quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Sopros de vida


Fiz essa crônica para o meu querido amigo Kim Ribeiro. É sempre maravilhoso ouvi-lo tocar sua flauta, principalmente quando estamos no Mosteiro do Som. O som de Kim é puro lirismo, pura beleza!


Cataguases é conhecida pelo cinema de Humberto Mauro, pela arquitetura modernista, e sobretudo por ser uma terra onde afloram talentos literários. Só em uma das estantes daqui de casa há duas prateleiras inteiramente dedicadas aos “escritores da terra”. Volta e meia me deparo com Joaquins, Fuscos, Wernecks, Linas, Celinas, Ruffatos, P.J. Ribeiros, Carranos, Cagianos, Guilherminos, Peixotos, Enriques, Ascânios, Marcos Vinícius e Cabrais, este o meu querido amigo Francisco Marcelo: obra completíssima até agora.Já a fama de Juiz de Fora, literatos à parte, deve-se sem dúvida à grande quantidade de talentos musicais: João Medeiros, Sueli Costa, Hélio Quirino, Sylvio Gomes, Márcio Hallack, Mamão, Berval Moraes, Lisieux Costa, Big Charles, Telma Costa, Bilinho Teixeira, Raquel Silvestre, Joãozinho da Percussão, Estevão Teixeira, Ana Carolina (a popstar), Marcio Itaborahy, Rosana Brito, Isabella Ladeira, Dudu Lima, Geraldo Pereira, Kim Ribeiro e outros e outros mais.


Ser, como eu sou, de Juiz de Fora, é então um privilégio por esse constante intercâmbio musical. Melhor do que ganhar é trocar cds. Com meus músicos conterrâneos é comum a prática do escambo. Desta vez, recebi em troca do meu cd “Face A Sueli Costa Face A Cacaso” uma verdadeira preciosidade: o cd “40 anos de música”, do flautista Kim Ribeiro. A foto na contracapa mostra o sorriso tranqüilo do artista, que mistura com ar de sabedoria e serenidade o seu chimarrão, hábito que adquiriu no tempo em que viveu em terras gaúchas. A delicadeza e sofisticação de Kim já vem do berço, e este cd é uma espécie de síntese de sua trajetória musical.Em 40 anos de música Kim Ribeiro deu vazão à sua versatilidade, mas mantendo-se sempre fiel à ascendência clássica. Estudou com Esther Scliar, Guerra Peixe e Odette Ernest Dias – esta, a grande mestra e amiga que o acompanha há longo tempo. Kim é um compositor das coisas da alma: leve, denso, sutil, minimalista, preciso. Ouvindo suas canções e absorvendo seu universo, transportei-me com os tons de Kim para os tons de Jobim. O flautista mineiro também vive cercado de sabiás, riachinhos, árvores, flores e amigos.


Suas composições são sopros de vida. Kim musicou o poema “Tempo de espera”, escrito por Regina Celi, quando ela aguardava o seu bebê: “Descansas tranqüilo/ que esse é um tempo longo/ de espera./ E vais aquecendo tua vontade de ser./ Tão logo sentires/ que já estás bem forte/ será esta então hora/ e juntos trabalharemos pela primeira vez./ Olharei pra ti após/ olharás pra mim/ ah teus olhinhos/ quero vê-los abrirem-se ao mundo./ Quando tuas mãos pequeninas mexerem/ e darei forma/ argila./ Então te alegrarás/ com as formas que criares./ Teu corpinho dançará loucamente/ e teus bracinhos se agitarão como asas/ ao tentares ficar no ar./ Olharei pra ti após/ olharás pra mim”.


Este poema/canção gravado em 1980 para o LP Kim Ribeiro/ Raimundo Nicioli é um registro praticamente inédito da cantora Telma Costa, que faz contracanto com as flautas de Kim, Mauro Senise e Estevão Teixeira. Telma possuía um dos timbres mais belos e raros que já ouvi, uma soprano puríssima com um registro que se assemelhava ao som de uma flauta transversa. Telma morreu jovem e deixou algumas gravações inesquecíveis como o dueto com Chico Buarque em “Eu te amo” (canção-tema do filme de Arnaldo Jabor) e a gravação a capella de “Azulão”, de Jayme Ovalle e Manuel Bandeira, no filme “Inocência”, de Walter Lima Jr. Em “Tempo de espera”, o casamento entre voz e flautas é perfeito: Kim elaborou um arranjo que prima pela delicadeza, principalmente quando as flautas evoluem em uníssono.


“Sílvia”, música que foi escolhida para o projeto Rumos Musicais 2000 do Itaú Cultural, é um dos destaques do cd. O belíssimo arranjo e o gabarito dos músicos faz desta uma canção atemporal, repleta de improvisos. Vale conferir cada nuance, cada fraseado, a excelência da bateria de Big Charles e do baixo de Dudu Lima que dialogam com a flauta de Kim, que vai espalhando “sopros de vida”. Mais adiante, o piano de Raimundo Nicioli e o violão impecável de Bilinho, que me faz lembrar Toninho Horta.


Minha irmã Marina tem a dádiva de ser aluna do Kim, e ainda por cima exclusiva. Atualmente com pouco tempo para se dedicar aos alunos, ele é muito exigente, segundo Marina: concentração, postura, entrega, respiração, sensibilidade... Kim vive pra lá e pra cá com sua flauta, do Rio a Porto Alegre, a Brasília e por todas essa Minas Gerais. Em sua casa na “Floresta” (um dos bairros mais arborizados de Juiz de Fora) Kim vive cercado de ar puro, o que sem dúvida o inspirou no seu novo projeto, já em pleno funcionamento: o “Mosteiro do som”, um aconchegante espaço em sua casa, dedicado a todos aqueles que querem “fazer um som”. Já recebi o convite, prometo que vou com meu violão. Ah, sim: o convite de Kim se estende a todos os músicos que se interessarem. Basta conectar o site http://br.geocities.com/kimribeirobr/

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