terça-feira, 7 de setembro de 2010
Entrevista com o percussionista Joãozinho da Percussão
"Sou realizado. Muito feliz com o que a música me trouxe e me traz"
Daniela Aragão: Primeiro eu tenho que dizer que é uma honra e uma alegria muito grande estar aqui ao seu lado. Como o tempo passa, eu fui praticamente criada em sua casa, desde menina brincava com os seus bongôs que me fascinavam. Sou até hoje muito amiga de sua filha Simone, fomos colegas de sala no Colégio João XXIII. Eu me lembro de um episódio que aconteceu quando eu já estava mais adulta e nem cantava profissionalmente ainda, você certo dia me ligou e pediu que eu levasse o violão até sua casa, pois queria me ouvir. Foi emocionante e fica até hoje registrada a emoção.
Joãozinho da Percussão: Eu fico muito feliz com essas coisas, por você ter seguido seu caminho também pela música. Amanhã por exemplo filhos e netos de amigos meus que partiram para esse lado de música vão participar de uma gravação comigo. Vamos começar a trabalhar o grupo deles, inclusive o pai de um dos músicos sempre fala:
“- fica com o Joãzinho que vai dar certo”. Minha mãe falava que eu sou pé quente. Esse grupo é um trio que se chama Samba Jazz BrasilSil. O pianista é o Júnio Vanon. Agora vamos começar a preparar uma apresentação para o dia 12 de novembro na Estação, esse espetáculo será financiado pela Funalfa. Eu com essa idade, setenta e um anos, fico muito feliz por estar ao lado desses jovens. É muito gratificante, pois a garotada toda me convida, então eu participo de grupo de rock e tudo o mais que pinta e que sinto que tem valor. Se tem valor eu dou força mesmo. Isso é muito gratificante.
Daniela Aragão: Você está sempre com esse vigor e não parou, a prova maior disso é que essa juventude está aí hoje participando com você, compartilhando, enquanto traz novas informações também recebe o conhecimento que você transmite a eles.
Joãozinho da Percussão: A gente não sabe tudo na vida, vive aprendendo e morre sem saber, mas cada apresentação, cada grupo que eu toco, cada tipo de som me traz um novo aprendizado.
Daniela Aragão: Quando começou a música em sua vida?
Joãozinho da Percussão: Começou eu tinha uns cinco anos de idade mais ou menos, ali na igreja São Mateus tinha uma banda de música em que o meu tio participava, ele se chamava Aluízio, é irmão de minha mãe. Eu ia lá para ver a banda ensaiar, meu tio Aluizio era o baterista do conjunto de baile e na banda ele tocava trompete. Um dia ensaiava a banda e no outro o conjunto de baile e alguns dos músicos da banda. Quando ele chegava em casa a tarde (ele trabalhava na Pantaleone Arcuri) começava a montar a bateria, ia tomar seu banho, esperava os amigos chegarem e eu ficava na bateria brincando, assim como faz hoje o meu sobrinho Vinicius, ele brinca com tudo, quando estou em casa passando a minha experiência, ensinando alguém, ele fica ao meu lado. Está acontecendo com ele o que aconteceu comigo. Então eu deixei de estudar, abracei essa profissão mesmo por destino, a minha pretensão não era essa, nem pensava que poderia acontecer isso que veio a se dar na minha carreira. Eu queria tocar nos bailes aqui em Juiz de Fora. Tem um fato inesquecível em minha vida, certa vez num domingo passou uma garota e me olhou, demos uma flertada rápida e fui seguindo ela, mas sou tímido e a minha timidez acaba em geral no palco, mas segui a menina. Ela desceu a Halfeld, entrou na Batista de Oliveira e quando chegou próximo ao conservatório Haydée França ela desapareceu. E quando novamente a vi, ela estava subindo a escada e indo em direção ao sindicato dos sapateiros. Subi atrás guiado por ela e por um som que eu ouvia, ela foi entrando no meio de um salão e quando olhei para o palco vi o meu tio, maior coincidência. A menina sumiu e meu tio me chamou, corri então para perto do palco, ali comecei a tocar uns instrumentos e dali nunca mais parei. Eu tinha uns quinze anos, dezesseis e até hoje isso fica na minha cabeça.
Daniela Aragão: Um fato marcante mesmo, como se você fosse conduzido até lá.
Joãozinho da Percussão: Sim muito marcante, parece que foi um anjo que me levou até lá, tanto que eu não vi mais essa menina.
Daniela Aragão: Você começou a tocar nas boates?
Joãozinho da Percussão: Quando eu comecei a tocar eu não tinha muita noção, era meio intuitivo, mas como minha família era amiga da família do Miltinho baterista, as coisas foram tomando um rumo. Meu pai conversou com a mãe do Miltinho e disse que eu queria tocar bongô, daí me levaram até sua casa na Rua Halfeld, Edifício Juiz de Fora. Ali o Miltinho começou a me ensinar e sentiu que eu estava pegando com facilidade, e como ele estava saindo de ritmista para baterista resolveu me colocar ao seu lado tocando no conjunto do Jordano, um italiano que morava no prédio e que tentou me ensinar música também. Comecei a estudar música, saxofone que era o instrumento que minha mãe sempre gostou, decorei o trecho de uma música e toquei sem ler até que o professor descobriu e não me deixou prosseguir dessa maneira. Parei, comecei a estudar piano com a filha desse professor, a Maria, mas larguei também e peguei o bongô de vez.
Daniela Aragão: Mas essa passagem foi boa, passar pelo piano te trouxe outras informações musicais também.
Joãozinho da Percussão: Percebi que o negócio meu era o ritmo e ela também percebeu.
Daniela Aragão: Entre os instrumentos percussivos o bongô é o seu instrumento favorito, diríamos.
Joãozinho da Percussão: Foi o bongô que me prendeu mais a atenção, naquela época tinham muitos filmes com rumbeiras e fui me apaixonando pelo bongô vendo Tito Puente, Perez Prado.
Daniela Aragão: Você trabalha com a invenção, com as possibilidades rítmicas. O que o instante te traz.
Joãozinho da Percussão: O ritmo é sempre a mesma coisa: ritmo. O diferencial é que cada um põe o seu sentimento e até hoje deu tudo certo.
Daniela Aragão: Você é um entusiasta de Juiz de Fora e se tornou um ícone musical na cidade. Não há quem não conheça o Joãozinho da Percussão e mesmo com esse enraizamento você rodou o mundo.
Joãozinho da Percussão: Uma boa parte desse mundo eu conheço. Viagem ao exterior eu comecei com o Benito Di Paula: Grupo Tempero. Primeiro fomos para Buenos Aires e depois para a França, Cannes. Fizemos uma temporada curta numa casa que se chamava Via Brasil, em Cannes eu dei uma canja com o Jorge Ben no final do show e daí ele me chamou e eu queria era isso mesmo, ficar morando em Juiz de Fora e permanecer fazendo shows. Eu já havia falado isso com o Benito inclusive.
Daniela Aragão: Você saiu do Benito e foi trabalhar com o Jorge?
Joãozinho da Percussão: Sim, saí pois era o mesmo escritório.
Daniela Aragão: O Jorge te possibilitou um ótimo trabalho, pois ele é essencialmente rítmico.
Joãozinho da Percussão: Eu não tinha muita noção de como funcionava o esquema de trabalho do Jorge, pensei que iria morar em Juiz de Fora e continuar tocando por aí, mas comecei foi a viajar. Eu não queria mais permanecer em São Paulo, já estava com meus dois filhos: Sérgio e Simone. Na segunda semana de trabalho pintou uma viagem para a França e tocamos uma temporada no Olympia de Paris, como lotou o teatro fizemos uma segunda temporada, quinze dias cada uma, tudo lotado. O interessante é que aqui em Juiz de Fora eu tive um trabalho de duo com o Fabinho, ele tocava teclado fazendo o baixo com o pé. Começamos a tocar no Shanan, uma casa noturna que tinha aqui na época dos festivais. O Carlos Imperial veio participar do festival e perguntou a alguém aonde ele poderia encontrar um músico conhecido na cidade. Alguém falou que tinha eu e tal, daí ele apareceu lá no Shanan e me convidou para participar na apresentação dele no Teatro Central. E aconteceu até uma brincadeira que consistia em me esconder, aquele que me achasse receberia um prêmio. Ele foi daí desenvolvendo essas coisas e acho que até ganhou primeiro lugar com essa música. Parece-me que ficou muito grato, tanto que me convidou para ir para o Rio, mas como nunca gostei de sair daqui e eu ainda era mais criança e tal, não aconteceu. Logo depois apareceu o Tibério no Shanan e me encaminhou para tocar no conjunto do Célio Balona. Fui para Belo Horizonte a convite do Célio Balona tocar nos dias de baile, era tudo diferente de hoje. Fiquei muito feliz com isso tudo e até hoje é assim em minha vida. Todos os países em que fui acompanhando os artistas, ou mesmo com trabalhos nossos daqui da cidade, como foi na Arábia, sempre aparecem novos convites. Os trabalhos vão prolongando. A penúltima viagem minha ao exterior foi para a Arábia. O baterista do grupo Chicago assistiu ao show do Jorge Ben no México e me chamou para fazer uma temporada no night club dele em Los Angeles.
Daniela Aragão: Qual o público mais receptivo no exterior, aquele que parece possuir uma compreensão maior da música brasileira?
Joãozinho da Percussão: Paris é a maior receptividade, os franceses gostam muito de música brasileira. O mundo inteiro gosta, mas os franceses mais ainda. Na Arábia eles não conheciam muito a música brasileira e nós fomos apresentando nosso som e eles foram gostando. Eu pretendo viajar novamente, mas depende muito do grupo que tem que funcionar como uma família bem estruturada.
Daniela Aragão: E teve temporada com Chico Buarque também.
Joãozinho da Percussão: Depois passei para o Pepeu e Baby, deles eu fui para o Chico, depois para Joyce, gravei com ela em Nova York e lá tive convite para permanecer também. Depois toquei com Carlinhos Vergueiro junto com o Lúdica Música, foi um trabalho muito bom, importante em minha carreira.
Daniela Aragão: Você participou da formação do Lúdica não é?
Joãozinho da Percussão: Começou comigo e a Rosana Britto. Eu toquei muito tempo no Raffas e no Dreams, quando era ainda na Halfeld. Como gosto muito de fazer uns eventos, acabei fazendo um lançamento no Dreams: “Joãozinho como antigamente para ouvir e dançar”. Como a receptividade foi boa, fiz uma festa maior no Caiçaras e convidei a Rosana Britto para cantar e tocar comigo revezando com o Zuza. Não era coisa para dar continuidade a princípio, pois era muita gente e era difícil fazer um trabalho maior. Mas nesse período em que eu estava preparando o baile do Caiçaras me ligaram para viajar com o Chico Buarque para Córcega. Quando voltamos gravei o Francisco em Le Zenith, em Paris. Essas coisas que vão desenrolando...
Daniela Aragão: É inesquecível aquela passagem em que o Chico fala: - “Joãozinho de Juiz de Fora”.
Joãozinho da Percussão: Na época do Jorge Ben nós formamos A cor do Som também com o Mú, Gustavo, Dadi, o Armandinho e depois veio o Ari Dias que estai aí tocando com eles. Eu tocava com o Jorge e saiu o Mú, saiu o Gustavo e eu não iria sair, o homem ia ficar louco (risos) se a banda acabasse toda. Sempre gostei do trabalho do Jorge, como gosto até hoje, ele sempre foi importante em minha trajetória. Benito me jogou para o Jorge e o Jorge me jogou para o mundo. Hoje não é mais como antigamente, antes eu ia ao Rio para gravar uma música só, hoje tem muitos percussionistas e bons. Quando algum se lembra de mim me chama, mas essa opção minha por ficar em Juiz de Fora me prejudica um pouco. Mas a vida do músico é isso, quando ficamos conhecidos é rodar pelo mundo mesmo. O pessoal quando me encontra no aeroporto já me oferece trabalho. E eu também tenho os meus projetos.
Daniela Aragão: Então vamos falar desse filme que acabou de ser lançado: "João do ritmo", um curta metragem dirigido por Adriano Medeiros. Esse filme aborda com muita propriedade e delicadeza a sua carreira.
Joãozinho da Percussão: Nossa parceria deu muito certo, nos tornamos grandes amigos. O Adriano passou um dia no Cine Palace para assistir a um filme e me viu, se aproximou, pediu licença e começou a falar da idéia que tinha de fazer um filme sobre mim. A conversa rendeu tanto que ele até perdeu três sessões. Ele pegou meu telefone, encontrou com a Rose Valverde que trabalha comigo na divulgação do meu trabalho e começou a elaborar o projeto através de conversas com ela e comigo. O filme está aí e estou feliz, pois está tendo uma receptividade muito grande. Foi exibido faz uma semana e já esgotaram as cópias, vamos ter que fazer uma segunda edição.
Daniela Aragão: Atualmente só crescem e enriquecem os documentários sobre música popular brasileira, isso tem se tornado um grande filão. Fizeram o Lock, sobre Arnaldo Batista, Um morcego atrás da porta, sobre o Jards Macalé e outros mais. Estão pegando personagens da nossa música que de certa maneira remaram na contracorrente.
Joãozinho da Percussão: Tem inclusive o filme O Rei do Samba, sobre o Geraldo Pereira, feito pelo Zé Sette, neste eu participo. Eu tenho que agradecer a toda hora, costumo dizer que Deus e Nossa Senhora colocam as duas mãos em minha cabeça.
Daniela Aragão: Como ouvinte eu pude comprovar essa influência cubana em sua música.
Joãozinho da Percussão: Sempre teve. Perto da minha casa na Rua Barão de São Marcelino tinha um campo e lá sempre se instalavam circos, parques de diversões. Então tinha trapézio, palhaço e outras coisas no circo, enquanto no parque tinha globo da morte, essa proximidade me proporcionou um contato com esse meio . As pessoas do circo ficavam lá em casa para tomar banho e tal, inclusive eu cheguei a viajar com um circo, um circo pobre, uma filha do dono do circo dançava e a outra era rumbeira. Eu acompanhava as meninas tocando também.
Daniela Aragão: Felliniano isso né? Os lindos temas de Nino Rota. Observei que no filme passam alguns flashes da comemoração dos seus setenta anos que aconteceu no Teatro Central. Uma verdadeira festa. O teatro estava lotadíssimo e a multidão ovacionava vocês. É bonita a relação que você mantém com as cantoras, numa das cenas em que aparece você e elas de mãos dadas fica evidente esse carinho e cumplicidade.
Joãozinho da Percussão: Chamei várias cantoras: Alzira Bianco, Marli, Isabella ladeira, Rosana Britto e a Cristiane Visentin, que veio especialmente dos Estados Unidos para o meu show. O Zuza também veio de Belo Horizonte. Eu tenho sorte por ter essa amizade com as cantoras.
Daniela Aragão: O seu cd também dá ênfase às cantoras, você praticamente divide cada faixa com uma cantora: Mirinha Alvarenga, Tânia Bicalho, Cristiane Visentin, Rosana Britto e Isabella Ladeira...
Joãozinho da Percussão: Eu sempre faço assim, convido as pessoas, não dá para lembrar de todo mundo. Quando a gente encontra na rua acontece, como ainda nós dois vamos fazer coisas juntos.
Daniela Aragão: Com certeza! Seu disco tem a sua personalidade e a identidade de cada intérprete. Você tem esse mérito de ser um percussionista que está inteirado com todos os sons. Não se restringe.
Joãozinho da Percussão: A Mirinha falou: _ Você consegue colocar no palco pessoas que até não possuem muita conexão musical, mas que dá um ótimo resultado. Eu consigo fazer isso e é muito bom. Essa casa em que estamos agora, o Nossa Terra, é um espaço em que estou tendo a oportunidade de fazer uma direção, convidar os músicos.
Daniela Aragão: Falando então de espaço, o que você acha dos espaços musicais existentes em Juiz de Fora?
Joãozinho da Percussão: Geralmente espaço é a gente que cria, e eu dou muita sorte. A casa Rosada em que trabalhei com o Lúdica Música foi um período muito bacana em minha carreira. Toquei muitos anos com o Lúdica. Começou a aparecer fila para assistir ao trabalho da gente. Na época em que eu tocava em baile o pessoal ficava noivo, casava e frequentava os salões de baile. O pai levava o filho que levava a namorada e isso vem acontecendo ainda de certa forma.
Daniela Aragão: E costumam rolar participações nos trabalhos do Lúdica Música?
Joãozinho da Percussão: Fiquei muitos anos com o Lúdica, tocamos juntos na abertura do Pan, elas me convidaram para participar e foi uma satisfação muito grande.
Daniela Aragão: E pelo que vejo você não para, é telefone que toca o tempo todo, amigos que querem te abraçar, enfim, movimento contínuo não é João? E agora com o filme então o ritmo vai ficar frenético, pois imagem é uma coisa que marca ainda mais.
Daniela Aragão: Você é realizado musicalmente não é?
Joãozinho da Percussão: Sim, sou realizado. Muito feliz com o que a música meu trouxe e me traz.
Daniela Aragão: Isso é tudo. Muito obrigada João.
Joãozinho da Percussão: Eu é que agradeço.
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