terça-feira, 26 de outubro de 2010

Entrevista com o cantor e compositor Roger Rezende



Daniela Aragão: Roger é um prazer e uma honra estar aqui com você. Vamos falar da sua carreira e de seu disco novo.

Roger Rezende: O prazer é todo meu. Pois é, o Borandá meu camará é um disco que a gente fez com muito cuidado pela lei Murilo Mendes, procuramos trabalhar esse disco com muito carinho desde o momento da seleção das músicas até o processo final que foi a masterização. Foi um disco que demorou um pouco além do que prevíamos, mas o importante é que o resultado final foi muito satisfatório. Temos percebido a recepção boa através das pessoas que estão ouvindo. Tem uma base instrumental formada pelo grupo Tio Sam na frigideira, formado pelo Ângelo Goulart, Lula Ricardo e Dudu Viana que assina a produção do disco e é também o arranjador, além do Walber Carvalho no sax, Wagner Sousa trompete, enfim, galera da pesada. Tem também as participações especiais de Nanda Cavalcanti, Ricardo Itaboray e Dudu Lima. Então estou muito satisfeito com esse disco, pois conseguimos atingir o objetivo que estávamos idealizando desde o início, apesar da demora, mas para nós o mais importante é o resultado.Foi um disco que demorou um pouco mais em virtude de imprevistos relacionados a motivos pessoais de alguns que participaram, a questão de trabalho, tentar viabilizar o trabalho com a equipe da forma como pretendíamos e com as pessoas certas. Mas o importante é isso, o resultado, seis meses, nove meses a mais ou a menos não vai mudar nada. O importante é que o disco está pronto e vamos procurar trabalhar bastante a divulgação desse disco para que no ano que vem possamos percorrer um circuito nacional, tanto em Minas como Rio e São Paulo. Pesquisar os Sescs que tem por aí, os festivais onde o trabalho se enquadrar melhor, pretendemos divulgar o trabalho fora daqui, queremos expandir. É um disco produzido aqui em Juiz de Fora pela Lei Murilo Mendes, mas que pretendemos mostrar fora.

Daniela Aragão: É um disco feito aqui, mas de altíssima qualidade que certamente alcançará uma amplitude que permite o acesso em qualquer lugar. É um disco que privilegia o repertório de samba, mas não é um disco chapado.

Roger Rezende: É um disco de MPB e o samba é uma faceta. O meu contato com o samba vem de muito cedo, então é impossível você falar do Roger Rezende sem associar ao samba, o samba é um ponto marcante da minha carreira e das minhas composições, mas não somente o samba, tem outras coisas, no disco tem valsa, bossa, baião, tem Algaravia que é um xote blues, essa é a música mais diferente do meu disco, é uma composição junto com Kadu Mauad e Edson Leão. Eu acho que é um disco bem eclético até, mas tem essa coisa do samba. Os sambas que estão no disco são diferentes entre si, tem o samba jazz, o samba tradicional que é Agradecimento, tem um partido alto, você ouve o Zarolho que é um samba diferente com relação ao padrão do samba clássico, samba raiz. Sogra Coral já é um partido alto. Samba pra dois é um samba bossa, então o que priorizamos nesse disco é a música brasileira, os gêneros da música brasileira como o choro, o samba, a bossa, o baião. Então acho que esse disco se resume numa coisa que se chama Música Popular Brasileira, que é a grande paixão da minha vida em termos de trabalho, eu gosto de vários estilos musicais mas o que considero que faço melhor é a música popular brasileira.

Daniela Aragão: Que maravilha a canção Agradecimento em que você faz homenagem a grandes personalidades do samba local e nacional, Dona Ivone Lara ao lado de Mamão e Carioca. Temporã também é uma música belíssima que traz a marcação do baixo do Dudu Lima.

Roger Rezende: Temporã é meio uma valsa jazz, uma faixa muito elogiada em parceria com o Kadu Mauad. Eu sou apaixonado por essa música, eu e Kadu temos uma sintonia muito boa. Destaco a participação super especial do Dudu Lima no baixo acústico, o Leandro Schio na vassourinha e o Dudu Viana. A letra é do Kadu Mauad, que é um dos parceiros mais presentes no disco. Não é uma música fácil de cantar, mas nos concentramos tanto na atmosfera da canção, é meio uma valsa jazz. Eu e Kadu temos uma sintonia muito boa de composição, ele me manda letras, às vezes faço melodia e mando para ele.

Daniela Aragão: Você tem dois traços que me chamam a atenção que é o lirismo e o humor, um lirismo meio buarqueano. Humor que vai despontar na Sogra Coral, uma canção que poderia plenamente ser gravada por Zeca Pagodinho.

Roger Rezende: A Sogra Coral é bem interessante, talvez seja a música mais pop do disco em função dessa abrangência em falar com uma linguagem popular, da brincadeira, de uma certa ironia e ao mesmo tempo tirando onda com a cara da Sogra Coral (risos). Mas é leve, não querendo deturpar a imagem de ninguém, mas as cobras corais existem (risos). Eu acho que um pouco desse lirismo tem muito do Kadu, ele é um músico, cantor e compositor, mas que como letrista traz algo voltado para dentro, você consegue visualizar algumas coisas nas letras dele, mas é mais o pensar do que o ver. Diferente de outros compositores que às vezes contam a história e você visualiza a cena. Você pode ver o Zarolho por exemplo: “ Dou de cara com outro cara,/ sem saber que ele sou eu/ Dá no mesmo olhar-se a cara/E dizer que em nada leu”. Eu gosto muito dos meus parceiros, nos damos muito bem.

Daniela Aragão: Tem uma simbiose né?

Roger Rezende: Tem, e ao mesmo tempo que tem a coisa espontânea tem a coisa pensada. Tom Jobim dizia isso, que era cinco por cento de inspiração e noventa e cinco de transpiração. Tem músicas que às vezes já vem prontas, tem músicas que vem noventa e nove por cento de inspiração. Eu vi até uma vez o Arlindo Cruz falando sobre isso com relação a Tom Jobim, com universos musicais totalmente diferentes mas tudo dentro de uma cidade chamada Rio de Janeiro. Tem essa coisa da elaboração harmônica e tudo mais. Tem sambas que você vai ter mais dificuldade para chegar num determinado resultado, mas já tem aquela fórmula. Inclusive o Zarolho que tem uma forma muito bem elaborada, na verdade é o resultado rápido de um diálogo com o Kadu. Eu passei a melodia para o Kadu e em meia hora ele me ligou dizendo que estava pronto. Isso tem muito a ver com a sintonia entre os parceiros.

Daniela Aragão: Até retomo a mesma pergunta que fiz ao Cristovão Bastos, que é a questão de que com cada parceiro implica uma construção diferente.

Roger Rezende: Pois é, tem características diferentes. Tem músicas que vão demorar um ano, vamos deixando acontecer.

Daniela Aragão: O Caymmi ficava anos, às vezes décadas refletindo sobre dois versos, principalmente em suas canções praieiras.

Roger Rezende: Isso é interessante. Nesse processo do disco acabei tendo que me dedicar bastante também à questão executiva, de empreendimento. A Lívia Andrade é a produtora de tudo, mas de certa maneira tive que me manter por perto durante todo o processo. Isso me travou um pouco para compor até o início deste ano. Passou o lançamento e em julho já comecei a compor novamente. Kadu já deve estar com umas três melodias minhas para letrar. Ele me manda muitas letras por email, então é assim.

Daniela Aragão: Esse seu trabalho sucede o do Ciulfo?

Roger Rezende: O Ciulfo foi em 2004, um trabalho de resgate de um compositor daqui de Juiz de Fora que teve a maior parte de suas músicas compostas na década de cinquenta e que deixou uma obra muito bonita. Através da proposta do Márcio Gomes topei entrar nesse projeto, esse trabalho foi na verdade um presente do Márcio Gomes. Ele como produtor executivo e musical é muito eficiente, ele conhece todo o trajeto para se chegar num resultado legal. É louvável essa iniciativa dele. Estou procurando colaborar para que esse resgate seja feito. Quando está na mão do Márcio fico tranquilo.

Daniela Aragão: Na feitura você procurou manter a essência do Ciulfo ou fazer uma leitura sua?

Daniela Aragão: A gente procurou manter a atmosfera dos anos cinquenta, mais acústica com pandeiro, cavaquinho, deixar mais na onda do Ciulfo. O Ciulfo já tinha essa malandragem de divisões meio diferentes, é um trabalho muito bacana. Foi mais nessa roupagem do autoral. Esse disco autoral que é o Borandá já vem com uma outra concepção autoral, contemporânea. Mais uma vez falo do nome de Dudu Viana que foi uma pessoa fundamental para o resultado do disco como um todo, é muito bom trabalhar com um produtor que gosta das suas músicas e tem um material legal para produzir e fazer os arranjos. Por exemplo uma introdução minha , uma frase de violão, ele manteve isso, eu tenho que priorizar a minha identidade.

Daniela Aragão: Interessante que eu conhecia mais o Dudu enquanto músico de jazz e ele soube manter a sua integridade musical.

Roger Rezende: Por causa do Tio Sam, nós tocávamos esse repertório nos bares aqui. Quando fomos tocar todos os integrantes já tinham incorporado umas cinco músicas do disco. Tocamos em gafieiras.

Daniela Aragão: Você falando em gafieira e eu acabei de escrever uma crônica sobre gafieira inspirada no belo cd do Cristovão Bastos chamado Curtindo a gafieira. Interessante a atamosfera sonora das gafieiras.

Roger Rezende: Bacana, ele faz arranjos maravilhosos.

Roger Rezende: Hoje em dia não é fácil vender cd, temos tentando por diversas formas divulgar esse trabalho do Borandá meu Camará até porque ninguém hoje entra numa loja para comprar um cd. Eu disponibilizo as minhas músicas, você pode entrar no site Um que tenha e irá encontrar o meu disco. Não tem porque ficar segurando, temos que mostrar a cara.

Daniela Aragão: Estamos fazendo meio ao contrário a nossa conversa, então entro com a pergunta usual, quando a música começou em sua vida?

Roger Rezende: Vem de família, meu avô tocava violão e era multiinstrumentista. Dentro de casa no quarto de som era meu pai ouvindo bossa nova e minha mãe ouvindo Toquinho e Vinicius, meu pai gostava muito de jazz também. Ouvia Stan Getz com João Gilberto e tudo mais. Quando você ia para o lado de fora onde está o pessoal fazendo a comida ouvia Roberto Ribeiro, Clara Nunes no rádio. Me vinham então informações de vários estilos. Clara Nunes foi uma figura que sempre me encantou quando a via na televisão. Então essas informações se cruzam, a coisa mais sofisticada da bossa nova quando fui aprendendo a fazer os primeiros acordes. Depois fazendo aulas com meu avô de cavaquinho, na verdade meu primeiro instrumento foi o cavaquinho talvez em virtude da idade pois eu era pequeno. Depois aos doze, treze anos comecei a tocar um pouco de violão e conhecer Gil, Caetano, a MPB que me deixou alucinado. Teve uma época em que fiquei louco pelo Caetano, quando aprendia a tocar uma música ao violão ficava todo bobo. Com quinze anos comecei a me apresentar na minha cidade em São João Nepomuceno nos barzinhos e tal.

Daniela Aragão: Autodidata?

Roger Rezende: Um pouco, pois depois quando me decidi pela música comecei a fazer umas aulas de canto. Pois o grande sonho aos meus treze anos era me tornar jogador futebol. Então eu tinha aquela esperança que iria jogar no Rio, mas tinha muita gente que ia para o América. Nesse meio tempo comecei a tocar em times da região. Começou a entrar um pouco da boemia que foi atrapalhando, essa vivência da juventude com a música e tal. São João era uma cidade muito festeira, hoje não sei como está. Era ir para o barzinho e sair só cinco da manhã. Amigos que me mostraram Geraldo Azevedo, essa turma do Xangai, Elomar, me aplicaram Lô Borges, enfim fui tendo essas influências através da boemia e dos amigos. Mas meu caminho não era o futebol, ele me ajudou no sentido na noção de que se pode ganhar e perder, mas respeitando a virtude dos outros, saber aceitar a própria virtude e a do outro. Então fui para o lado da música e fiz uma boa escolha.

Daniela Aragão: E quanto aos projetos atuais que transcendem a questão do disco? Estávamos falando do seu empenho junto com outros músicos de resgatar a história da música popular de Juiz de Fora.

Roger Rezende: Sobre isso é importante falar sobre as articulações que um grupo de Juiz de Fora está fazendo, através do Fred Fonseca que é conselheiro municipal, ele está conseguindo articular e estou junto com ele nesse processo de buscarmos condições melhores para o músico para que possamos viver do trabalho autoral. Será tão complicado assim vivermos do nosso trabalho? Hoje não existe mais aquilo da pessoa bater na porta da sua casa e dizer: “- Seu trabalho é maravilhoso, vou te levar para São Paulo, vou te levar para Paris”. Então acho isso difícil de acontecer hoje. É criar mecanismos para que possamos ser reconhecidos como trabalhadores, enfim, o músico que trabalha: compõe, toca e canta. O músico tem que sair dessa de ir ao barzinho para não ganhar nada e ainda ser lesado. Estamos tendo um apoio do pessoal de BH. Precisamos mostrar o que Minas Gerais está produzindo hoje, aqui é o lugar em que se faz a melhor música do país hoje, mineiro não está para brincadeira.

Daniela Aragão: Onde está o foco?

Roger Rezende: O foco permanece no eixo Rio São Paulo. E não queremos virar Michael Jackson, Ivete Sangalo, não é showbusiness. Dentro da concepção independente onde há o esclarecimento do que é cada um temos o objetivo de alcançar nossos objetivos com o pé no chão. Para muita gente não existimos, pois nunca fomos ao programa do Faustão. É uma ignorância muito grande, a idéia é termos um reconhecimento dentro do que fazemos para que possamos viver, não sobreviver. Acredito que por meio dessas iniciativas do Fórum dos músicos vamos conseguir alcançar uma representatividade significativa, temos que chegar organizados, fica mais fácil para conseguirmos parcerias com empresas, governo federal etc.

Daniela Aragão: Pois é, não foi ao Faustão não existe. Você tocou num dado fundamental que é a questão do músico sobreviver através de sua música, pois o que mais se vê é cover.

Roger Rezende: É bacana fazer cover como faço nas rodas de samba com o repertório dos meus compositores preferidos, mas o negócio é que faço cem shows de samba e um do meu disco. Então que eu possa fazer cinquenta shows de samba e cinquenta do meu disco, pois também não quero largar as rodas de samba que considero um trabalho importante de resgate. Acho que é só equilibrar.

Daniela Aragão: Então não tenho mais o que dizer, muito obrigada.

Roger Rezende: Eu é que agradeço essa oportunidade e como diz o meu disco: Borandá meu Camará.

3 comentários:

Lúcia Menezes Lucinha disse...

Muito bom, Daniela! Fiquei curiosa, onde posso encontrar o disco?

Cléber Nascimento disse...

Daniela,
mais um belíssimo trabalho que você nos presenteou, parabéns!
De fato o CD é maravilhoso.
Tive a felicidade de ser presenteado pelo nosso amigo Lula Ricardo, com direito à autografo rs
Mas o CD está a venda na Planet Music, na Av. Independência em Juiz de Fora.
Agradeço pelo presente e estou aguardando a crônica rs

Kadu Mauad disse...

Obrigadão pela força, Daniela Aragão!