quinta-feira, 30 de setembro de 2010
Nublado em mi sustenido
Dois mil e dez em junho gela.
Gotas brancas me caem sem mais do céu,
compassos em pétalas cinzentas do Rio
A Copa se abre.
Faz frio e fluvial dúvida pesa na gota de sangue que vai
Púrpura
dourar o signo vespertino
Dia nublado me dói.
Dia nublado me alcança,doce hálito vivido
pálido prazer consentido,
Não foi?
Minha alma canta?
Sussurra.
Madeleine não há,
só bolinhos de chuva
Cassiana Lima Cardoso é doutoranda em literatura comparada na Universidade Federal do Rio de Janeiro, é professora de literatura e autora da peça Alice em rimas no país das maravilhas. Nasceu em Cataguases e reside no Rio de Janeiro.
domingo, 26 de setembro de 2010
O segredo mais sincero de Leila Pinheiro
Em algumas de minhas crônicas escrevi que ninguém melhor do que o compositor é capaz de interpretar suas próprias músicas, hoje venho aqui para repensar essa idéia movida pela audição de Meu segredo mais sincero, cd recém lançado da cantora Leila Pinheiro.
Leila acertou em cheio ao escolher esse sensível título para seu cd, que traz somente canções do compositor e cantor Renato Russo. Nunca escondi dos amigos minha total incompatibilidade com a obra de Renato, que a meus olhos e ouvidos sempre foi sinônimo de pobreza harmônica e infantilidade poética. Recordo-me que na adolescência dificilmente assimilava as sequências de acordes simples que observava nas canções de Renato tocadas pelos colegas, papai dizia-me que sua voz era demasiadamente parecida com a de Jerry Adriani, o que contribuiu mais ainda para meu distanciamento do trabalho do roqueiro que retratou um geração, conforme assegura uma das vertentes críticas da qual eu também não compactuo.
Enquanto muitos colegas cantavam eufóricos os versos: “Quero colo/Vou fugir de casa/Posso dormir aqui com vocês/ Estou com medo, tive um pesadelo/ Só vou voltar depois das três”, eu cantava: “ Te pego na escola e encho a tua bola com todo o meu amor/ Te levo pra festa e texto seu sexo com ar de professor/ Faço promessas malucas tão curtas quanto um sonho bom”. Não suporto jogos dicotômicos a exemplo de Emilinha e Marlene, Chico e Caetano, Bethânia e Gal, mas revelo que Cazuza sempre se sobrepôs a Renato em minha adolescência repleta de ilusórias convicções.
O excelente trabalho de Leila inspirado na parceria Guinga e Alir Blanc sobrevive ao transcorrer do tempo e Catavento e girassol resiste com caráter de gravação antológica. Por admirar a competência musical de Leila combati minha resistência ao Renato e resolvi dar um tiro no escuro ao presentear-me com Meu segredo mais sincero, que para minha agradável surpresa desponta como um dos mais belos trabalhos dedicados a obra de um artista.
Em Meu segredo mais sincero Leila relê as composições de Renato introduzindo seu piano sofisticado e ao mesmo tempo minimalista, a cantora mantêm a essência dos desenhos melódicos de Renato porém retira dos recônditos um lirismo que transcende o rótulo de roqueiro. Andrea Doria é uma pérola resgatada por Leila do segundo disco do conjunto Legião Urbana, plena de poesia mostra um artista que tinha domínio sobre os segredos da composição dos versos: “As vezes parecia que de tanto acreditar em tudo que achávamos tão certo/Teríamos o mundo inteiro/E até um pouco mais/ Faríamos floresta do deserto/E diamantes de pedaços de vidro/ Mas percebo agora/Que o teu sorriso/ Vem diferente/Quase parecendo te ferir”. Leila canta com absoluta entrega apropriando-se das notas e palavras como se fossem suas, o timbre belo e a dicção perfeita não desperdiçam uma sílaba, fato que demonstra o quão madura esta a artista para preencher de delicadeza a obra do saudoso amigo.
Tempo perdido recebe uma segunda releitura de Leila que desponta vigorosa e emocionada, o piano e a voz da cantora alternam seu lirismo com a inserção de certas camadas de sons aleatórios que combinam com o cenário urbano da contemporaneidade. Certamente não foi tempo perdido.
Na totalidade o álbum encaminha o ouvinte para uma viagem mais introspectiva visto que Renato era afeito a mergulhos existenciais e melancólicos, mesmo em composições que trazem levadas mais swingadas a exemplo de Ainda é cedo, que foi sucesso na voz de Marina Lima, subsiste um tom de baixo astral. A beleza poética resgatada por Leila se funde a fragmentos de amores depedaçados deixados por Renato, Meu segredo mais sincero é um encontro de amor que ultrapassa tempos e fronteiras. Parabéns Leila!
sábado, 25 de setembro de 2010
quinta-feira, 23 de setembro de 2010
Entrevista com o compositor e cantor Thiago Amud
Daniela Aragão: Quando e como começou a música em sua vida?
Thiago Amud: Começou sem que eu soubesse, com meu pai tocando violão em casa junto à barriga da minha mãe. Depois eu quis aprender violão, aos 13 anos. Aprendi através dos Songbooks do saudoso Almir Chediak. Ou seja: minha primeira escola foi a grande canção brasileira já num estágio avançado de catalogação. Isso de cara abriu um hiato entre mim e meu tempo, que só fui sentir depois e que venho tematizando de um modo deliberadamente polêmico, com o deslocamento e o exagero de alguns procedimentos identificados com a “MPB tradicional”, em cuja linhagem, teoricamente, eu estou.
Daniela Aragão: Você acaba de lançar Sacradança, um belo cd que se destaca desde o
tratamento cuidadoso do encarte, que traz uma beleza plástica preenchida por contrastes de luz e sombra. Parece-me que o seu trabalho traz justamente essa rica mistura de influências que funde ritmos e texturas, os arranjos ora exaltam um forte lirismo,ora expressam certo senso de humor, tudo com uma marca autoral muito evidente.
Thiago Amud: Obrigado, Daniela. O projeto gráfico é de Cezar Altai, que, além de poeta visual, tem canções magistrais. Quando conversei com ele sobre o que eu pensava para a capa, falei de um filme armênio impressionante chamado “A cor da romã”, falei das iluminuras medievais e do caráter meio onírico do CD. E o encarte ficou no tom certo, ele conjugou tudo isso e ainda foi além, trazendo os peixes e as lâmpadas: ele “agenciou” símbolos de um alcance impressionante. Quanto às suas demais considerações: são poucas as coisas muito confortáveis de que gosto em matéria de arte. Arte é uma coisa, almofada é outra (rs). Desde muito antes de gravar “Sacradança”, eu já pensava que meu futuro primeiro CD teria que ser um fluxo imagético e sonoro surpreendente o tempo todo, numa espécie de ciranda de sentidos e estímulos. Mas, ao mesmo tempo, nunca quis sacrificar o entendimento do ouvinte em nome de uma energia criativa totalmente incompreensível. Dessa tensão entre vontade de compartilhar e vontade de transgredir, nasce meu trabalho, escrevendo, compondo e arranjando.
Daniela Aragão: Como você vê o cenário da música popular brasileira atual? Acha que
caberia alguma classificação para o seu trabalho?
TA.: Se você me permitir, vou falar de aspectos delicados. Acho que o tal hiato entre a minha geração e a dos grandes autores da MPB clássica tem gerado em muitos de nós uma reverência meio excessiva pelo passado. É uma questão de saber o que fazer com a intensidade do amor que sentimos por esse legado, como transformá-lo em outra coisa. Sinto falta de um certo abuso, de uma dose de heresia, do incômodo que o novo causa, porque o que eu amo eu não quero ver embalsamado. Outra coisa (que é a mesma): percebo em muita gente talentosa uma raiva danada da vulgaridade, uma busca por um tipo de pureza que exclui mais do que inclui. Acho isso perigoso, porque uma das missões do artista é tentar purificar as coisas impuras, não é virar as costas pra elas, como se elas não fossem dignas dele. Uma geração em que o senso de pureza vai pra um lado e o horror da realidade social vai pro outro corre um sério risco de ter seu ridículo exposto na praça da feira pela intrepidez da próxima geração, como os poetas parnasianos tiveram o seu ridículo exposto pelos poetas modernistas. Hoje só acredito num tipo de pureza: a que vem depois da podridão. Alguns instrumentistas, compositores e cantores já estão notando isso aí. Graças a Deus tenho conversado muito sobre isso com alguns deles. A música nascida dessa consciência eu chamo de Música Purgatorial Brasileira; portanto, pra mim, a sigla MPB continua vigorando (rs).
Daniela Aragão: Quais são as suas mais fortes influências?
Thiago Amud: As influências são tantas que qualquer lista seria longuíssima e incompleta. E estou me iniciando nesses “exercícios de admiração”: no momento, qualquer rol de meus mestres ainda estaria cheio de confusão entre o que é influência, o que é amor, o que é angústia, o que é inércia. Portanto, se não soar esnobe (juro que não é essa minha intenção), peço pra que meu possível ouvinte tire suas próprias conclusões sobre esse assunto.
Daniela Aragão: Você é muito jovem, portanto deve ter inúmeros planos e projetos,
enfim, com que artista você sonharia dividir o palco ou até mesmo elaborar um disco
em parceria?
Thiago Amud: Veja como são as coisas: tenho um afoxé chamado “Ancestral” que fala justamente umas 5 vezes “Sou velho”. Tenho 30 anos, não me acho mais tão jovem. Tenho inúmeros planos sim: quem sabe um CD de parcerias com o Guinga, que é um dos maiores compositores que este país de compositores já teve? Mas eu sou lento letrando, ele não pode ficar brabo comigo se eu mudar uma letra inteira 15 vezes depois de dá-la por encerrada... Bem, já que falei do Guinga, respondo aqui parte da pergunta anterior: pra mim ele é toda uma escola.
Daniela Aragão: Como tem sido o percurso de divulgação do Sacradança visto que a
cada dia a internet tem se tornado um dos maiores veículos de propagação de trabalhos
independentes?
Thiago Amud: Meus amigos Rodrigo Ponichi e Cezar Altai (ele de novo) dirigiram um clipe, artesanal e bem humorado, de “Aquela ingrata”, frevo que está no meu CD. Com isso, abre-se uma possibilidade interessante: fazer vídeos de cada uma das faixas. O cinema me encanta e me influencia diretamente, o próprio Aquiles, do MPB-4, quando escreveu sobre “Sacradança”, notou que o CD parece um filme. Isso foi intencional. Essa tradução das músicas pra imagens é uma possibilidade de dar uma “sobrevida” ao período de lançamento do CD. Sei que tem um artista que já está fazendo isso com suas canções, o Dimitri BR. Cezar, Rodrigo e eu estamos estudando algo assim no momento. Quanto a shows de lançamento, tenho dois formatos: um de quinteto, em que eu, Sergio Krakowski (pandeiro), Matias Correa (baixo), Rui Alvim (clarinetes) e Alexandre Caldi (flauta e sax) somos fiéis à polifonia cerrada dos arranjos do CD; outro, em duo com o Sergio Krakowski, onde eu exploro também outras canções minhas, textos, coisas novas etc. Em suma, está tudo começando: de ponta a ponta, tudo é praia-palma.
Daniela Aragão: Obrigada Thiago e muito sucesso para você.
terça-feira, 21 de setembro de 2010
segunda-feira, 13 de setembro de 2010
Entrevista com o maestro, pianista e arranjador Sylvio Gomes
Daniela Aragão: Como começou a música em sua vida?
Sylvio Gomes: A música apareceu em minha vida quando eu tinha oito anos, na verdade antes disso, quando eu tinha quatro anos de idade minha família ia passar férias em Cambuquira e já nessa época eu gostava de cantar, juntavam pessoas ao redor para ver o menino que cantava. Sempre gostei muito de música, ficava cantando em casa as músicas da rádio. Meu primeiro contato com um instrumento foi uma espécie de desafio, minha mãe era professora de música do Conservatório Brasileiro de Música do Rio de Janeiro, ela era solista da orquestra do maestro Vitório Stefanini, eu toquei nessa orquestra quando estava com uns dez anos. Numa festa mamãe foi tocar acordeon, que era o instrumento que estava na moda na época, um dos caras pediu para tocar e ela foi lhe ensinando e eu pensei que por ser filho teria o direito de tocar também. Ela não quis me deixar tocar, naquela época criança não tinha direito nenhum (risos). Um dia minha mãe saiu para dar aula e me deixou com minha avó, então peguei o acordeon e comecei a tentar tocar. Fiquei apertando até que consegui juntar duas notas, mi- sol, falei: - opa isso aqui dá Calu, foi a primeira música que toquei. Minha primeira experiência foi essa. No meio do ano, quando eu cursava o segundo ano primário apareceu um gaitista na escola que tocava muito bem, parceiro do Edu da Gaita, ele era um alemão contratado pelas gaitas Hering para ir às escolas e convencer os meninos a pedirem as mães para comprarem as gaitas. Certo dia ele foi a nossa turma e falou:”_ Vou dar a vocês um livrinho e a gaitinha para vocês mostrarem a mamãe”. Mamãe comprou para mim a gaitinha, quando soprei rapidamente tirei Asa Branca e depois vi que Oh Susana era por ali também, eram as mesmas notas mas com uma inflexão diferente: - oh rapaz é por aqui, pensei. Comecei a tirar uma porção de músicas. Esse gaitista que visitou nossa escola acabou me chamando para tocar no programa dele aos domingos ao meio dia na Rádio Globo, depois fui tocar pratos na orquestra do Vitório Stefanini composta por oitenta acordeons, sendo que o maestro dividia tudo em naipes. Nela se tocava mais música erudita como Orfeu no inferno, La Traviatta, eram só peças pesadas, eu já tinha dez anos. Era muito bom, toquei com eles no maracanazinho e no teatro Municipal que foi uma glória.
Daniela Aragão: Você foi percorrendo os instrumentos...
Sylvio Gomes: Lá em casa tinha um piano. Minha mãe quis me dar aula mas não deu certo, ela era muito brava e bateu uma vez na minha mão, por isso não quis mais. Fui aprendendo sozinho, experimentado as teclas e tocando de ouvido. Comecei a aprender acordeon com um acordeonista, mas eu tocava muito mal e não me convencia disso .Eu era ligado em Bossa Nova, até que fui tocar acordeon numa boite em Copacabana chamada Catacomb, na Galeria Alasca. Era um grupo formado por piano, baixo e bateria e eu tocava só com a mão direita pois achava o baixo muito careta, mas eu não tinha ainda muita experiência, queria era ser moderno. Tudo foi acontecendo num modo intuitivo, primeiro toquei, depois fui aprender. Na boite ao lado chamada Stock tocava o Sivuca e nos intervalos nos encontrávamos até que ficamos muito amigos, mas ele nunca tinha me visto tocar. Um dia Sivuca foi me ver tocar, ficou olhando, olhando e me chamou para um café e falou: “-Você pega esse acordeon, vende e vai fazer um curso de datilografia, pois você não toca nada, é muito ruim e não tem jeito nenhum pra isso. E ainda por cima é maneta, pois não toca com a mão esquerda”. Ele me levou pela mão até o seu camarin e tocou Moon River daquela maneira maravilhosa, contracantos fabulosos, tocando Double lead, a mão direita em bloco e a mão esquerda dobrando. E ficava perguntando: “- Tá ruim?” Falei não, está maravilhoso (risos). Passados uns dias o pianista precisou dar uma saída e eu comecei a tocar um pouco em seu lugar e apareceu novamente o Sivuca, quando o vi pensei: -agora ele me mata. Eu ainda achava que era acordeonista e disse a ele que nem adiantava vender o piano, pois o piano não era meu (risos). Sivuca ao me ver tocar piano disse-me que eu levava jeito para esse instrumento e resolvi então seguir seu conselho. Passei para piano e comecei a carreira como pianista, mas não sabia nada de música, teoria, nada.
Daniela Aragão: Você começou a tocar nas noites do Rio acompanhando os cantores intuitivamente?
Sylvio Gomes: Eu fazia nos Democráticos, comecei a trabalhar na intuição, trabalhava na televisão, acompanhava cantores: Ângela Maria, Blecaute. Tinha a Embaixadores, uma casa na Cinelândia em cima do Amarelinho e eu tocava por lá todos os domingos com uma mini orquestrinha. Um dia o ritmista dessa bandinha me propôs tocar num baile no Tijuca Tênis Club, topei e quando cheguei tinha o palco maravilhoso e a formação de uma orquestra completa com um piano de cauda incrível. Isso começou a não me cheirar bem, pensei, como iria tocar de bossa com aquela orquestra imensa. Quando sentei no piano o maestro veio com uma pilha de partituras, daí perguntei o que era aquilo e ele me falou que eram as partituras que eu deveria tocar. O cara era mulato e ficou branco, me fuzilou com os olhos (risos). Nunca passei tanto aperto, pois o piano ficava ao lado das cordas e das trompas de maneira que eu não ouvia a melodia, só ficava um bombombombom (risos). Eu não conseguia nem identificar que melodia era, e para completar a tragédia o baile era um tal baile da saudade em que só deveriam tocar músicas da década de cinquenta para trás e eu nunca tinha ouvido aquelas músicas desconhecidas. Eu ia tocando qualquer coisa tentando harmonizar os contracantos, de repente dava uma pausa e era então a minha vez de tocar, o maestro olhava para mim com aquele olhar fulminante e eu ia improvisando. O que salvou um por cento do meu trabalho foi substituir em seguida o pianista de Ângela Maria que não tinha ido acompanhá-la. A partir daí resolvi estudar, pois nunca mais queria passar essa vergonha.
Daniela Aragão: Você decidiu entrar no conservatório, arrumou professor particular, como fez?
Sylvio Gomes: Naquela época não existia professor particular, o que existia era muito ruim, muito formal e limitador, não era o que eu estava buscando. Eu dava aula no conservatório, como poderia estudar por lá? Naquela época não tinha internet, não tinha informação nenhuma. Comecei a procurar daqui e de lá, perguntando aos músicos, trocando informações. A gente ia pegando pedaços de uma música espalhados e ia montando até conseguir tocar. Na época era comum sentarmos ao lado daqueles que tocavam bem para ficar olhando e aprendendo, mas era muito difícil, conseguíamos pegar uma coisa ou outra. Nesse tempo as pessoas que tocavam bem não tinham tempo para ensinar porque tinham muito trabalho, não davam conta da carga, tocavam, davam concerto, então aqueles que ficavam dispostos a dar aula eram de fato os que não tinham competência. Até que esse quadro foi modificando, pois foram diminuindo os trabalhos para os músicos. De trinta anos para cá é que começou o lance de dar aulas, DJs, discotecas, todas essas entradas foram tirando o lugar do músico.
Daniela Aragão: E você foi se encaminhando para o lado de arranjador, se tornou maestro.
Sylvio Gomes: Comecei a ler muita coisa e fui formando uma bagagem musical. Comecei a ler livros sobre harmonia funcional que me trouxeram informações muito importantes. Fui aprendendo fazendo, até que acabei pegando uma certa experiência e reconhecimento.
Daniela Aragão: Quais são as suas bases de formação, a bossa nova e o jazz?
Sylvio Gomes: Na verdade um pouco de tudo. Na minha infância eu ouvi bolero, chachacha, samba e música americana, de música americana chamávamos todos os gêneros desde o jazz até o mais pop. As músicas que se tocavam em baile eram de melhor qualidade. Quando aconteceu o Rock in Rio eu estava numa mesa no Chico’s Bar ao lado do Egberto Gismont, Aécio Flávio e dois caras de fora All Jarreau e George Benson. Nisso o Egberto falou assim: "- não sei, mas eu sinto uma falta de uma coisa que não sei explicar". O Hermeto falou: “- Você está sentindo falta é de um bailinho rapaz” Você nunca fez um bailinho, ele falou. É aquela coisa das experiências aparentemente insignificantes, eu acho que a experiência de tocar em boites foi muito boa para mim, as cantoras chegavam, davam seu tom e atacavam.
Daniela Aragão: Trabalhou com muitas cantoras ?
Sylvio Gomes: Sim, inclusive com você. Uma delas é a Zelinha Duncan, essa eu coloquei no mercado mesmo. Zelinha chegou no Rio vindo de Brasília, ela ficava no Chico’s bar ouvindo cantar a Celeste e Clarice Grova, só feras. Depois a levei para tocar no Clube 1 e dali ela alavancou.
Daniela Aragão: Você passou pelo Beco das garrafas também não é?
Sylvio Gomes: Ah era um lugar fantástico, mas eu já peguei o final, quando o Beco já não era mais o mesmo. Eu acompanhei a Bossa Nova como ouvinte, pois venho de uma geração seguinte. Depois conheci o Carlinhos Lyra, Tom, o Johny Alf, mas quando eu já era um profissional. Quando a noite do Rio era a noite do Rio, maravilhosa. Agora acabou tudo, e não é só uma queixa dos cariocas não, é geral.
Daniela Aragão: Quando você veio para Juiz de Fora?
Sylvio Gomes: Eu vim para cá primeiro em 89, depois voltei para o Rio para fazer o show no Scalla, só que isso não deu continuidade e então retornei a Juiz de Fora. O Chico’s era a melhor casa de música que tinha no Rio de Janeiro, você estava tocando e de repente chegava Liza Minnelli, George Benson, All Jarreau, Bill Evans, Bart Bacharach. Os brasileiros sobretudo iam lá para dar canja, as vezes de um lado tinha o Benito Di Paula e do outro a Beth Carvalho. Ivon Curi cantava comigo toda noite. Eu vim para Juiz de Fora para dar um curso de harmonia funcional na escola de música Escala e nessa turma inaugural tinham Márcio Hallack, Dudu Lima, Fábiano e Euzébio. Daí voltei para o Rio para um trabalho com a Vatuse e o Grande Othelo, esse também não vingou. Retornei a Juiz de Fora e quando vi a Pró Música gostei da infra estrutura: um teatro com piano de cauda . Sugeri a Maria Izabel fazermos uma orquestra e essa foi a razão precípua. Muitos músicos passaram por lá e cantores também, o objetivo primordial da fundação da orquestra de jazz foi trazer aos músicos a noção do que é tocar numa orquestra. Tem se tornado cada vez mais remota a possibilidade de se tocar numa orquestra, pois hoje em dia são poucas que sobrevivem. Proporcionar as pessoas também uma música diferente é nosso objetivo e nessa batalha estamos completando dezoito anos.
Daniela Aragão: Acho que todo mundo já passou por lá, é quase que um pré requisito. Você já passou pela orquestra do Sylvio? Você também foi sempre um incentivador das cantoras, me recordo de um espetáculo que você realizou na Pró Música com a reunião de todas as cantoras em voga na época.
Sylvio Gomes: Tudo partiu de uma carona que dei para Tânia Bicalho, dali começamos a pensar em montar um show com as cantoras que estavam em voga na época. Convidei a Cristiane Visentin, Tânia Bicalho, Jacqueline Castorino, Lúdica Música e uma que ainda não cantava e estava insegura para cantar com as cantoras famosas, essa era a Ana Carolina. Abri o show com ela e foi muito bom, ela se deu muito bem. Na ocasião em que o Ray Connif esteve aqui eu levei a Ana Carolina para cantar com ele também.
Daniela Aragão: Esse trabalho da orquestra já tem registro em cd?
Sylvio Gomes: Temos dois cds gravados com a participação de vários músicos como Paschoal Meirelles, Novelli, Cristóvão Bastos, Mauro Senise e Nelson Faria.
Daniela Aragão: Eu até participei de um dos festivais de jazz promovido por você.
Sylvio Gomes: Tive a idéia de fazer o festival de jazz, formatamos o projeto e convidamos o pessoal do Rio, vieram Wagner Tiso, Victor Biglione, entre outros.
Daniela Aragão: Isso é fundamental, você trazer esses talentos a cidade para proporcionar um diálogo, uma reciclagem dos artistas locais. Acho muito válido e enriquecedor.
Sylvio Gomes: Minha idéia justamente era essa, aprimorar o nível de qualidade e informação dos nossos músicos. Já trouxe a Leny Andrade, João Bosco e Leila Pinheiro. Antes tinha trazido músicos, a turma do Cama de Gato, depois o Vitor Santos. Nico Assunção ficou aqui durante uma semana dando workshop, fazendo aquela convivência com os demais músicos, surpreendente. Funcionava no seguinte esquema: aulas à tarde e apresentações a noite.
Daniela Aragão: No ano passado eu entrevistei o saxofonista Affonso Claudio no Duo Jazz de Tiradentes e falamos sobre a questão da música instrumental num mercado cada vez mais saturado e massificado. Você que vem de uma formação sofisticada que abrange a Bossa Nova e o Jazz, atualmente a saída é ir remando contra a corrente?
Sylvio Gomes: O Chico Buarque tem uma frase que é lapidar: “O mundo emburreceu”. Hoje em dia é a quantidade em detrimento da qualidade. Vai do fast food, passando pela roupa e outras categorias. Se você vai fazer um jantar para poucas pessoas é claro que vai ficar muito melhor. Tudo está na base do imediatismo, da urgência e da quantidade. Os shows intimistas acabaram, então um show de baquinho e violão para cinco mil pessoas não pode ser com violão e voz. Hoje é a música barulhenta, euforia, não tenho nada contra gêneros de música, acho que música é estado de espírito e sinto que tem que haver música para todos os estados de espírito. Não pode ser uma coisa só, tem que ter música pra motel, pro sujeito apaixonado, pra velório e por aí vai. Hoje em dia é uma coisa só, você liga a televisão e vem aquela imposição sobre você. É inevitável.
Daniela Aragão: A questão do que a tecnologia favorece e o que ela implica de descaracterização no trabalho do músico. Como fica a sobrevivência do músico hoje?
Sylvio Gomes: É uma faca de dois gumes, pois se por um lado a tecnologia favoreceu na qualidade dos instrumentos, alguns músicos não tocam, colocam md e vão fazer um show. Eu presenciei uma cena ao lado de minha mulher que é inacreditável, tinha um cara e uma moça cantando, ele tinha um teclado a sua frente e uma guitarra na mão, de vez em quando apertava o botão e ficava fazendo mímica. Os sons totalmente desencontrados, ele tirava a mão dos instrumentos e eles continuavam tocando. Muito cara de pau.
Daniela Aragão: Observo que usualmente os DJs pegam grandes Standards e retiram a base original e inserem uma base totalmente esquisita. A música é mais um segmento que está sofrendo com isso.
Sylvio Gomes: É o que o Chico Buarque falou, insisto nessa idéia do emburrecimento do mundo. O cara fica sabendo muito pouco de muita coisa, a maior parte das pessoas têm um conhecimento superficial de muita coisa. Isso acontece em todas as áreas. Raríssimas são as pessoas que tem um conhecimento profundo de alguma coisa, elas têm um conhecimento superficial de tudo.
Daniela Aragão: Com essa aceleração do mundo as pessoas não têm mais paciência de ir ao teatro e ficar sentadas durante mais de uma hora para ouvir um concerto.
Sylvio Gomes: As pessoas estão passivas diante do computador, da televisão e por aí vai. Elas estão com preguiça de pensar. O imediatismo impera, quanto mais simples melhor.
Daniela Aragão: E como andam os projetos atuais?
Sylvio Gomes: Como diz o Hermeto, música não é profissão é devoção, continuo então com a minha devoção a orquestra. Manter uma orquestra numa cidade grande é difícil, imagina numa cidade menor como essa. Vamos mantendo até onde der, pois os músicos são abnegados, vão toda a semana ensaiar sem remuneração, por amor a arte. Agora montei um trio também com Pedro Crivelari na bateria e Claudimar Maia no baixo e guitarra, eles são dois estudiosos que estão tocando um trabalho que funde o autoral e algumas composições de Cristóvão Bastos e outros. O trio se chama Triunvirato. Fomos agraciados pela Lei Murilo Mendes e vamos gravar músicas do Cristóvão, do Paschoal, do Aécio Flávio, enfim, um trabalho que estamos fazendo com prazer. Não tem muito mercado, mas agora estou seguindo a frase lapidar do Brant: “não importando se quem pagou quis ouvir”. A gente toca.
Daniela Aragão: Muito obrigada, foi muito boa nossa conversa e que possamos ainda desenvolver outros trabalhos.
Sylvio Gomes: Eu agradeço, estamos por aí com nosso amor pela música.
terça-feira, 7 de setembro de 2010
Entrevista com o percussionista Joãozinho da Percussão
"Sou realizado. Muito feliz com o que a música me trouxe e me traz"
Daniela Aragão: Primeiro eu tenho que dizer que é uma honra e uma alegria muito grande estar aqui ao seu lado. Como o tempo passa, eu fui praticamente criada em sua casa, desde menina brincava com os seus bongôs que me fascinavam. Sou até hoje muito amiga de sua filha Simone, fomos colegas de sala no Colégio João XXIII. Eu me lembro de um episódio que aconteceu quando eu já estava mais adulta e nem cantava profissionalmente ainda, você certo dia me ligou e pediu que eu levasse o violão até sua casa, pois queria me ouvir. Foi emocionante e fica até hoje registrada a emoção.
Joãozinho da Percussão: Eu fico muito feliz com essas coisas, por você ter seguido seu caminho também pela música. Amanhã por exemplo filhos e netos de amigos meus que partiram para esse lado de música vão participar de uma gravação comigo. Vamos começar a trabalhar o grupo deles, inclusive o pai de um dos músicos sempre fala:
“- fica com o Joãzinho que vai dar certo”. Minha mãe falava que eu sou pé quente. Esse grupo é um trio que se chama Samba Jazz BrasilSil. O pianista é o Júnio Vanon. Agora vamos começar a preparar uma apresentação para o dia 12 de novembro na Estação, esse espetáculo será financiado pela Funalfa. Eu com essa idade, setenta e um anos, fico muito feliz por estar ao lado desses jovens. É muito gratificante, pois a garotada toda me convida, então eu participo de grupo de rock e tudo o mais que pinta e que sinto que tem valor. Se tem valor eu dou força mesmo. Isso é muito gratificante.
Daniela Aragão: Você está sempre com esse vigor e não parou, a prova maior disso é que essa juventude está aí hoje participando com você, compartilhando, enquanto traz novas informações também recebe o conhecimento que você transmite a eles.
Joãozinho da Percussão: A gente não sabe tudo na vida, vive aprendendo e morre sem saber, mas cada apresentação, cada grupo que eu toco, cada tipo de som me traz um novo aprendizado.
Daniela Aragão: Quando começou a música em sua vida?
Joãozinho da Percussão: Começou eu tinha uns cinco anos de idade mais ou menos, ali na igreja São Mateus tinha uma banda de música em que o meu tio participava, ele se chamava Aluízio, é irmão de minha mãe. Eu ia lá para ver a banda ensaiar, meu tio Aluizio era o baterista do conjunto de baile e na banda ele tocava trompete. Um dia ensaiava a banda e no outro o conjunto de baile e alguns dos músicos da banda. Quando ele chegava em casa a tarde (ele trabalhava na Pantaleone Arcuri) começava a montar a bateria, ia tomar seu banho, esperava os amigos chegarem e eu ficava na bateria brincando, assim como faz hoje o meu sobrinho Vinicius, ele brinca com tudo, quando estou em casa passando a minha experiência, ensinando alguém, ele fica ao meu lado. Está acontecendo com ele o que aconteceu comigo. Então eu deixei de estudar, abracei essa profissão mesmo por destino, a minha pretensão não era essa, nem pensava que poderia acontecer isso que veio a se dar na minha carreira. Eu queria tocar nos bailes aqui em Juiz de Fora. Tem um fato inesquecível em minha vida, certa vez num domingo passou uma garota e me olhou, demos uma flertada rápida e fui seguindo ela, mas sou tímido e a minha timidez acaba em geral no palco, mas segui a menina. Ela desceu a Halfeld, entrou na Batista de Oliveira e quando chegou próximo ao conservatório Haydée França ela desapareceu. E quando novamente a vi, ela estava subindo a escada e indo em direção ao sindicato dos sapateiros. Subi atrás guiado por ela e por um som que eu ouvia, ela foi entrando no meio de um salão e quando olhei para o palco vi o meu tio, maior coincidência. A menina sumiu e meu tio me chamou, corri então para perto do palco, ali comecei a tocar uns instrumentos e dali nunca mais parei. Eu tinha uns quinze anos, dezesseis e até hoje isso fica na minha cabeça.
Daniela Aragão: Um fato marcante mesmo, como se você fosse conduzido até lá.
Joãozinho da Percussão: Sim muito marcante, parece que foi um anjo que me levou até lá, tanto que eu não vi mais essa menina.
Daniela Aragão: Você começou a tocar nas boates?
Joãozinho da Percussão: Quando eu comecei a tocar eu não tinha muita noção, era meio intuitivo, mas como minha família era amiga da família do Miltinho baterista, as coisas foram tomando um rumo. Meu pai conversou com a mãe do Miltinho e disse que eu queria tocar bongô, daí me levaram até sua casa na Rua Halfeld, Edifício Juiz de Fora. Ali o Miltinho começou a me ensinar e sentiu que eu estava pegando com facilidade, e como ele estava saindo de ritmista para baterista resolveu me colocar ao seu lado tocando no conjunto do Jordano, um italiano que morava no prédio e que tentou me ensinar música também. Comecei a estudar música, saxofone que era o instrumento que minha mãe sempre gostou, decorei o trecho de uma música e toquei sem ler até que o professor descobriu e não me deixou prosseguir dessa maneira. Parei, comecei a estudar piano com a filha desse professor, a Maria, mas larguei também e peguei o bongô de vez.
Daniela Aragão: Mas essa passagem foi boa, passar pelo piano te trouxe outras informações musicais também.
Joãozinho da Percussão: Percebi que o negócio meu era o ritmo e ela também percebeu.
Daniela Aragão: Entre os instrumentos percussivos o bongô é o seu instrumento favorito, diríamos.
Joãozinho da Percussão: Foi o bongô que me prendeu mais a atenção, naquela época tinham muitos filmes com rumbeiras e fui me apaixonando pelo bongô vendo Tito Puente, Perez Prado.
Daniela Aragão: Você trabalha com a invenção, com as possibilidades rítmicas. O que o instante te traz.
Joãozinho da Percussão: O ritmo é sempre a mesma coisa: ritmo. O diferencial é que cada um põe o seu sentimento e até hoje deu tudo certo.
Daniela Aragão: Você é um entusiasta de Juiz de Fora e se tornou um ícone musical na cidade. Não há quem não conheça o Joãozinho da Percussão e mesmo com esse enraizamento você rodou o mundo.
Joãozinho da Percussão: Uma boa parte desse mundo eu conheço. Viagem ao exterior eu comecei com o Benito Di Paula: Grupo Tempero. Primeiro fomos para Buenos Aires e depois para a França, Cannes. Fizemos uma temporada curta numa casa que se chamava Via Brasil, em Cannes eu dei uma canja com o Jorge Ben no final do show e daí ele me chamou e eu queria era isso mesmo, ficar morando em Juiz de Fora e permanecer fazendo shows. Eu já havia falado isso com o Benito inclusive.
Daniela Aragão: Você saiu do Benito e foi trabalhar com o Jorge?
Joãozinho da Percussão: Sim, saí pois era o mesmo escritório.
Daniela Aragão: O Jorge te possibilitou um ótimo trabalho, pois ele é essencialmente rítmico.
Joãozinho da Percussão: Eu não tinha muita noção de como funcionava o esquema de trabalho do Jorge, pensei que iria morar em Juiz de Fora e continuar tocando por aí, mas comecei foi a viajar. Eu não queria mais permanecer em São Paulo, já estava com meus dois filhos: Sérgio e Simone. Na segunda semana de trabalho pintou uma viagem para a França e tocamos uma temporada no Olympia de Paris, como lotou o teatro fizemos uma segunda temporada, quinze dias cada uma, tudo lotado. O interessante é que aqui em Juiz de Fora eu tive um trabalho de duo com o Fabinho, ele tocava teclado fazendo o baixo com o pé. Começamos a tocar no Shanan, uma casa noturna que tinha aqui na época dos festivais. O Carlos Imperial veio participar do festival e perguntou a alguém aonde ele poderia encontrar um músico conhecido na cidade. Alguém falou que tinha eu e tal, daí ele apareceu lá no Shanan e me convidou para participar na apresentação dele no Teatro Central. E aconteceu até uma brincadeira que consistia em me esconder, aquele que me achasse receberia um prêmio. Ele foi daí desenvolvendo essas coisas e acho que até ganhou primeiro lugar com essa música. Parece-me que ficou muito grato, tanto que me convidou para ir para o Rio, mas como nunca gostei de sair daqui e eu ainda era mais criança e tal, não aconteceu. Logo depois apareceu o Tibério no Shanan e me encaminhou para tocar no conjunto do Célio Balona. Fui para Belo Horizonte a convite do Célio Balona tocar nos dias de baile, era tudo diferente de hoje. Fiquei muito feliz com isso tudo e até hoje é assim em minha vida. Todos os países em que fui acompanhando os artistas, ou mesmo com trabalhos nossos daqui da cidade, como foi na Arábia, sempre aparecem novos convites. Os trabalhos vão prolongando. A penúltima viagem minha ao exterior foi para a Arábia. O baterista do grupo Chicago assistiu ao show do Jorge Ben no México e me chamou para fazer uma temporada no night club dele em Los Angeles.
Daniela Aragão: Qual o público mais receptivo no exterior, aquele que parece possuir uma compreensão maior da música brasileira?
Joãozinho da Percussão: Paris é a maior receptividade, os franceses gostam muito de música brasileira. O mundo inteiro gosta, mas os franceses mais ainda. Na Arábia eles não conheciam muito a música brasileira e nós fomos apresentando nosso som e eles foram gostando. Eu pretendo viajar novamente, mas depende muito do grupo que tem que funcionar como uma família bem estruturada.
Daniela Aragão: E teve temporada com Chico Buarque também.
Joãozinho da Percussão: Depois passei para o Pepeu e Baby, deles eu fui para o Chico, depois para Joyce, gravei com ela em Nova York e lá tive convite para permanecer também. Depois toquei com Carlinhos Vergueiro junto com o Lúdica Música, foi um trabalho muito bom, importante em minha carreira.
Daniela Aragão: Você participou da formação do Lúdica não é?
Joãozinho da Percussão: Começou comigo e a Rosana Britto. Eu toquei muito tempo no Raffas e no Dreams, quando era ainda na Halfeld. Como gosto muito de fazer uns eventos, acabei fazendo um lançamento no Dreams: “Joãozinho como antigamente para ouvir e dançar”. Como a receptividade foi boa, fiz uma festa maior no Caiçaras e convidei a Rosana Britto para cantar e tocar comigo revezando com o Zuza. Não era coisa para dar continuidade a princípio, pois era muita gente e era difícil fazer um trabalho maior. Mas nesse período em que eu estava preparando o baile do Caiçaras me ligaram para viajar com o Chico Buarque para Córcega. Quando voltamos gravei o Francisco em Le Zenith, em Paris. Essas coisas que vão desenrolando...
Daniela Aragão: É inesquecível aquela passagem em que o Chico fala: - “Joãozinho de Juiz de Fora”.
Joãozinho da Percussão: Na época do Jorge Ben nós formamos A cor do Som também com o Mú, Gustavo, Dadi, o Armandinho e depois veio o Ari Dias que estai aí tocando com eles. Eu tocava com o Jorge e saiu o Mú, saiu o Gustavo e eu não iria sair, o homem ia ficar louco (risos) se a banda acabasse toda. Sempre gostei do trabalho do Jorge, como gosto até hoje, ele sempre foi importante em minha trajetória. Benito me jogou para o Jorge e o Jorge me jogou para o mundo. Hoje não é mais como antigamente, antes eu ia ao Rio para gravar uma música só, hoje tem muitos percussionistas e bons. Quando algum se lembra de mim me chama, mas essa opção minha por ficar em Juiz de Fora me prejudica um pouco. Mas a vida do músico é isso, quando ficamos conhecidos é rodar pelo mundo mesmo. O pessoal quando me encontra no aeroporto já me oferece trabalho. E eu também tenho os meus projetos.
Daniela Aragão: Então vamos falar desse filme que acabou de ser lançado: "João do ritmo", um curta metragem dirigido por Adriano Medeiros. Esse filme aborda com muita propriedade e delicadeza a sua carreira.
Joãozinho da Percussão: Nossa parceria deu muito certo, nos tornamos grandes amigos. O Adriano passou um dia no Cine Palace para assistir a um filme e me viu, se aproximou, pediu licença e começou a falar da idéia que tinha de fazer um filme sobre mim. A conversa rendeu tanto que ele até perdeu três sessões. Ele pegou meu telefone, encontrou com a Rose Valverde que trabalha comigo na divulgação do meu trabalho e começou a elaborar o projeto através de conversas com ela e comigo. O filme está aí e estou feliz, pois está tendo uma receptividade muito grande. Foi exibido faz uma semana e já esgotaram as cópias, vamos ter que fazer uma segunda edição.
Daniela Aragão: Atualmente só crescem e enriquecem os documentários sobre música popular brasileira, isso tem se tornado um grande filão. Fizeram o Lock, sobre Arnaldo Batista, Um morcego atrás da porta, sobre o Jards Macalé e outros mais. Estão pegando personagens da nossa música que de certa maneira remaram na contracorrente.
Joãozinho da Percussão: Tem inclusive o filme O Rei do Samba, sobre o Geraldo Pereira, feito pelo Zé Sette, neste eu participo. Eu tenho que agradecer a toda hora, costumo dizer que Deus e Nossa Senhora colocam as duas mãos em minha cabeça.
Daniela Aragão: Como ouvinte eu pude comprovar essa influência cubana em sua música.
Joãozinho da Percussão: Sempre teve. Perto da minha casa na Rua Barão de São Marcelino tinha um campo e lá sempre se instalavam circos, parques de diversões. Então tinha trapézio, palhaço e outras coisas no circo, enquanto no parque tinha globo da morte, essa proximidade me proporcionou um contato com esse meio . As pessoas do circo ficavam lá em casa para tomar banho e tal, inclusive eu cheguei a viajar com um circo, um circo pobre, uma filha do dono do circo dançava e a outra era rumbeira. Eu acompanhava as meninas tocando também.
Daniela Aragão: Felliniano isso né? Os lindos temas de Nino Rota. Observei que no filme passam alguns flashes da comemoração dos seus setenta anos que aconteceu no Teatro Central. Uma verdadeira festa. O teatro estava lotadíssimo e a multidão ovacionava vocês. É bonita a relação que você mantém com as cantoras, numa das cenas em que aparece você e elas de mãos dadas fica evidente esse carinho e cumplicidade.
Joãozinho da Percussão: Chamei várias cantoras: Alzira Bianco, Marli, Isabella ladeira, Rosana Britto e a Cristiane Visentin, que veio especialmente dos Estados Unidos para o meu show. O Zuza também veio de Belo Horizonte. Eu tenho sorte por ter essa amizade com as cantoras.
Daniela Aragão: O seu cd também dá ênfase às cantoras, você praticamente divide cada faixa com uma cantora: Mirinha Alvarenga, Tânia Bicalho, Cristiane Visentin, Rosana Britto e Isabella Ladeira...
Joãozinho da Percussão: Eu sempre faço assim, convido as pessoas, não dá para lembrar de todo mundo. Quando a gente encontra na rua acontece, como ainda nós dois vamos fazer coisas juntos.
Daniela Aragão: Com certeza! Seu disco tem a sua personalidade e a identidade de cada intérprete. Você tem esse mérito de ser um percussionista que está inteirado com todos os sons. Não se restringe.
Joãozinho da Percussão: A Mirinha falou: _ Você consegue colocar no palco pessoas que até não possuem muita conexão musical, mas que dá um ótimo resultado. Eu consigo fazer isso e é muito bom. Essa casa em que estamos agora, o Nossa Terra, é um espaço em que estou tendo a oportunidade de fazer uma direção, convidar os músicos.
Daniela Aragão: Falando então de espaço, o que você acha dos espaços musicais existentes em Juiz de Fora?
Joãozinho da Percussão: Geralmente espaço é a gente que cria, e eu dou muita sorte. A casa Rosada em que trabalhei com o Lúdica Música foi um período muito bacana em minha carreira. Toquei muitos anos com o Lúdica. Começou a aparecer fila para assistir ao trabalho da gente. Na época em que eu tocava em baile o pessoal ficava noivo, casava e frequentava os salões de baile. O pai levava o filho que levava a namorada e isso vem acontecendo ainda de certa forma.
Daniela Aragão: E costumam rolar participações nos trabalhos do Lúdica Música?
Joãozinho da Percussão: Fiquei muitos anos com o Lúdica, tocamos juntos na abertura do Pan, elas me convidaram para participar e foi uma satisfação muito grande.
Daniela Aragão: E pelo que vejo você não para, é telefone que toca o tempo todo, amigos que querem te abraçar, enfim, movimento contínuo não é João? E agora com o filme então o ritmo vai ficar frenético, pois imagem é uma coisa que marca ainda mais.
Daniela Aragão: Você é realizado musicalmente não é?
Joãozinho da Percussão: Sim, sou realizado. Muito feliz com o que a música meu trouxe e me traz.
Daniela Aragão: Isso é tudo. Muito obrigada João.
Joãozinho da Percussão: Eu é que agradeço.
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