. A escolha do Ricardo Prado foi perfeita, somou e completou o time. Me senti segura e marquei estúdio para levantarmos os arranjos juntos. Sabia apenas que queria regravar duas canções : Non je ne regrette rien e Resposta ao tempo.

Daniela Aragão: Dois clássicos, duas belíssimas canções. Estas duas resolvi ouvir de primeira, de certa maneira você demonstrou ousadia na concepção do arranjo de ambas. Como isso foi pensado?

Aretha Marcos: Quando eu estava pensando no repertório buscava uma temperatura para o palco. O disco nasceu da necessidade de ter o meu trabalho para dar seguimento aos shows. Eu amo o palco. Então eu já sabia que queria as duas profundidades das duas canções.

Daniela Aragão: Em Resposta ao Tempo você parece dar ênfase a certa dramaticidade que é sugerida pelo pontuar da voz em consonância com as batidas incisivas da bateria.

Aretha Marcos: Sim, eu primeiro cantava ela com muita voz e peso, mas no dia da gravação a voz ficou pequena, quase falada, e assim está até hoje, é assim que canto no show.

Daniela Aragão: Sim, é um canto falado.

Aretha Marcos: Resposta ao Tempo me sugere transformações, crescimento, cura, entrega, paixão, força de alma.

Daniela Aragão: É muito bonita a forma como se fala do tempo, sua circularidade que é sugerida tanto na letra de Aldir Blanc como na bela música e arranjo de Cristóvão Bastos. O tempo numa dimensão meio metafísica.

Aretha Marcos: Embora a pessoa esteja no escuro, quer dizer, não é bem escuro, é no nada, refletindo...Olhando de fora para dentro, na música de Piaf é um acerto de contas também.


Daniela Aragão: Você é tão jovem mas já ilustra um percurso que lhe permite dizer que não se arrepende de nada?

Aretha Marcos:É a certeza de ter escolhido o caminho certo, eu saí de casa aos 14 anos.. Posso dizer que conheço a luta pela vida digna através da música, só sei cantar profissionalmente. Mais da metade do que tenho hoje consegui através da música.

Daniela Aragão: Guerreira!

Aretha Marcos: Não me arrependo de ter sido criança prodígio, não me arrependo de não ter sido nada durante longos anos para quem me admirou como artista quando criança.

Daniela Aragão: Percebi em seu trabalho uma forte inclinação performática que se justifica até por sua relação de paixão pelo palco. Tem uma faixa intitulada Escada abaixo em que você brinca estabelecendo um diálogo consigo mesma.

Aretha Marcos: Essa música é ótima, eu quis me mostrar sem medo de julgamentos. A música diz que um dia vai jogar alguém escada abaixo... normalmente a gente quer esconder nossos desejos escuros. Eu queria era por para fora. Meus amigo Eduardo Pitta me entregou a música e eu disse na hora que iria gravar, foi o primeiro arranjo a ser feito.

Daniela Aragão: Me chamou atenção a concepção gráfica do cd, bela diagramação com desenhos e sugestões, o cd demonstra um trabalho muito cuidadoso.

Aretha Marcos: Você não pode imaginar como eu sofri comigo mesma, a verdade é que estou em fase de construção eterna (risos). As coisas precisam demais acompanhar o meu ritmo, como o disco foi feito e a capa foi feita muito depois, mudei o artista gráfico três vezes, não por culpa deles, mas minha. A Aretha da capa, contracapa e encarte ainda estava chegando.

Daniela Aragão: É muito bonito e delicado.

Aretha Marcos: você acredita que quem acabou fazendo foi o primo do meu marido? Paulo Cumino, um super profissional que realizou em tempo mínimo, eu sou apaixonada pelo disco Dani.

Daniela Aragão: Certos improvisos que acabam resultando em maravilhas.

Aretha Marcos: Sou muito grata aos músicos de uma forma inexplicável, o disco pronto me curou de muitos bloqueios, eu não mostrava para eles minhas músicas, só a dos outros.

Daniela Aragão: Fazê-lo serviu como uma sessão intensa de psicanálise?

Aretha Marcos: É um disco de catarse total, compus músicas sem instrumento, cantei para os músicos e eles fizeram o arranjo.


Daniela Aragão: O disco tem um caráter hibrido que entendo até como resultante da sua faceta performática.

Aretha Marcos: É “A mulher do sacana” fiz ao violão que toco mal e porcamente. Mas depois do disco já fiz outras músicas como Declaração e Café da manhã ( apresento esta no show de lançamento). “Na telha” por exemplo, eu já conhecia o trabalho do Kleber Albuquerque faz algum tempo e gostava demais, quando o convidei para gravar ele topou. Eu queria algo diferente para a música, estava no carro na Vila Madalena quando ouvi um som de uma banda e fiquei maluca, desci e fui atrás. Sentei no bar e comecei a ouvir, acabei convidando eles para tocar na música Telha. São os River Boat’s do jazz, fazem um jazz tradicional de New Orleans.

Daniela Aragão: O cd passa para o ouvinte essa noção de integração, é bastante visível a inteiração entre vocês, um trabalho que resulta de um pensar em equipe. Isso é uma grande qualidade visto que o que tem marcado as gravações hoje em dia é a impessoalidade, um músico coloca seu instrumento na mesma faixa que o outro mas não se encontram para tocar.

Aretha Marcos: Olha, para mim seria difícil assim, eu preciso da vibe, da reunião das pessoas, isso para mim é fundamental, principalmente a liberdade de expressão. As vezes um discorda, mas tudo bem, cada um mostra as suas idéias. Nós só crescemos com isso.

Daniela Aragão: Você é uma cantora que possui esse talento para transitar entre os gêneros. Do jazz a uma balada pop, passa para uma canção mais dramática e percorre tudo com muita personalidade. Você já cogitou gravar um disco com as canções de seu pai fazendo uma releitura sua?

Aretha Marcos: Então, eu fiz e saiu em DVD pela Europa Filmes. Não teve repercussão, pois era a primeira vez que eu estava a frente com parceiros de uma coisa que começou pequena e tomou um vulto que eu não podia imaginar. Nós fizemos tudo lindo e na hora da divulgação acabou o dinheiro, mas foi a coisa mais linda e incrível, trabalhar com aqueles músicos e com o Bocato, eu cresci muito. Todos me ensinaram demais e pude contar com a presença de grandes amigos do meu pai, Fagner e Peninha, além do Caçulinha. Eu acredito que um dia as pessoas ainda possam descobrir esse trabalho.

Daniela Aragão: Infelizmente esbarramos cada vez mais com essa questão da mídia, da não valorização da qualidade. Este seu cd está saindo por alguma gravadora?

Aretha Marcos: Sim, Selo Discobertas e o produtor é o Marcelo Fróes, do Rio.

Daniela Aragão: A internet é um ótimo veículo também não é?

Aretha Marcos: Nossa, sem internet sei lá o que seria de mim.

Daniela aragão: Mas esqueci de falar cobre um canção que considero ponto alto no cd, chama-se Malabarista.

Aretha Marcos: Ela foi ganhadora do prêmio de melhor composição na faculdade ULM e quando chegou nas minhas mãos era um samba pois eu cantava muito samba nos shows. Entretanto não sei o que houve, não consegui fazer nada voltado para o samba no estúdio, então transformamos ela completamente (risos). A Marília disse que gostou.

Daniela Aragão: Então você mudou a levada?

Aretha Marcos: Sim, totalmente. A canção Tempero por exemplo, o disco já estava fechado, mas eu fui num bar com um amigo e ele me saca da mochila a música e eu fiquei tão maluca que gravei ele cantando no celular. E no dia seguinte levei para o Ricardo e o Estevan ver e em dois dias ela estava pronta, acho que o disco é uma Aretha que as pessoas terão de conhecer, não é a Arethinha.


Daniela Aragão: E os projetos atuais?

Aretha Marcos:Trabalhar muito o disco, fazer muitos shows, além de tudo o inesperado e bom que a vida há de trazer para mim (risos).

Daniela Aragão: Super obrigada Aretha, foi um prazer.

Aretha Marcos: Também adorei.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Fragmentos amorosos de Rosa Emília




Para o meu amor
com gosto de sol sustenido



As relações de amor têm suas diversas facetas e desdobramentos, me pego aqui neste momento pensando por meio das reflexões amorosas reunidas em Fragmentos de um discurso amoroso, de Roland Barthes. Do encantamento idílico, passando pela euforia, exuberância e exasperação, Barthes fala de amores próximos e distantes, milenares e atuais, vivências que certamente cabem no meu arquivo confidencial. O escritor francês configura o quadro da solidão amorosa enaltecida de um brilho fosco: “saber que não escrevemos para o outro, saber que essas coisas jamais me farão amado de quem amo, saber que a escrita não compensa nada, não sublima nada, que ela está precisamente ali onde você não está – é o começo da escrita”.

Por falar em arquivo, acabei de retirar dos meus guardados o tão belo CD “Álbum de Retratos” de Rosa Emília, que recebi da própria em meados de março do ano passado. Falar sobre Rosa Emília e Cacaso é transportar-me para um universo de profundo lirismo, musicalidade e delicadeza. Tomei contato primeiro com as letras de Cacaso, em seguida mergulhei em seus poemas repletos de poesia e de certo tom de coloquialidade : “Meu verso é profundamente romântico/Choram cavaquinhos luares se derramam e vai/ Por aí longa sombra de rumores ciganos/Ai que saudade que tenho de meus verdes anos!”. Tanto vivenciei Cacaso que acabei transformando minha paixão em dissertação de mestrado em 2004, e num cd inteiramente dedicado a suas letras em parceria com a compositora Sueli Costa. Respirei, li, cantei e absorvi Cacaso por uns bons anos dessa minha pequena-longa estrada da vida.

Álbum de Retratos é um trabalho que exala emoção da primeira a última faixa, Rosa Emília selecionou composições pouco difundidas pelo grande público, mas que saltam aos ouvidos e demais sentidos por sua profunda beleza. Parcerias com Novelli, Sueli Costa, Nelson Angelo, Joyce, Sérgio Santos e Olivia Bygton ganham nova estatura com a voz suave e simultaneamente personalíssima de Rosa, acompanhada por alguns dos respectivos parceiros de Cacaso.

Álbum de retratos é uma ode aos encontros, estes que trazem legados de sonhos e deslumbramentos. Desponta suave e com gosto docesalgado a poética das águas de um mineiro que se emaranhou pelas ondas densas e perturbadoras do amor inundado de entrega, toca fundo a canção título que traz a voz de Rosa acompanhada pelo piano jobiniano de Sueli Costa: “Lá vou eu perseguir os seus passos/Lá vou eu/Insistir em seus fracassos/Lá vou eu/Machucado e iludido/Ser de novo envolvido/Pela mesma solidão”.

Perfume de cebola, composição em parceria com Filó Machado traz toda a leveza bem humorada de Cacaso cujo frescor dos versos emana a atmosfera de um eu poético ligado as coisas simples da vida, como inscrevem as palavras: “Quando o beijo é sincero/Tem perfume de cebola/Escutei da pomba gira/O que ouvi da pomba rola/Meu amor foi me deixar/Pela questão mais tola”. O violão sincopado e cheio se swing de Filó Machado se emaranha com a voz plena de eros de Rosa Emília, “Feito flecha, feito fogo, feito raio,/sabor de fruta madura/Amor de mulher madura”. Cacaso entendia as miudezas da vida, sobretudo as mulheres.

Fazendeiro do mar, poema que dialoga com o antológico Fazendeiro do ar de Drummond consiste no momento sublime do disco onde a mineiridade de Cacaso se funde ao deslumbramento pela poética das águas. Mar instável e perturbador como quer também a belíssima “Amor Amor”: “Quando o amor tem mais perigo /É quando ele é sincero”. Ouvi “Fazendeiro do mar” inúmeras vezes e sem conter as lágrimas, apreciando cada nuance do violão expressivo de Sérgio Santos que reproduz a sugestão do ondular das ondas entrevistas pelo olhar de Cacaso. Rosa Emília canta viceralmente, não perde uma nota - densa, emocionada e precisa essa mulher mergulha tão fundo que faz doer: “Mineiro tem mar de cio/Mineiro tem mar de fonte/Mineiro tem mar de rio/Mineiro tem mar de monte/Mar de mineiro é horizonte”.

O humor que retoma o ideário poético da geração mimeógrafo se realiza com maestria na parceria com Nelson Angelo em Deixa o barraco rolar. Nelson foi um dos parceiros mais assíduos de Cacaso, seus arranjos permeados de lirismo e sofisticação estabeleceram um equilíbrio perfeito com a poesia de Cacaso. Em Mar de mineiro, cd de Nelson Ângelo exclusivamente dedicado a parceria com Cacaso salta aos olhos o doce bilhetinho do poeta: “Nérsim/Você é uma referência pra mim/Como é Vila Lobos, como é Tom Jobim:/se eu fosse músico gostaria de compor como você:/por agora e pelo sempre”.

Nas demais canções como Eu te amo, Lua de Vintém, Dona Doninha, Dito e feito e Eu te amo também subsiste a atmosfera romântica e envolvente em que os versos sugerem outras modalidades de encontros amorosos. O resgate delicado do legado da infância retoma novamente o diálogo com a poética drummoniana nos versos sensíveis de Dona Doninha: “Meu avô chamava Juca/Minha avó D. Doninha/Ele dava pra sinuca/Ela dava pra santinha”. Poesia pura em cada entoar de uma nota, em cada soar de uma sílaba. Minha vontade é ir cantando junto perseguindo cada meandro da poesia sutil e grandiosa de Cacaso. Vou pensando nos amores, no meu amor com gosto de sol sustenido.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

domingo, 3 de outubro de 2010

Entrevista com o pesquisador de música popular e historiador Alberto Moby



Daniela Aragão: Como surgiu a música em sua vida?

Alberto Moby: Não sei direito como surgiu a música na minha vida, mas acho que foi mais ou menos assim: Eu sou o filho mais velho de seis. Quando eu tinha por volta dos 5 anos minha mãe já tinha mais 2 filhos. Pra dar uma folguinha pra ela nas tarefas domésticas, meu pai me levava de manhã pra casa dos meus avós maternos, que era pertinho.Minha avó passava o dia inteiro ouvindo rádio. Rádio JB, que só tocava MPB, bossa nova, jazz (estávamos no começo dos anos 1960). Rádio Tupi, que tocava os já clássicos da Era do Rádio; Rádio Mayrinck Veiga, com programação idem; Rádio Nacional, com os anos finais dos programas de auditório, tipo César de Alencar, onde iam Cauby Peixoto, Ângela Maria, Emilinha Borba etc. Na casa que dava fundos para a dos meus avós morava um famoso cavaquinhista da época, tinha um grupo de choro - um "regional", como chamavam na época - chamado Regional do Arlindo. Ele fazia parte do cast da Rádio Tupi e eu morria de orgulho de ser vizinho dele.

Daniela Aragão: Uma entrada no universo musical em alto estilo e diversidade não é Moby?

Alberto Moby: Pois é. Além disso, havia as meninas, adolescentes, do meu bairro, que estavam entrando na era da Jovem Guarda. Me lembro bem de três, cada uma fã de um ídolo diferente: Lila, fã do Jerri Adriani; Ceição, fã do Wanderley Cardoso; e Aninha, fã do Roberto Carlos. E tinha também o Bené, irmão da Lila, que era fã do pessoal da "pilantragem": Simonal, Herlom Chaves e assemelhados, e também dos Beatles.Ou seja: respirei música desde cedinho.Tem mais uma coisinha: meu pai, antes de sair pro trabalho, fazia a barba canarolando, principalmente músicas do Nelson Gonçalves. Me lembro bem nitidamente de uma que dizia "Maria Helena me olhou / Bem dentro dos olhos / E chorou, chorou" rs.Minha mãe gostava do Dorival Caymmi e vivia cantando músicas dele: "Vamos chamar o vento..." e assoviava, imitando o vento, como o Caymmi fazia na gravação.

Daniela Aragão: Para um menino tão novo você se deparou cedo com um leque de possibilidades e riquezas musicais que certamente despertaram esse olhar do pesquisador. Por aí?

Alberto Moby: Não tenho certeza. Posso garantir que me despertaram um certo ecletismo musical que eu cultivo até hoje. O pesquisador nasceu já na faculdade de História (minha segunda faculdade) por causa, principalmente, de um professor.

Daniela Aragão: Recordo-me de que nos conhecemos na ocasião em que você veio a Juiz de Fora fazer uma palestra a convite do Ces ( Centro de Ensino Superior) e que fiquei encantada pela maneira como você trabalhava a música popular brasileira aliando seu processo político ao dos demais países latino americanos. Ali tomei conhecimento de seu excelente livro Sinal Fechado, que tematiza a questão da música popular em dois momentos cruciais, a ditadura Vargas e 68.

Alberto Moby: É verdade. É uma longa história. Mas aí deixa eu voltar um pouquinho, lá pros anos 70, comentar um pouco o que conto na introdução do livro...

Daniela Aragão: Estou meio apressada (risos)

Alberto Moby: Na minha adolescência, claro, já tinha todas aquelas referências musicais. Mas, lá pelos meus 14 anos, uma moça que ajudava minha mãe nas tarefas domésticas (e que era filha de uma amiga dos meus avós) me apresentou o primeiro LP do Tim Maia. Na verdade, eu já tinha ouvido algumas músicas dele no rádio sem prestar muita atenção. Mas depois desse disco me deu vontade de aprender a tocar violão.Meu pai me deu um violão no Natal de 1971. Eu não sabia tocar absolutamente nada, nem tinha grana pra pagar um professor.Daí, saía com o violão nas costas e "colava" com alguém que soubesse tocar o instrumento até sair com um acorde novo. Me lembro que "negociava" o empréstimo do meu violão novinho por 1, 2 dias, em troca de alguns acordes rs.Quando comecei a dominar o instrumento, comecei também, por coincidência, a tomar contato com a realidade mais dura do regime militar.Tive a sorte de ter amigos politizados e preocupados com os destinos do país (coisa, aliás, que me parece cada vez mais rara hoje em dia). Essa coincidência me fez ficar mais atento às letras das canções, principalmente daqueles artistas que tentavam refletir criticamente sobre o país através das letras das músicas, apesar da censura. Me lembro dos encontros que eu e meus amigos fazíamos pra tentar entender as letras do Gonzaguinha, do Chico Buarque, do pessoal do Clube da Esquina etc. e do prazer que a gente tinha quando achava que tinha conseguido entender alguma delas. Quer dizer, a partir daí eu sempre busquei alguma associação entre a música e a realidade social: como crítica ou como crônica. Não é que eu não goste da música que não tem isso, mas, naquela época e durante um tempo longo na minha vida, era isso o que me chamava mais a atenção. Resumindo, é essa história rocambolesca que me levou a pensar o Sinal Fechado. Mas houve um intermediário muito importante: o Prof. Oswaldo Porto Rocha, que, infelizmente, faleceu em 1989, quando o meu lado pesquisador estava só começando.

Daniela Aragão: Interessante você relatar que faziam uma espécie de laboratório musical em que a princípio a política parecia suplantar a estética.

Alberto Moby: Essa tensão entre política e estética, acho que só fui me dar conta dela quando já estava no curso de jornalismo, por causa de uma discussão que rolava no curso em torno dos formalistas russos - a questão da arte pela arte. Era já um período posterior aos "anos de chumbo" (entrei no curso no 2º semestre de 1977). Lá se discutia se a arte tinha ou não que ter comprometimento político, se arte revolucionária tinha ou não a ver com forma revolucionária e coisas assim.

Daniela Aragão: Mas você desde a infância se deparou com um legado de lirismo, basta Caymmi para isso.

Alberto Moby: Claro, eu nunca neguei o lirismo. Só acho que talvez por ter vivido a adolescência numa época, digamos, pouco lírica, acho que eu prestava mais atenção ao lirismo quando ele era "legitimado" por alguém com comprometimento político (obviamente, contra a ditadura). Por isso, as canções de amor do Chico Buarque faziam muito mais sentido pra mim do que as de Roberto Carlos... Não necessariamente porque o Roberto fosse "brega" (ou cafona, como dizíamos na época) e o Chico fosse "arte", mas porque o Chico lutava contra a ditadura e o Roberto Carlos não - ou, pelo menos, não estava interessado em que as pessoas soubessem qual era sua posição sobre o tema. Claro, isso é coisa daquela época e já não faz tanto sentido pra mim hoje. Embora eu continue preferindo o Chico rs.

Daniela Aragão: Numa época em que a postura política impulsionava as pessoas a se dividirem em dicotomias como Chico/ Caetano Tropicália/Jovem guarda, Música alienada/ Música de protesto. Essa postura rígida se diluiu nesse universo atual principalmente porque pesa bastante atualmente a questão comercial da canção. O que acha?

Alberto Moby: Bem, pra ser coerente com o que eu afirmo no livro, acho que sempre houve interesse comercial em todos os segmentos, que a indústria não é boba de dar esse mole. O problema era que música censurada (ou censurável) significava mais riscos para quem investia. Além disso, em muitas situações tenho a impressão de que os artistas que eram contra o regime militar se movimentavam - mesmo que sem planejar.. e mesmo que inconscientemente, talvez - no sentido de formar um bloco antiditadura - que eu identifico com a raiz da denominação MPB em oposição, por exemplo à Jovem Guarda.

Daniela Aragão: De olho na fresta, como argumenta Gilberto Vasconcellos no título de sua obra que também tematiza questões problematizadas por você.

Alberto Moby: Só pra concluir o raciocínio anterior. Com o fim da ditadura, essa motivação e movimentação se dilui. Tanto é assim que podemos identificar facilmente elementos de "protesto" ou "engajamento político" no rock nacional dos anos 80, mas, sem a censura, foi fácil diluir isso e absorver o produto como comercial. Isso, a meu ver, não tem muito a ver com boa ou má qualidade.O livro do Gilberto Vasconcellos foi fundamental pro meu trabalho. Devo a ele o conceito de "linguagem da fresta", que é importantíssimo pro meu trabalho.

Daniela Aragão: Atualmente ele só quer ouvir Villa Lobos e com excessivo purismo chama a turma de Tropicanalha e Máfia do dendê ( risos)

Alberto Moby: Confesso que às vezes me dá uma certa irritação. Acho que só consigo superar isso porque uso muito a internet e acabo conhecendo gente bacana, que nunca toca no rádio ou vai ao Domingão do Faustão e que ainda me dá prazer de ouvir.

Daniela Aragão: Certamente, você é ávido por conhecer as produções novas que muitas vezes ficam fora do circuito comercial não é?

Alberto Moby: Sou. Mas é mais por falta de alternativa... Onde eu iria conhecer trabalhos como o seu se dependesse da grande mídia?

Daniela Aragão: Pois é e nós músicos e artistas acabamos dialogando com nossos pares e tentando vencer uma série de obstáculos. Produz-se cada vez mais qualidade num esquema alternativo.

Alberto Moby: Mas acho, Dani, que isso não acontece apenas na música. Acontece também na literatura, cinema etc. Todo mundo quer o prêt-à-porter, o fast food. Quem pensa muito consome pouco, é seletivo,desconfia, faz escolhas. Isso é a essência do não-capitalismo. O grande capital não está interessado nisso, né?

Daniela Aragão: Com certeza, usei a palavra artistas para abranger os demais produtores de arte. E o que você acha do papel da internet em relação a isso?

Alberto Moby: Acho que a internet está num momento de indefinição que, por enquanto, está a nosso favor. Mas não sou muito otimista. Aprendi a viver num mundo em que tudo se vende e tudo se compra e em nome disso o produto vale mais que o processo de produção, o comerciante vale mais que o criador. Fico com medo de estar absurdamente mergulhado em alguma teoria da conspiração, mas não posso imaginar que o grande capital vá ficar parado esperando pra ver o que acontece com a internet. Acho que só a ocupação anárquica e "anarquista" da internet pode fazer frente a isso. Por isso compartilho tudo que posso na internet: imagens, sons, textos, ideias.

Daniela Aragão: Eu consigo divulgar meus trabalho de maneira otimizada pela internet e tenho amigos assim no myspace. Acho que o que nos assola é a angústia do excesso de informações e ofertas que faz com que as coisas se diluam.

Alberto Moby: Outro grande "perigo" desses tempos pós-modernos: a ilusão de que mais quantidade informação implica necessariamente em se estar melhor informado. Conhecimento requer paciência, análise, reflexão. Acho que isso vale pra qualquer tipo de conhecimento, inclusive pra fruição da arte. Mas também acho que não dá pra voltar atrás e que, portanto, nós é que temos que ir aprendendo caminhos.

Daniela Aragão: Concordo plenamente

Alberto Moby: Ainda com relação a isso, acho que talvez a angústia se dê porque acabamos embalados por esse canto de sereia da quantidade. Li uma crônica sobre o show da Ivete Sangalo nos EUA (acho que em Nova York). Foi pra milhares de pessoas. Isso significa mais exposição na mídia e muitos dólares no bolso. Mas, com aquela voz tão bonita e aquela personalidade tão forte, podia cantar algo mais substancial...

Daniela Aragão: Ainda tem a questão de como a mídia vende as "verdades"

Alberto Moby: Pois é. Lembro de 4 cantoras importantes do final dos anos 70 e começo dos 80 que optaram pela quantidade e "repaginaram" a carreira: Simone, Fafá de Belém, Joana e Zizi Possi. Tenho a impressão que o resultado foi desastroso para as 4. Fafá chegou a virar cantora de fado em Portugal e agora não tenho a menor ideia do que faz. Joana andou cantando sertanejo e sumiu. Simone se perdeu, tentou voltar e, depois que virou amiga da Ana Maria Braga, nem CD em homenagem a Martinho da Vila a salvou do ostracismo. Acho que a Zizi foi a única que, ao voltar, ainda encontrou alguma receptividade do antigo público e suponho que deva ter se arrependido bastante de coisas do tipo "perigo é ter você perto dos olhos / mas longe do coração..."

Daniela Aragão: Com certeza, Zizi retomou seu eixo com aquele belo disco "Sobre todas as coisas", que foi lançado na década de noventa. É muito séria a questão dos produtores, como ele podem conduzir ao céu ou ao inferno a carreira de uma artista que se sujeita a imposições.Esta semana assisti ao belo documentário sobre Nana Caymmi, o sentido absoluto do cantar, uma aula de dignidade e sabedoria musical.

Alberto Moby: Sobre a questão dos produtores, há um livro que me parece fundamental, que é o Noites Tropicais, do Nelson Motta, um desses produtores. Há coisas que ele conta, com a maior naturalidade, de arrepiar os cabelos.

Daniela Aragão: Me recordo bem desse livro, gosto dos trabalhos que ele fez com Elis.

Alberto Moby: Claro. É a tal da "grana que ergue e destrói coisas belas" de que fala o Caetano. O problema é você saber o que ergue e o que destrói. Dinheiro é muito bom, mas não se pode vender tudo pra ter dinheiro...

Daniela Aragão: Com certeza. Entre o que tem ouvido hoje o que lhe chama atenção, talentos escondidos na periferia?

Alberto Moby: Como eu sou muito eclético, fica até difícil. Mas, vá lá: gosto da Roberta Sá, do Rodrigo Campos, da Marina de la Riva, da Tatiana Parra, da Mariana Aydar, do PC Castilho, do Max Gonzaga, da Ana Costa, da Barbara Mendes...

Daniela Aragão: Algo te inspira a escrever outra obra reflexiva sobre nossa música a exemplo de seu lúcido Sinal fechado?

Alberto Moby: Atualmente, mesmo que eu quisesse, acho que isso seria meio difícil. Por razões muito pessoais, inclusive de sobrevivência material, estou vivendo em Angra dos Reis e trabalhando como professor primário. Nessas condições, fica bastante difícil pesquisar. Falta tempo e o acesso aos grandes centros de pesquisa é mais difícil. Talvez, me aposentando (nem falta muito...), eu pensei nisso.

Daniela Aragão: Certamente esbarramos com a questão gritante da sobrevivência, vou tocando esse espaço de discussão na base da força ,coragem e paixão.

Alberto Moby: Pois é. "Nós somos medo e desejo, somos feitos de silêncio e som", como diria o Nelson Motta, de quem falei mal agorinha mesmo, rs."

Daniela Aragão: Com certeza Moby. Adorei nossa conversa, super obrigada e o espaço aqui está livre para você divulgar seus trabalhos.

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Nublado em mi sustenido


Dois mil e dez em junho gela.
Gotas brancas me caem sem mais do céu,
compassos em pétalas cinzentas do Rio
A Copa se abre.

Faz frio e fluvial dúvida pesa na gota de sangue que vai
Púrpura
dourar o signo vespertino
Dia nublado me dói.
Dia nublado me alcança,doce hálito vivido
pálido prazer consentido,
Não foi?

Minha alma canta?

Sussurra.

Madeleine não há,
só bolinhos de chuva

Cassiana Lima Cardoso é doutoranda em literatura comparada na Universidade Federal do Rio de Janeiro, é professora de literatura e autora da peça Alice em rimas no país das maravilhas. Nasceu em Cataguases e reside no Rio de Janeiro.

domingo, 26 de setembro de 2010

O segredo mais sincero de Leila Pinheiro



Em algumas de minhas crônicas escrevi que ninguém melhor do que o compositor é capaz de interpretar suas próprias músicas, hoje venho aqui para repensar essa idéia movida pela audição de Meu segredo mais sincero, cd recém lançado da cantora Leila Pinheiro.

Leila acertou em cheio ao escolher esse sensível título para seu cd, que traz somente canções do compositor e cantor Renato Russo. Nunca escondi dos amigos minha total incompatibilidade com a obra de Renato, que a meus olhos e ouvidos sempre foi sinônimo de pobreza harmônica e infantilidade poética. Recordo-me que na adolescência dificilmente assimilava as sequências de acordes simples que observava nas canções de Renato tocadas pelos colegas, papai dizia-me que sua voz era demasiadamente parecida com a de Jerry Adriani, o que contribuiu mais ainda para meu distanciamento do trabalho do roqueiro que retratou um geração, conforme assegura uma das vertentes críticas da qual eu também não compactuo.

Enquanto muitos colegas cantavam eufóricos os versos: “Quero colo/Vou fugir de casa/Posso dormir aqui com vocês/ Estou com medo, tive um pesadelo/ Só vou voltar depois das três”, eu cantava: “ Te pego na escola e encho a tua bola com todo o meu amor/ Te levo pra festa e texto seu sexo com ar de professor/ Faço promessas malucas tão curtas quanto um sonho bom”. Não suporto jogos dicotômicos a exemplo de Emilinha e Marlene, Chico e Caetano, Bethânia e Gal, mas revelo que Cazuza sempre se sobrepôs a Renato em minha adolescência repleta de ilusórias convicções.

O excelente trabalho de Leila inspirado na parceria Guinga e Alir Blanc sobrevive ao transcorrer do tempo e Catavento e girassol resiste com caráter de gravação antológica. Por admirar a competência musical de Leila combati minha resistência ao Renato e resolvi dar um tiro no escuro ao presentear-me com Meu segredo mais sincero, que para minha agradável surpresa desponta como um dos mais belos trabalhos dedicados a obra de um artista.

Em Meu segredo mais sincero Leila relê as composições de Renato introduzindo seu piano sofisticado e ao mesmo tempo minimalista, a cantora mantêm a essência dos desenhos melódicos de Renato porém retira dos recônditos um lirismo que transcende o rótulo de roqueiro. Andrea Doria é uma pérola resgatada por Leila do segundo disco do conjunto Legião Urbana, plena de poesia mostra um artista que tinha domínio sobre os segredos da composição dos versos: “As vezes parecia que de tanto acreditar em tudo que achávamos tão certo/Teríamos o mundo inteiro/E até um pouco mais/ Faríamos floresta do deserto/E diamantes de pedaços de vidro/ Mas percebo agora/Que o teu sorriso/ Vem diferente/Quase parecendo te ferir”. Leila canta com absoluta entrega apropriando-se das notas e palavras como se fossem suas, o timbre belo e a dicção perfeita não desperdiçam uma sílaba, fato que demonstra o quão madura esta a artista para preencher de delicadeza a obra do saudoso amigo.

Tempo perdido recebe uma segunda releitura de Leila que desponta vigorosa e emocionada, o piano e a voz da cantora alternam seu lirismo com a inserção de certas camadas de sons aleatórios que combinam com o cenário urbano da contemporaneidade. Certamente não foi tempo perdido.

Na totalidade o álbum encaminha o ouvinte para uma viagem mais introspectiva visto que Renato era afeito a mergulhos existenciais e melancólicos, mesmo em composições que trazem levadas mais swingadas a exemplo de Ainda é cedo, que foi sucesso na voz de Marina Lima, subsiste um tom de baixo astral. A beleza poética resgatada por Leila se funde a fragmentos de amores depedaçados deixados por Renato, Meu segredo mais sincero é um encontro de amor que ultrapassa tempos e fronteiras. Parabéns Leila!

sábado, 25 de setembro de 2010

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Entrevista com o compositor e cantor Thiago Amud


Daniela Aragão: Quando e como começou a música em sua vida?

Thiago Amud: Começou sem que eu soubesse, com meu pai tocando violão em casa junto à barriga da minha mãe. Depois eu quis aprender violão, aos 13 anos. Aprendi através dos Songbooks do saudoso Almir Chediak. Ou seja: minha primeira escola foi a grande canção brasileira já num estágio avançado de catalogação. Isso de cara abriu um hiato entre mim e meu tempo, que só fui sentir depois e que venho tematizando de um modo deliberadamente polêmico, com o deslocamento e o exagero de alguns procedimentos identificados com a “MPB tradicional”, em cuja linhagem, teoricamente, eu estou.

Daniela Aragão: Você acaba de lançar Sacradança, um belo cd que se destaca desde o
tratamento cuidadoso do encarte, que traz uma beleza plástica preenchida por contrastes de luz e sombra. Parece-me que o seu trabalho traz justamente essa rica mistura de influências que funde ritmos e texturas, os arranjos ora exaltam um forte lirismo,ora expressam certo senso de humor, tudo com uma marca autoral muito evidente.

Thiago Amud: Obrigado, Daniela. O projeto gráfico é de Cezar Altai, que, além de poeta visual, tem canções magistrais. Quando conversei com ele sobre o que eu pensava para a capa, falei de um filme armênio impressionante chamado “A cor da romã”, falei das iluminuras medievais e do caráter meio onírico do CD. E o encarte ficou no tom certo, ele conjugou tudo isso e ainda foi além, trazendo os peixes e as lâmpadas: ele “agenciou” símbolos de um alcance impressionante. Quanto às suas demais considerações: são poucas as coisas muito confortáveis de que gosto em matéria de arte. Arte é uma coisa, almofada é outra (rs). Desde muito antes de gravar “Sacradança”, eu já pensava que meu futuro primeiro CD teria que ser um fluxo imagético e sonoro surpreendente o tempo todo, numa espécie de ciranda de sentidos e estímulos. Mas, ao mesmo tempo, nunca quis sacrificar o entendimento do ouvinte em nome de uma energia criativa totalmente incompreensível. Dessa tensão entre vontade de compartilhar e vontade de transgredir, nasce meu trabalho, escrevendo, compondo e arranjando.

Daniela Aragão: Como você vê o cenário da música popular brasileira atual? Acha que
caberia alguma classificação para o seu trabalho?

TA.: Se você me permitir, vou falar de aspectos delicados. Acho que o tal hiato entre a minha geração e a dos grandes autores da MPB clássica tem gerado em muitos de nós uma reverência meio excessiva pelo passado. É uma questão de saber o que fazer com a intensidade do amor que sentimos por esse legado, como transformá-lo em outra coisa. Sinto falta de um certo abuso, de uma dose de heresia, do incômodo que o novo causa, porque o que eu amo eu não quero ver embalsamado. Outra coisa (que é a mesma): percebo em muita gente talentosa uma raiva danada da vulgaridade, uma busca por um tipo de pureza que exclui mais do que inclui. Acho isso perigoso, porque uma das missões do artista é tentar purificar as coisas impuras, não é virar as costas pra elas, como se elas não fossem dignas dele. Uma geração em que o senso de pureza vai pra um lado e o horror da realidade social vai pro outro corre um sério risco de ter seu ridículo exposto na praça da feira pela intrepidez da próxima geração, como os poetas parnasianos tiveram o seu ridículo exposto pelos poetas modernistas. Hoje só acredito num tipo de pureza: a que vem depois da podridão. Alguns instrumentistas, compositores e cantores já estão notando isso aí. Graças a Deus tenho conversado muito sobre isso com alguns deles. A música nascida dessa consciência eu chamo de Música Purgatorial Brasileira; portanto, pra mim, a sigla MPB continua vigorando (rs).

Daniela Aragão: Quais são as suas mais fortes influências?

Thiago Amud: As influências são tantas que qualquer lista seria longuíssima e incompleta. E estou me iniciando nesses “exercícios de admiração”: no momento, qualquer rol de meus mestres ainda estaria cheio de confusão entre o que é influência, o que é amor, o que é angústia, o que é inércia. Portanto, se não soar esnobe (juro que não é essa minha intenção), peço pra que meu possível ouvinte tire suas próprias conclusões sobre esse assunto.

Daniela Aragão: Você é muito jovem, portanto deve ter inúmeros planos e projetos,
enfim, com que artista você sonharia dividir o palco ou até mesmo elaborar um disco
em parceria?

Thiago Amud: Veja como são as coisas: tenho um afoxé chamado “Ancestral” que fala justamente umas 5 vezes “Sou velho”. Tenho 30 anos, não me acho mais tão jovem. Tenho inúmeros planos sim: quem sabe um CD de parcerias com o Guinga, que é um dos maiores compositores que este país de compositores já teve? Mas eu sou lento letrando, ele não pode ficar brabo comigo se eu mudar uma letra inteira 15 vezes depois de dá-la por encerrada... Bem, já que falei do Guinga, respondo aqui parte da pergunta anterior: pra mim ele é toda uma escola.

Daniela Aragão: Como tem sido o percurso de divulgação do Sacradança visto que a
cada dia a internet tem se tornado um dos maiores veículos de propagação de trabalhos
independentes?

Thiago Amud: Meus amigos Rodrigo Ponichi e Cezar Altai (ele de novo) dirigiram um clipe, artesanal e bem humorado, de “Aquela ingrata”, frevo que está no meu CD. Com isso, abre-se uma possibilidade interessante: fazer vídeos de cada uma das faixas. O cinema me encanta e me influencia diretamente, o próprio Aquiles, do MPB-4, quando escreveu sobre “Sacradança”, notou que o CD parece um filme. Isso foi intencional. Essa tradução das músicas pra imagens é uma possibilidade de dar uma “sobrevida” ao período de lançamento do CD. Sei que tem um artista que já está fazendo isso com suas canções, o Dimitri BR. Cezar, Rodrigo e eu estamos estudando algo assim no momento. Quanto a shows de lançamento, tenho dois formatos: um de quinteto, em que eu, Sergio Krakowski (pandeiro), Matias Correa (baixo), Rui Alvim (clarinetes) e Alexandre Caldi (flauta e sax) somos fiéis à polifonia cerrada dos arranjos do CD; outro, em duo com o Sergio Krakowski, onde eu exploro também outras canções minhas, textos, coisas novas etc. Em suma, está tudo começando: de ponta a ponta, tudo é praia-palma.

Daniela Aragão: Obrigada Thiago e muito sucesso para você.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Entrevista com o maestro, pianista e arranjador Sylvio Gomes



Daniela Aragão: Como começou a música em sua vida?

Sylvio Gomes: A música apareceu em minha vida quando eu tinha oito anos, na verdade antes disso, quando eu tinha quatro anos de idade minha família ia passar férias em Cambuquira e já nessa época eu gostava de cantar, juntavam pessoas ao redor para ver o menino que cantava. Sempre gostei muito de música, ficava cantando em casa as músicas da rádio. Meu primeiro contato com um instrumento foi uma espécie de desafio, minha mãe era professora de música do Conservatório Brasileiro de Música do Rio de Janeiro, ela era solista da orquestra do maestro Vitório Stefanini, eu toquei nessa orquestra quando estava com uns dez anos. Numa festa mamãe foi tocar acordeon, que era o instrumento que estava na moda na época, um dos caras pediu para tocar e ela foi lhe ensinando e eu pensei que por ser filho teria o direito de tocar também. Ela não quis me deixar tocar, naquela época criança não tinha direito nenhum (risos). Um dia minha mãe saiu para dar aula e me deixou com minha avó, então peguei o acordeon e comecei a tentar tocar. Fiquei apertando até que consegui juntar duas notas, mi- sol, falei: - opa isso aqui dá Calu, foi a primeira música que toquei. Minha primeira experiência foi essa. No meio do ano, quando eu cursava o segundo ano primário apareceu um gaitista na escola que tocava muito bem, parceiro do Edu da Gaita, ele era um alemão contratado pelas gaitas Hering para ir às escolas e convencer os meninos a pedirem as mães para comprarem as gaitas. Certo dia ele foi a nossa turma e falou:”_ Vou dar a vocês um livrinho e a gaitinha para vocês mostrarem a mamãe”. Mamãe comprou para mim a gaitinha, quando soprei rapidamente tirei Asa Branca e depois vi que Oh Susana era por ali também, eram as mesmas notas mas com uma inflexão diferente: - oh rapaz é por aqui, pensei. Comecei a tirar uma porção de músicas. Esse gaitista que visitou nossa escola acabou me chamando para tocar no programa dele aos domingos ao meio dia na Rádio Globo, depois fui tocar pratos na orquestra do Vitório Stefanini composta por oitenta acordeons, sendo que o maestro dividia tudo em naipes. Nela se tocava mais música erudita como Orfeu no inferno, La Traviatta, eram só peças pesadas, eu já tinha dez anos. Era muito bom, toquei com eles no maracanazinho e no teatro Municipal que foi uma glória.

Daniela Aragão: Você foi percorrendo os instrumentos...

Sylvio Gomes: Lá em casa tinha um piano. Minha mãe quis me dar aula mas não deu certo, ela era muito brava e bateu uma vez na minha mão, por isso não quis mais. Fui aprendendo sozinho, experimentado as teclas e tocando de ouvido. Comecei a aprender acordeon com um acordeonista, mas eu tocava muito mal e não me convencia disso .Eu era ligado em Bossa Nova, até que fui tocar acordeon numa boite em Copacabana chamada Catacomb, na Galeria Alasca. Era um grupo formado por piano, baixo e bateria e eu tocava só com a mão direita pois achava o baixo muito careta, mas eu não tinha ainda muita experiência, queria era ser moderno. Tudo foi acontecendo num modo intuitivo, primeiro toquei, depois fui aprender. Na boite ao lado chamada Stock tocava o Sivuca e nos intervalos nos encontrávamos até que ficamos muito amigos, mas ele nunca tinha me visto tocar. Um dia Sivuca foi me ver tocar, ficou olhando, olhando e me chamou para um café e falou: “-Você pega esse acordeon, vende e vai fazer um curso de datilografia, pois você não toca nada, é muito ruim e não tem jeito nenhum pra isso. E ainda por cima é maneta, pois não toca com a mão esquerda”. Ele me levou pela mão até o seu camarin e tocou Moon River daquela maneira maravilhosa, contracantos fabulosos, tocando Double lead, a mão direita em bloco e a mão esquerda dobrando. E ficava perguntando: “- Tá ruim?” Falei não, está maravilhoso (risos). Passados uns dias o pianista precisou dar uma saída e eu comecei a tocar um pouco em seu lugar e apareceu novamente o Sivuca, quando o vi pensei: -agora ele me mata. Eu ainda achava que era acordeonista e disse a ele que nem adiantava vender o piano, pois o piano não era meu (risos). Sivuca ao me ver tocar piano disse-me que eu levava jeito para esse instrumento e resolvi então seguir seu conselho. Passei para piano e comecei a carreira como pianista, mas não sabia nada de música, teoria, nada.

Daniela Aragão: Você começou a tocar nas noites do Rio acompanhando os cantores intuitivamente?

Sylvio Gomes: Eu fazia nos Democráticos, comecei a trabalhar na intuição, trabalhava na televisão, acompanhava cantores: Ângela Maria, Blecaute. Tinha a Embaixadores, uma casa na Cinelândia em cima do Amarelinho e eu tocava por lá todos os domingos com uma mini orquestrinha. Um dia o ritmista dessa bandinha me propôs tocar num baile no Tijuca Tênis Club, topei e quando cheguei tinha o palco maravilhoso e a formação de uma orquestra completa com um piano de cauda incrível. Isso começou a não me cheirar bem, pensei, como iria tocar de bossa com aquela orquestra imensa. Quando sentei no piano o maestro veio com uma pilha de partituras, daí perguntei o que era aquilo e ele me falou que eram as partituras que eu deveria tocar. O cara era mulato e ficou branco, me fuzilou com os olhos (risos). Nunca passei tanto aperto, pois o piano ficava ao lado das cordas e das trompas de maneira que eu não ouvia a melodia, só ficava um bombombombom (risos). Eu não conseguia nem identificar que melodia era, e para completar a tragédia o baile era um tal baile da saudade em que só deveriam tocar músicas da década de cinquenta para trás e eu nunca tinha ouvido aquelas músicas desconhecidas. Eu ia tocando qualquer coisa tentando harmonizar os contracantos, de repente dava uma pausa e era então a minha vez de tocar, o maestro olhava para mim com aquele olhar fulminante e eu ia improvisando. O que salvou um por cento do meu trabalho foi substituir em seguida o pianista de Ângela Maria que não tinha ido acompanhá-la. A partir daí resolvi estudar, pois nunca mais queria passar essa vergonha.

Daniela Aragão: Você decidiu entrar no conservatório, arrumou professor particular, como fez?

Sylvio Gomes: Naquela época não existia professor particular, o que existia era muito ruim, muito formal e limitador, não era o que eu estava buscando. Eu dava aula no conservatório, como poderia estudar por lá? Naquela época não tinha internet, não tinha informação nenhuma. Comecei a procurar daqui e de lá, perguntando aos músicos, trocando informações. A gente ia pegando pedaços de uma música espalhados e ia montando até conseguir tocar. Na época era comum sentarmos ao lado daqueles que tocavam bem para ficar olhando e aprendendo, mas era muito difícil, conseguíamos pegar uma coisa ou outra. Nesse tempo as pessoas que tocavam bem não tinham tempo para ensinar porque tinham muito trabalho, não davam conta da carga, tocavam, davam concerto, então aqueles que ficavam dispostos a dar aula eram de fato os que não tinham competência. Até que esse quadro foi modificando, pois foram diminuindo os trabalhos para os músicos. De trinta anos para cá é que começou o lance de dar aulas, DJs, discotecas, todas essas entradas foram tirando o lugar do músico.

Daniela Aragão: E você foi se encaminhando para o lado de arranjador, se tornou maestro.

Sylvio Gomes: Comecei a ler muita coisa e fui formando uma bagagem musical. Comecei a ler livros sobre harmonia funcional que me trouxeram informações muito importantes. Fui aprendendo fazendo, até que acabei pegando uma certa experiência e reconhecimento.

Daniela Aragão: Quais são as suas bases de formação, a bossa nova e o jazz?

Sylvio Gomes: Na verdade um pouco de tudo. Na minha infância eu ouvi bolero, chachacha, samba e música americana, de música americana chamávamos todos os gêneros desde o jazz até o mais pop. As músicas que se tocavam em baile eram de melhor qualidade. Quando aconteceu o Rock in Rio eu estava numa mesa no Chico’s Bar ao lado do Egberto Gismont, Aécio Flávio e dois caras de fora All Jarreau e George Benson. Nisso o Egberto falou assim: "- não sei, mas eu sinto uma falta de uma coisa que não sei explicar". O Hermeto falou: “- Você está sentindo falta é de um bailinho rapaz” Você nunca fez um bailinho, ele falou. É aquela coisa das experiências aparentemente insignificantes, eu acho que a experiência de tocar em boites foi muito boa para mim, as cantoras chegavam, davam seu tom e atacavam.

Daniela Aragão: Trabalhou com muitas cantoras ?

Sylvio Gomes: Sim, inclusive com você. Uma delas é a Zelinha Duncan, essa eu coloquei no mercado mesmo. Zelinha chegou no Rio vindo de Brasília, ela ficava no Chico’s bar ouvindo cantar a Celeste e Clarice Grova, só feras. Depois a levei para tocar no Clube 1 e dali ela alavancou.

Daniela Aragão: Você passou pelo Beco das garrafas também não é?

Sylvio Gomes: Ah era um lugar fantástico, mas eu já peguei o final, quando o Beco já não era mais o mesmo. Eu acompanhei a Bossa Nova como ouvinte, pois venho de uma geração seguinte. Depois conheci o Carlinhos Lyra, Tom, o Johny Alf, mas quando eu já era um profissional. Quando a noite do Rio era a noite do Rio, maravilhosa. Agora acabou tudo, e não é só uma queixa dos cariocas não, é geral.

Daniela Aragão: Quando você veio para Juiz de Fora?

Sylvio Gomes: Eu vim para cá primeiro em 89, depois voltei para o Rio para fazer o show no Scalla, só que isso não deu continuidade e então retornei a Juiz de Fora. O Chico’s era a melhor casa de música que tinha no Rio de Janeiro, você estava tocando e de repente chegava Liza Minnelli, George Benson, All Jarreau, Bill Evans, Bart Bacharach. Os brasileiros sobretudo iam lá para dar canja, as vezes de um lado tinha o Benito Di Paula e do outro a Beth Carvalho. Ivon Curi cantava comigo toda noite. Eu vim para Juiz de Fora para dar um curso de harmonia funcional na escola de música Escala e nessa turma inaugural tinham Márcio Hallack, Dudu Lima, Fábiano e Euzébio. Daí voltei para o Rio para um trabalho com a Vatuse e o Grande Othelo, esse também não vingou. Retornei a Juiz de Fora e quando vi a Pró Música gostei da infra estrutura: um teatro com piano de cauda . Sugeri a Maria Izabel fazermos uma orquestra e essa foi a razão precípua. Muitos músicos passaram por lá e cantores também, o objetivo primordial da fundação da orquestra de jazz foi trazer aos músicos a noção do que é tocar numa orquestra. Tem se tornado cada vez mais remota a possibilidade de se tocar numa orquestra, pois hoje em dia são poucas que sobrevivem. Proporcionar as pessoas também uma música diferente é nosso objetivo e nessa batalha estamos completando dezoito anos.

Daniela Aragão: Acho que todo mundo já passou por lá, é quase que um pré requisito. Você já passou pela orquestra do Sylvio? Você também foi sempre um incentivador das cantoras, me recordo de um espetáculo que você realizou na Pró Música com a reunião de todas as cantoras em voga na época.


Sylvio Gomes: Tudo partiu de uma carona que dei para Tânia Bicalho, dali começamos a pensar em montar um show com as cantoras que estavam em voga na época. Convidei a Cristiane Visentin, Tânia Bicalho, Jacqueline Castorino, Lúdica Música e uma que ainda não cantava e estava insegura para cantar com as cantoras famosas, essa era a Ana Carolina. Abri o show com ela e foi muito bom, ela se deu muito bem. Na ocasião em que o Ray Connif esteve aqui eu levei a Ana Carolina para cantar com ele também.

Daniela Aragão: Esse trabalho da orquestra já tem registro em cd?

Sylvio Gomes: Temos dois cds gravados com a participação de vários músicos como Paschoal Meirelles, Novelli, Cristóvão Bastos, Mauro Senise e Nelson Faria.

Daniela Aragão: Eu até participei de um dos festivais de jazz promovido por você.


Sylvio Gomes: Tive a idéia de fazer o festival de jazz, formatamos o projeto e convidamos o pessoal do Rio, vieram Wagner Tiso, Victor Biglione, entre outros.

Daniela Aragão: Isso é fundamental, você trazer esses talentos a cidade para proporcionar um diálogo, uma reciclagem dos artistas locais. Acho muito válido e enriquecedor.

Sylvio Gomes: Minha idéia justamente era essa, aprimorar o nível de qualidade e informação dos nossos músicos. Já trouxe a Leny Andrade, João Bosco e Leila Pinheiro. Antes tinha trazido músicos, a turma do Cama de Gato, depois o Vitor Santos. Nico Assunção ficou aqui durante uma semana dando workshop, fazendo aquela convivência com os demais músicos, surpreendente. Funcionava no seguinte esquema: aulas à tarde e apresentações a noite.

Daniela Aragão: No ano passado eu entrevistei o saxofonista Affonso Claudio no Duo Jazz de Tiradentes e falamos sobre a questão da música instrumental num mercado cada vez mais saturado e massificado. Você que vem de uma formação sofisticada que abrange a Bossa Nova e o Jazz, atualmente a saída é ir remando contra a corrente?

Sylvio Gomes: O Chico Buarque tem uma frase que é lapidar: “O mundo emburreceu”. Hoje em dia é a quantidade em detrimento da qualidade. Vai do fast food, passando pela roupa e outras categorias. Se você vai fazer um jantar para poucas pessoas é claro que vai ficar muito melhor. Tudo está na base do imediatismo, da urgência e da quantidade. Os shows intimistas acabaram, então um show de baquinho e violão para cinco mil pessoas não pode ser com violão e voz. Hoje é a música barulhenta, euforia, não tenho nada contra gêneros de música, acho que música é estado de espírito e sinto que tem que haver música para todos os estados de espírito. Não pode ser uma coisa só, tem que ter música pra motel, pro sujeito apaixonado, pra velório e por aí vai. Hoje em dia é uma coisa só, você liga a televisão e vem aquela imposição sobre você. É inevitável.

Daniela Aragão: A questão do que a tecnologia favorece e o que ela implica de descaracterização no trabalho do músico. Como fica a sobrevivência do músico hoje?

Sylvio Gomes: É uma faca de dois gumes, pois se por um lado a tecnologia favoreceu na qualidade dos instrumentos, alguns músicos não tocam, colocam md e vão fazer um show. Eu presenciei uma cena ao lado de minha mulher que é inacreditável, tinha um cara e uma moça cantando, ele tinha um teclado a sua frente e uma guitarra na mão, de vez em quando apertava o botão e ficava fazendo mímica. Os sons totalmente desencontrados, ele tirava a mão dos instrumentos e eles continuavam tocando. Muito cara de pau.

Daniela Aragão: Observo que usualmente os DJs pegam grandes Standards e retiram a base original e inserem uma base totalmente esquisita. A música é mais um segmento que está sofrendo com isso.

Sylvio Gomes: É o que o Chico Buarque falou, insisto nessa idéia do emburrecimento do mundo. O cara fica sabendo muito pouco de muita coisa, a maior parte das pessoas têm um conhecimento superficial de muita coisa. Isso acontece em todas as áreas. Raríssimas são as pessoas que tem um conhecimento profundo de alguma coisa, elas têm um conhecimento superficial de tudo.

Daniela Aragão: Com essa aceleração do mundo as pessoas não têm mais paciência de ir ao teatro e ficar sentadas durante mais de uma hora para ouvir um concerto.

Sylvio Gomes: As pessoas estão passivas diante do computador, da televisão e por aí vai. Elas estão com preguiça de pensar. O imediatismo impera, quanto mais simples melhor.

Daniela Aragão: E como andam os projetos atuais?

Sylvio Gomes: Como diz o Hermeto, música não é profissão é devoção, continuo então com a minha devoção a orquestra. Manter uma orquestra numa cidade grande é difícil, imagina numa cidade menor como essa. Vamos mantendo até onde der, pois os músicos são abnegados, vão toda a semana ensaiar sem remuneração, por amor a arte. Agora montei um trio também com Pedro Crivelari na bateria e Claudimar Maia no baixo e guitarra, eles são dois estudiosos que estão tocando um trabalho que funde o autoral e algumas composições de Cristóvão Bastos e outros. O trio se chama Triunvirato. Fomos agraciados pela Lei Murilo Mendes e vamos gravar músicas do Cristóvão, do Paschoal, do Aécio Flávio, enfim, um trabalho que estamos fazendo com prazer. Não tem muito mercado, mas agora estou seguindo a frase lapidar do Brant: “não importando se quem pagou quis ouvir”. A gente toca.

Daniela Aragão: Muito obrigada, foi muito boa nossa conversa e que possamos ainda desenvolver outros trabalhos.

Sylvio Gomes: Eu agradeço, estamos por aí com nosso amor pela música.