quinta-feira, 23 de setembro de 2010
Entrevista com o compositor e cantor Thiago Amud
Daniela Aragão: Quando e como começou a música em sua vida?
Thiago Amud: Começou sem que eu soubesse, com meu pai tocando violão em casa junto à barriga da minha mãe. Depois eu quis aprender violão, aos 13 anos. Aprendi através dos Songbooks do saudoso Almir Chediak. Ou seja: minha primeira escola foi a grande canção brasileira já num estágio avançado de catalogação. Isso de cara abriu um hiato entre mim e meu tempo, que só fui sentir depois e que venho tematizando de um modo deliberadamente polêmico, com o deslocamento e o exagero de alguns procedimentos identificados com a “MPB tradicional”, em cuja linhagem, teoricamente, eu estou.
Daniela Aragão: Você acaba de lançar Sacradança, um belo cd que se destaca desde o
tratamento cuidadoso do encarte, que traz uma beleza plástica preenchida por contrastes de luz e sombra. Parece-me que o seu trabalho traz justamente essa rica mistura de influências que funde ritmos e texturas, os arranjos ora exaltam um forte lirismo,ora expressam certo senso de humor, tudo com uma marca autoral muito evidente.
Thiago Amud: Obrigado, Daniela. O projeto gráfico é de Cezar Altai, que, além de poeta visual, tem canções magistrais. Quando conversei com ele sobre o que eu pensava para a capa, falei de um filme armênio impressionante chamado “A cor da romã”, falei das iluminuras medievais e do caráter meio onírico do CD. E o encarte ficou no tom certo, ele conjugou tudo isso e ainda foi além, trazendo os peixes e as lâmpadas: ele “agenciou” símbolos de um alcance impressionante. Quanto às suas demais considerações: são poucas as coisas muito confortáveis de que gosto em matéria de arte. Arte é uma coisa, almofada é outra (rs). Desde muito antes de gravar “Sacradança”, eu já pensava que meu futuro primeiro CD teria que ser um fluxo imagético e sonoro surpreendente o tempo todo, numa espécie de ciranda de sentidos e estímulos. Mas, ao mesmo tempo, nunca quis sacrificar o entendimento do ouvinte em nome de uma energia criativa totalmente incompreensível. Dessa tensão entre vontade de compartilhar e vontade de transgredir, nasce meu trabalho, escrevendo, compondo e arranjando.
Daniela Aragão: Como você vê o cenário da música popular brasileira atual? Acha que
caberia alguma classificação para o seu trabalho?
TA.: Se você me permitir, vou falar de aspectos delicados. Acho que o tal hiato entre a minha geração e a dos grandes autores da MPB clássica tem gerado em muitos de nós uma reverência meio excessiva pelo passado. É uma questão de saber o que fazer com a intensidade do amor que sentimos por esse legado, como transformá-lo em outra coisa. Sinto falta de um certo abuso, de uma dose de heresia, do incômodo que o novo causa, porque o que eu amo eu não quero ver embalsamado. Outra coisa (que é a mesma): percebo em muita gente talentosa uma raiva danada da vulgaridade, uma busca por um tipo de pureza que exclui mais do que inclui. Acho isso perigoso, porque uma das missões do artista é tentar purificar as coisas impuras, não é virar as costas pra elas, como se elas não fossem dignas dele. Uma geração em que o senso de pureza vai pra um lado e o horror da realidade social vai pro outro corre um sério risco de ter seu ridículo exposto na praça da feira pela intrepidez da próxima geração, como os poetas parnasianos tiveram o seu ridículo exposto pelos poetas modernistas. Hoje só acredito num tipo de pureza: a que vem depois da podridão. Alguns instrumentistas, compositores e cantores já estão notando isso aí. Graças a Deus tenho conversado muito sobre isso com alguns deles. A música nascida dessa consciência eu chamo de Música Purgatorial Brasileira; portanto, pra mim, a sigla MPB continua vigorando (rs).
Daniela Aragão: Quais são as suas mais fortes influências?
Thiago Amud: As influências são tantas que qualquer lista seria longuíssima e incompleta. E estou me iniciando nesses “exercícios de admiração”: no momento, qualquer rol de meus mestres ainda estaria cheio de confusão entre o que é influência, o que é amor, o que é angústia, o que é inércia. Portanto, se não soar esnobe (juro que não é essa minha intenção), peço pra que meu possível ouvinte tire suas próprias conclusões sobre esse assunto.
Daniela Aragão: Você é muito jovem, portanto deve ter inúmeros planos e projetos,
enfim, com que artista você sonharia dividir o palco ou até mesmo elaborar um disco
em parceria?
Thiago Amud: Veja como são as coisas: tenho um afoxé chamado “Ancestral” que fala justamente umas 5 vezes “Sou velho”. Tenho 30 anos, não me acho mais tão jovem. Tenho inúmeros planos sim: quem sabe um CD de parcerias com o Guinga, que é um dos maiores compositores que este país de compositores já teve? Mas eu sou lento letrando, ele não pode ficar brabo comigo se eu mudar uma letra inteira 15 vezes depois de dá-la por encerrada... Bem, já que falei do Guinga, respondo aqui parte da pergunta anterior: pra mim ele é toda uma escola.
Daniela Aragão: Como tem sido o percurso de divulgação do Sacradança visto que a
cada dia a internet tem se tornado um dos maiores veículos de propagação de trabalhos
independentes?
Thiago Amud: Meus amigos Rodrigo Ponichi e Cezar Altai (ele de novo) dirigiram um clipe, artesanal e bem humorado, de “Aquela ingrata”, frevo que está no meu CD. Com isso, abre-se uma possibilidade interessante: fazer vídeos de cada uma das faixas. O cinema me encanta e me influencia diretamente, o próprio Aquiles, do MPB-4, quando escreveu sobre “Sacradança”, notou que o CD parece um filme. Isso foi intencional. Essa tradução das músicas pra imagens é uma possibilidade de dar uma “sobrevida” ao período de lançamento do CD. Sei que tem um artista que já está fazendo isso com suas canções, o Dimitri BR. Cezar, Rodrigo e eu estamos estudando algo assim no momento. Quanto a shows de lançamento, tenho dois formatos: um de quinteto, em que eu, Sergio Krakowski (pandeiro), Matias Correa (baixo), Rui Alvim (clarinetes) e Alexandre Caldi (flauta e sax) somos fiéis à polifonia cerrada dos arranjos do CD; outro, em duo com o Sergio Krakowski, onde eu exploro também outras canções minhas, textos, coisas novas etc. Em suma, está tudo começando: de ponta a ponta, tudo é praia-palma.
Daniela Aragão: Obrigada Thiago e muito sucesso para você.
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