domingo, 17 de julho de 2011
Entrevista com o pianista, compositor e arranjador Cristovão Bastos II Parte
Daniela Aragão: Você é um compositor repleto de premiações.
Cristovão Bastos: Ganhei muito prêmio como arranjador de várias categorias, samba, música popular, MPB, disco instrumental. Ganhei um prêmio de melhor canção com Resposta ao tempo, esses prêmios começaram com o Prêmio Sharp. Como arranjador ganhei oito prêmios, como compositor ganhei um com a música Resposta ao tempo, ganhei também um prêmio de melhor disco instrumental com o trabalho que fiz com o violonista Marco Pereira em que fizemos nossa leitura da obra de Noel Rosa e Ari Barroso.
Daniela Aragão: Ali é uma grande releitura porque são standards, uma leitura muito particular e minuciosa de dois grades compositores.
Cristovão Bastos: Com certeza. Grande parte daquelas músicas que tocamos no disco na verdade eram melodias daquele outro parceiro, o pianista que acompanhava o Noel. Um grande pianista e compositor, autor das antológicas Conversa de Botequim, Pra que mentir e Feitio de oração. Acontece muito hoje a anulação de um parceiro numa música, dia desses vi no youtube a postagem da canção Todo sentimento e escreveram: “- Bela canção de Chico Buarque”.
Daniela Aragão: A velha questão de colocar o intérprete como compositor, mas nesse caso o Chico é o seu parceiro na feitura da letra.
Cristovão Bastos: Na verdade a canção apareceu primeiro e ele colocou uma letra. Temos que ficar atentos de vez em quando por causa disso.
Daniela Aragão: Interessante também o seu trabalho de elaboração de trilhas para cinema
Cristovão Bastos: É um outro campo, comecei fazendo orquestrações para uma trilha do Edu Lobo, fiz para uma refilmagem do Boca de Ouro, que foi feita pelo Avancini. Depois fiz outra com Edu para o filme Canudos, do Sergio Rezende. Fiz com Sergio Rezende dois filmes, música minha e orquestração do Edu em Mauá o Imperador e o Rei e Zuzu Angel. Nesse meio tempo colaborei com Edu para a trilha do Xangô de Baker Street. Ultimamente fiz a trilha do Suprema felicidade do Jabor. Novamente trabalho com Edu fazendo orquestrações para o filme ainda inédito do Hugo Carvana chamado: Não se preocupe nada vai dar certo. O Carvana é ótimo, fiquei muito contente ao trabalhar com ele, senti que ele é uma pessoa sensível pracaramba, ligado na coisa da música e na precisão do que queria, ele sabia dizer o que queria. Estou me preparando pra fazer uma trilha agora para o filme Pixinguinha, um homem carinhoso.
Daniela Aragão: Tenho uma certa curiosidade com relação ao processo de feitura de música para cinema. Você assiste ao filme, discute com o diretor?
Cristovão Bastos: Assisto ao filme, discuto com o diretor. O que é bom é quando se tem um tema específico e se desenvolve. O que você vai fazer é sublinhar, fazer com que a cena cresça ou reduza. Você pode diminuir o impacto de uma cena, você pode criar um impacto num lugar que ainda não tem, pode preparar, pode avisar o espectador com a música, pode enganar o espectador com a música. Você pode colocar uma música numa hora em que vai acontecer um negócio terrível sem avisar nada. A música pode ter um clima de suspense e o espectador às vezes começa a arrepiar o cabelo da nuca por causa da música. Isso depende do que o diretor quer, do que ele quer salientar, o que é importante. É um trabalho fascinante. Fora isso você é capaz de transformar em som a atenção, a alegria, o amor, o êxtase, o medo. Transformar isso em música é um negócio muito legal.
Daniela Aragão: Vi o filme Uma noite em 67 que reúne imagens históricas do festival de 67 que agregou Caetano Veloso, Chico Buarque, Gilberto Gil, Edu Lobo, Sergio Ricardo entre outros. Era um acontecimento popular veiculado pela televisão, mas que primava por uma qualidade enorme que contrasta com o que vemos e ouvimos hoje ser divulgado pela mídia. É nítido esse deslocamento da produção de qualidade, a qualidade parece se situar na margem enquanto o centro fica com o “lixo musical”.
Cristovão Bastos: Acho que as pessoas estão acreditando piamente na mídia, elas perderam a capacidade de escolha e de assumir um gosto pessoal. Acho que a coisa da mídia e da moda envolve muito as pessoas, acredito que muita gente se veste de acordo com o que está sendo ditado por aquele momento. Então a música tem uma mídia toda voltada para uma coisa que é fácil de retorno, acho que as pessoas estão muito preguiçosas. Não é uma coisa da pessoa chegar num lugar e escolher o que quer, ela pode até escolher uma coisa que está na mídia, mas não só isso. As pessoas estão muito entregues.
Daniela Aragão: Você está falando da questão da não capacidade ou autonomia de escolha, mas me chama a atenção o fato de que durante certo período a música popular brasileira de qualidade estava sendo mostrada e assimilada pelo grande público como se verifica no filme Uma noite em 67.
Cristovão Bastos: As grandes gravadoras passaram a querer artistas que vendem dois milhões de discos. Talvez no passado, quarenta, cinquenta anos atrás era normal ter numa gravadora um artista que vendia vinte mil discos. Agora as gravadoras só querem os que vendem milhões. Se você tivesse uma pequena gravadora em que cada um vendesse entre dez e trinta mil discos o faturamento seria bom. A sua gravadora vende no total duzentos mil discos, é uma coisa a se pensar, é um lucro legal e dá para você fazer um investimento interessante. Acho que as mega produções não estão preocupadas com isso, é um discussão complicada. Eu não posso de repente descartar uma mega produção, pois a mega produção é muito boa, ela tem tudo de bom, pode não ter um conteúdo maravilhoso. O que estou achando difícil é encontrar uma mega produção com um tremendo de um conteúdo. Acho que as pessoas estão preguiçosas. Tinha um amigo meu em Marechal Hermes, na época com uns dezessete anos, e que tinha uma coleção de jazz. Não existia a massificação da mídia, existiam coisas ruins também, mas era diferente. Algumas coisas muito estranhas, uma música do Teixeirinha que fez um sucesso absurdo apelidada de Churrasco de mãe. Escutava-se isso, mas ao mesmo tempo um Tom Jobim, escutava-se numa rádio por exemplo o Henry Mancini. Tem uma expressão fantástica para se fazer uma coisa sem escrúpulos que é “otimização dos custos”, uma expressão que foi cunhada para isso. Acho que temos uma otimização dos custos em tudo, o que é mais rápido de desenvolver.
Daniela Aragão: Eu me recordo de um depoimento dado pelo Chico Buarque que causou um certo frisson, ele dizia que o gênero canção constituído por uma letra bem elaborada e uma música bem feita se tornaria extinto. Nós caminharíamos para uma outra coisa, talvez mais próxima da fala.
Cristovão Bastos: Há uma ilusão de que o tempo ficou escasso para todo mundo, isso é uma ilusão. Como eu sou um cara que trabalho com a intuição, a música que eu faço é resultante do meu envolvimento com isso. As vezes tenho dificuldade de verbalizar certas coisas e nem acho ruim isso. Então as vezes eu traço as minhas teorias.
Daniela Aragão: Puxei esse assunto justamente pelo caminho que você trilha, pela qualidade do seu trabalho, pelo preciosismo das suas composições. Um preciosismo que prima cada vez mais por uma clareza e limpidez. Tem também a qualidade dos parceiros envolvidos que são o Chico Buarque, Edu Lobo, Paulinho da Viola . E falei justamente de uma questão suscitada por um de seus parceiros que é o Chico Buarque.
Cristovão Bastos: A música ficou muito veiculada ao mercado e ela é muito mais que isso, o mercado se aproveita, mas ele não é dono da música, a música é uma coisa muito grande, imensa. Acho impossível o mercado acabar com a obra do Ravel, vai ter sempre alguém que vai colocar aquele disquinho e ouvir o Ravel em casa e ficar inebriado. Então não é propriedade da mídia. Isso não acaba com a arte.
Daniela Aragão: É muita gente fazendo coisa boa e que não está sendo divulgada.
Cristovão Bastos: É, mas antigamente não se tinha essa preocupação tão grande em ser divulgado, as pessoas faziam música. A mídia se apossou de tudo, você não vai negar o tempo moderno e a possibilidade que a mídia tem de mostrar uma obra sua, mas ao mesmo tempo isso gera um outro poder, um poder novo. Eu vou mostrar o que eu quiser, o cara que é dono da mídia não vai mostrar tudo democraticamente, pode-se dizer que tem coisas ultrapassadas, coisas que não interessam. Faz um longo tempo, talvez um trinta anos, vi um diretor de gravadora que estava execrando um trabalho do Bill Evans, o que me interessa isso? A visão dele não tinha nada a ver com a música. Acho que isso é um negócio terrível, mas é temporário, acho que você não consegue matar uma coisa que é muito boa. A música não tem nada a ver com isso, pode chegar no nordeste e ouvir o Bumba meu Boi e um diretor de gravadora dizer: - isso não presta, não vende. As pessoas precisam começar a olhar as coisas de verdade.
Daniela Aragão: Você é um músico que viaja muito não é?
Cristovão Bastos: Viajo pracaramba, agora está acontecendo algo interessante comigo, em vários lugares que vou tem sempre um monte de gente que vem conversar comigo, que quer tirar fotografia, que quer saber o que estou fazendo. E não movo nada em relação a isso, tem gente até querendo fazer isso por mim. Não faço isso. Cada dia são mais pessoas que se aproximam, às vezes estou tocando num show e quando anunciam meu nome aplaudem. Eu não fiz nada por isso, então acho que é uma prova. Quer dizer, fiz coisa pracaramba, mas não me movi em direção a mídia. Não posso dizer que a mídia é uma ilusão, digamos que seja uma apropriação indébita.
Daniela Aragão: Me recordo de uma vez em que conversávamos por telefone e você estava no nordeste e entusiasmado comentava sobre as influências daquele local. Seu trabalho capta essa diversidade, essas nuances de um país tão rico.
Cristovão Bastos: Vai lá em Madureira ver a velha guarda da Portela tocando e você vai ter um monte de informação, um monte de música maravilhosa. Vai ouvir o Jongo da Serrinha, Minas Gerais, vai ver as folias, vai ver o Maracatu.
Daniela Aragão: E tudo isso influencia a sua música?
Cristovão Bastos: Sim , Maracatu por exemplo é uma criação fantástica, as vezes estou fazendo uma música e sem querer coloco um acento lá. Fiz um arranjo para o Edu para Ciranda da Bailarina e tem uma levadinha que é uma coisa do Maracatu. Se você escutar agora no disco Tantas Marés, você vai ver que tem sutis influências do Maracatu. Eu fiz sem pensar no Maracatu; mas era coisa que já tinha me atingido.
Daniela Aragão: E ao mesmo tempo tem esse carioquismo, a Bossa Nova também muito impregnada.
Cristovão Bastos: Engraçado, o pessoal fala tanto da Bossa Nova mas a batida do João Gilberto é samba, ele sofisticou mas aquilo é samba, aquilo é tamborim se você escutar “tem tem quim quim”. É o tamborim né? Roberto Menescal por exemplo falou uma coisa interessante, que não estava sintonizado com o pessoal que estava fazendo só música de dor, sofrida e ele gostou da alegria da Bossa Nova: Dia de luz, festa de sol.
Daniela Aragão: Não tem músico que não se diga impactado pelo surgimento do João Gilberto e você?
Cristovão Bastos: João é um grande criador , mas a coisa que mais admiro no João é a tenacidade, tem uma coisa dele que é a obsessão, fica dias numa música para descobrir o formato, uma nota, vai trabalhando com essa tenacidade para chegar no resultado do jeito que ele quer. Isso aí é uma qualidade que o faz chegar nas coisas que ele chega.
Daniela Aragão: João é extremamente moderno, atemporal. E o seus trabalhos atuais?
Cristovão Bastos: Estou pensando em fazer um disco solo, tem filme para fazer e acho que estou começando a retomar as composições que andavam meio paradas.Tem com a Ana Terra, Dudu Falcão, estou para colocar uma música para o Abel faz alguns meses. Basicamente é isso e estou estudando muito.
Daniela Aragão:Muito obrigada Cristovão, com certeza nosso papo ainda vai render...
Cristovão: Ah sim Daniela, temos muita música no ar.
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2 comentários:
Muito boa a entrevista, Daniela! Adorei! Sábias palavras do Cristóvão em relação à mídia. Hoje em dia tá tudo muito estranho...é muita farofa e pouco samba no pé...:) Parabéns! Bjs! Bia Melo
Cristovão é admirável, pois além de ser o artista que é, expressa com preciosismo tudo o que sabe. Parabéns, amigo querido.
Marilia Barbosa
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