sábado, 7 de agosto de 2010

Entrevista com o flautista, compositor e arranjador Kim Ribeiro




Daniela Aragão: Quando começou a música na sua vida?

Kim Ribeiro: Foi por esta flauta de madeira que está no meu colo: quando eu era criança o papai tocava na Orquestra Filarmônica, estante de segundo flautista (o primeiro flautista, o Villani tinha uma flauta de ouro). Eu achava um barato a flauta de ouro, mas a que tinha era de madeira e quando meu pai não estava tocando eu de vez em quando a pegava. Ele ficou com ciúmes e me deu um flautim de madeira, mas era uma técnica diferente que não foi muito para frente. Quando chegou a época de Bossa Nova, 63, 64, começaram a acontecer shows de Bossa Nova aqui na cidade, o Heraldo Xavier que era um jornalista muito amigo meu (mais velho do que eu) entrosado com a Sueli Costa, o Walmiro, a turma que fazia som, me convenceu a pegar a flauta do papai. Na realidade na minha casa tinha música, mamãe tocava, minhas irmãs eram obrigadas a tocar piano, na minha casa tinha um piano de cauda muito bom.

Daniela Aragão: Você então começou pela flauta?

Kim Ribeiro: Sim: comecei pela flauta; sempre fui só flautista, nunca toquei piano pra valer. Quando fui estudar harmonia, composição e contraponto com Guerra Peixe, fui de certa maneira “obrigado” a encarar o piano, pois ele não admitia como aluno se não tocasse no piano pelo menos uma peça do “For Children” de Bartok: o básico tinha que saber. Eu estudei um pouco de piano, dedilho e quando vou montar meus acordes gosto do piano. Mas conseguir tocar na rapidez de um pianista, isso não.

Daniela Aragão: Como foi o seu percurso enquanto flautista? Você passou por conservatório ou é mais autodidata?

Kim Ribeiro: Eu comecei completamente autodidata, fazia esses shows todos de ouvido, ouvia o Bebeto tocar no Tamba Trio, o Danilo Caymmi, o Franklin que tocava com o Baden Powell, os americanos um pouco, Copinha, Altamiro Carrilho (ouvíamos a bandinha dele) e a referência de flauta que eu tinha era aquilo. A princípio fui pegando tudo de ouvido, mas a técnica o meu pai me passou. Saí de juiz de Fora e fui para o Rio em 68, quando eu estava com quase 20 anos. Daí sim, fui estudar pra valer: com Guerra Peixe estudei harmonia, composição, essas coisas; com a Esther Scliar tive ditado, iniciação musical geral, e análise musical vim a estudar depois quando eu já estava sabendo melhor. Com o Homero de Magalhães tínhamos música de câmara: ele regia mais ou menos, orientava como funcionava a música de câmara. E o meu primeiro professor de flauta foi o Lenir Siqueira, que era o flautista de “Os boêmios”, grupo que tocava na Rádio MEC, e logo depois veio a Odette Ernest Dias, que é a minha grande mestra até hoje.

Daniela Aragão: Pois então, fale de sua relação com a Odette: já vi vocês desenvolverem trabalhos juntos como no seu disco Jubileu. Como é que se deu e tem se dado essa proximidade, enfim esse intercâmbio afetivo e musical com a Odette?


Kim Ribeiro: Ela é exatamente vinte anos mais velha do que eu, nos conhecemos em 69, ela é francesa, ganhou o primeiro prêmio de flauta em Genebra e na época já era uma grande flautista. O Eleasar de Carvalho estava renovando a Orquestra Sinfônica Brasileira e precisava de músicos novos, foi na França e recambiou pelo menos dois: Ofereceu a ela e ao Noel Devos (do fagote) postos com um salário razoável e os dois vieram da França (sem nada) para tocar na OSB. A Odette foi corajosa, pois tinha só vinte anos na época. Depois, além desse trabalho na OSB ela começou a dar aulas, deu aula na nos Seminários de Música Pro Arte e eu fui um de seus primeiros alunos ao lado de Mauro Senise e Raul Mascarenhas. Depois Paulinho Jobim, Danilo Caymmi, todos esses foram alunos dela. Fui me formando, estudei com ela por cerca de dois a três anos, entrei para a Banda do Corpo de Bombeiros, comecei a tocar flautim (éramos obrigados a tocar e estudar demais) por isso acabei evoluindo muito rápido. Daí ela foi para Brasília e me colocou como substituto: tinha muita confiança em mim, gostava do meu trabalho. Depois fui para o Rio Grande do Sul, conheci uma gaúcha, me apaixonei, e com essa gaúcha eu dei uma pirada, largamos tudo e fomos parar lá no Amazonas. Fomos morar numa dessas casas de beira de rio (chama-se Jatapu, afluente do Uatumã) a sete dias de barco de Manaus, uma aventura. Peguei malária e resolvi voltar em 75 para Minas. Não sabíamos, mas ela já estava grávida do nosso primeiro filho, o Iuri. Fixei-me aqui em Juiz de Fora, dei aulas no Conservatório Estadual. Depois em 78 nasceu minha filha Elisa e minha mulher achava que a vida aqui era muito devagar. Seguimos então para Porto Alegre: a princípio eu não conhecia ninguém, mas me enturmei facilmente e morei lá de 80 a 85.

Daniela Aragão: E a sua música sofre influência desses deslocamentos? Tem a mineiridade enquanto marca de nascença, mas em seguida o Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul...

Kim Ribeiro: Sem dúvida. De qualquer modo a música não erudita foi a que me atraiu mais, embora a minha formação tenha sido erudita. Não gosto essencialmente da música erudita, eu a acho muito fechada: o músico erudito tem que tocar o que está escrito e na mão de um maestro, é uma tortura (risos). Participei de algumas orquestras no Rio: a Juvenil do Teatro Municipal e depois a da UFRJ em que eu era solista da orquestra. Lá toquei peças importantes e foi legal. Mas eu de fato não gosto, depois que você pega o repertório numa orquestra começa a repetir e não se tem muita escolha. É muito raro você ter um solo – e quando o tem, está todo escrito - enquanto o jazz permite o solo com improviso, criação. Na música popular a grande vantagem é essa: você usa o músico e ele tem a liberdade de se expressar, então a música fica com sotaque, não tem jeito. O choro que gravei com a turma lá no Rio é carioca, o calango que eu faço com a turma aqui da Floresta é completamente mineiro. No Rio Grande do Sul experimentei um negócio mais universal e completamente moderno. Eu acho isso interessante e nesse sentido sou muito camaleão. O bom da música é isso e por isso acho bom o jazz, onde a música é um pouco o resultado da soma de quem está tocando: é o grupo, acho isso muito bonito. Mas de certo modo é um trabalho difícil, como foi o lance da improvisação total na ocasião em que fizemos o Jubileu.

Daniela Aragão: O CD Jubileu?

Kim Ribeiro: O Jubileu aconteceu nos meus 50 anos: vieram a Odette, a Andréa E. Dias, o Franklin, Mauro Senise, Don Camilo na percussão, Raimundo Nicioli, o Carlos Ernest Dias (que tocou sax, flauta e oboé), Luis F. Zamith no cello, Dudu Lima, Márcio Halack e a turma toda do Choro & Companhia (daqui de Juiz de Fora). Era muita gente, passamos as músicas aqui no Seminário da Floresta, ensaios intensivos e variados, e atacamos...

Daniela Aragão: Ao idealizar a execução desse disco você pensou em reunir essa turma de músicos que se afinavam com você?

Kim Ribeiro: Com todos eles eu tinha uma certa afinidade. A idéia foi fazer completamente ao vivo e por isso essa pauleira.

Daniela Aragão: E os projetos atuais?

Kim Ribeiro: Irei viajar em setembro para Valencia, Barcelona e Ibiza junto com o baterista Big Charles e a tecladista Valéria Mendonça. Tocaremos choro, samba e Bossa Nova.
Para sobreviver todo ano tenho feito arranjos para o grupo de flautistas da Pro Arte do Rio e estou elaborando arranjos para um cd de músicas mineiras e autorais que provavelmente sairá este ano. Como o mercado está muito ruim para tocar, tenho trabalhado mais com programação como é o caso do banco de dados do novo MIS (Museu da Imagem e do Som do Rio). O plano futuro é de (ao retornar da Espanha) agitar o Mosteiro do Som.

Daniela Aragão: Fale sobre o Mosteiro do Som

Kim Ribeiro: É basicamente um espaço de encontro de quem produz arte e também de quem curte. Situado na Floresta, onde tenho minha casa, o Mosteiro é um espaço propício para os compositores e os artistas em geral se encontrarem. enfim. A proposta é ser um ponto de encontro de artistas. Por exemplo: criar oficinas num espaço aberto para se discutir novos recursos e possibilidades, como o lance de trabalhar com música no computador, onde será possível propiciar uma boa troca de experiências. Tenho o objetivo de organizar isso quando voltar da viagem.

Daniela Aragão: Então você está em pura atividade. Fico feliz por saber. Obrigada pela entrevista e muito sucesso.

Kim Ribeiro: Eu sou quem agradece o espaço nessa galeria de ricas crônicas que você vem produzindo.

2 comentários:

Anônimo disse...

Daniela não conhecia esse seu espaço e adorei conhecê-lo conhecendo um pouco do Kim Ribeiro, que entrevista boa, e quantas referências bacanas também, que bacana!

um abraço
G

Unknown disse...

Kin Ribeiro música viva se materializando pelos poros.
Sucesso e sorte sempre!!!!
Hilton