terça-feira, 29 de dezembro de 2009
Entrevista com a cantora e compositora Cristiane Visentin
Eu sempre falei que queria ser artista. Falava isso para família quando era bem pequenininha. A música surgiu em minha vida e daí em diante eu nunca mais parei.
Depois de passar quase uma década nos Estados Unidos cantando o repertório da música popular brasileira e composições próprias, a cantora, compositora e violonista Cristiane Visentin retorna ao Brasil com uma bagagem enriquecida pelo contato com grandes músicos do cenário nacional e internacional. Tivemos uma conversa super agradável em que Cristiane relembra os primórdios da carreira em Juiz de Fora, os festivais, as parcerias e os projetos atuais. Confiram abaixo:
Daniela Aragão: Quando a música apareceu em sua vida?
Cristiane Visentin: Falar sobre isso é falar como todo mundo fala, desde que eu me entendo por gente. Fica até engraçado falar isso (risadas), eu não gosto muito de usar frases muito comuns, é isso aí, essa é a minha verdade. Eu tenho uma influência muito grande por parte da minha mãe, ela também cantava, foi cantora de rádio, não rádio em nível nacional, mas cantava na rádio da cidadezinha dela. Foi podada pelo pai, que era músico também. Depois ela resolveu casar com meu pai e assumir a família, e não mais se dedicar a música. Mas meu avô Zé, por parte de mãe, grande avô, grande violonista e meus tios irmãos dele me influenciaram. Inclusive meu avô era autodidata, era muita musicalidade, um tocava cavaquinho, outro violão de doze, outro violão de sete, e eram reuniões e mais reuniões em família e eu pequenininha assistindo tudo. E ao invés de ficar brincando com as crianças na festinha, eu ficava sentada assistindo. Eu gostava muito, me arrepiava. E as minhas brincadeiras de infância eram um pouco diferentes, ao invés de brincar de boneca, eu não queria saber de boneca, a minha maior satisfação era subir em cima de uma mesa, pegar um cabo de vassoura imitando um microfone, e ficar fazendo o meu programa de auditório. Como se eu estivesse cantando diante de um público e tal. E a música foi surgindo assim na minha vida, lembro-me que aos cinco anos eu pedi uma boneca de natal e minha irmã pediu um violão, e aquele violão ficou parado bastante tempo em cima do guarda roupa. Nem eu brincava com a boneca e nem ela com o violão, mas eu continuava subindo em cima da mesa cantando com o cabo de vassoura, eu não sabia que eu era instrumentista, que tinha essa vocação e tal. Daí ganhei um acordeon, que tocava direitinho, tinha todas as notas. Eu saí tocando de ouvido, um dia olhei para o violão lá em cima do armário, minha boneca ainda permanecia intacta. Fiz a proposta para minha irmã : - eu te empresto a minha boneca, mas você me empresta seu violão? E eu saí tocando o violão, fiz todos os acordes possíveis, assim primários e tocando todas as músicas que sabia na época, aquelas típicas de criança como Atirei o pau no gato, Fui no tororó beber aguá não achei, Parabéns pra você e musiquinhas que eu aprendia no colégio. Eu sempre falei que queria ser artista. Falava isso para família quando era pequenininha. Assim então que surgiu a música em minha vida, e daí em diante eu nunca mais parei.
Daniela: Elis Regina certa vez falou que tinha ficado muito emocionada ao tomar consciência da beleza de sua voz. Você tem um timbre belíssimo, como veio essa consciência do cantar para você?
Cristiane: Eu não acreditava que seria cantora, eu queria ser instrumentista. Eu pensava que iria ser somente instrumentista, eu cantava quando era criança, subia na mesa e tal, mas quando descobri o instrumento já passei a esquecer que era uma cantora. Eu queria mais o instrumento do que tudo na minha vida, até o dia em que o pianista Euzébio Monfardini me encontrou e falou: “- Você tem uma voz muito linda”. Eu falei: - não. Eu sou boa violonista, e eu não era nada (risos). Eu tinha treze anos de idade na época. Daí ele me convidou para cantar num restaurante onde ele trabalhava aqui em Juiz de Fora e meus pais passaram a me levar toda semana.
Daniela: Nesse restaurante você parou momentaneamente de se acompanhar?
Cristiane: O Euzébio me perguntou: - o que você canta? Respondi: - Eu canto o que eu toco. Daí falei João Bosco, Elis Regina e os antigos clássicos da MPB como Lupicínio Rodrigues, Cartola, Noel Rosa, Dolores Duran e muitos outros...Então logo comecei a cantar no Dom Fellipo toda semana, ganhando um dinheirinho simbólico, eu não tinha nem carteira da ordem dos músicos, não tinha nada. E daí eu fui me ouvindo e percebendo que realmente eu tinha uma afinação, que tinha talento para isso, o canto.
Daniela: Os músicos que entrevistei falaram muito da influência que sofreram de músicos como João Gilberto e Tom Jobim, e percebo em você nitidamente a influência do jazz, do soul. Como vem isso?
Cristiane: Desde os meus onze anos que escuto Etta James, Sarah Vaughan e Ella Fitzgerald. Gosto muito também da Janis Joplin, que também se encaixa bem nessa linha jazz, soul. Não sei porque sofri essa influência, nunca tive mito brasileiro, não sei porque. Eu gosto da música brasileira, adoro e sou influenciada por ela, mas não sei porque eu tive uma queda muito grande pela música negra americana. É claro que sou muito influenciada pelas belas composições de Sueli Costa e Fátima Guedes por exemplo, cheguei até a fazer shows dedicados a essas duas compositoras. Contundo não sei nem porque o destino me levou para isso, tanto que fui acabar parando nos Estados Unidos.
Daniela: E no período inicial de sua carreira você passou um longo tempo em Juiz de Fora?
Cristiane: Fiquei bastante tempo em Juiz de Fora, aí eu fui para o Vitrô Musical Bar, que mais tarde se transformou em Jazz Club Bar, onde ali de fato eu assumia a cantora Cristiane Visentin, que eu começava a construir. Confesso que esses espaços foram acontecimentos sui generis na história da música de Juiz de Fora. Não devo deixar de mencionar a importância do Prova Oral, pelo fato de que ali eu também pude conhecer e trabalhar com músicos de projeção nacional.
Daniela: Grandes músicos deram canja ali como o Toninho Horta, Nivaldo Ornellas e Arthur Maia. Percebo que o Jazz Club foi um marco na carreira não somente sua, mas também de outros artistas como o contrabaixista Dudu Lima, que hoje é tido pelo guitarrista Stanley Jordan, como um dos melhores baixistas do mundo.
Cristiane:Ah o Dudu, eu trabalhei com ele juntamente com o Trio BelaFonte, do qual na época ele fazia parte.
Cristiane: Quantos músicos eu conheci ali dentro e sendo ainda uma menina, eu tinha quatorze anos de idade na época. E aí me chamavam para dar canja, e eu ia no Djavan, que já estava em evidência, ia na Janis com Summertime, ia em todas as canções. Eu cantava tudo de jazz, principalmente os Standards. Eu consumia diariamente o jazz. Penso que de certa maneira isso devia impressionar os ouvintes mais experientes, pois eu era uma menininha cantando diante daqueles grandes lá ao meu lado, alguns que hoje em dia nem atuam mais na música né? Isso foi de uma importância muito grande para mim.
Daniela: Você vivenciou todos esses locais que hoje já não existem mais?
Cristiane: Eu me considero pioneira em música ao vivo em Juiz de Fora como cantora. Antes de mim, como cantora considero que só existia a Raquel Silvestre, não tinha cantora em Juiz de Fora que atuasse na noite exceto Raquel e Cristiane Visentin. E a Raquel era aquela escola, uma escola, uma grande cantora. E ela já tinha uma certa vivência, então eu me considero uma pioneira nesse sentido. Porque eram só homens que atuavam na noite de Juiz de Fora.
Daniela: Interessante é o fato de que você pegou uma fase de florescimento das cantoras. Eu nem peguei isso enquanto cantora, pois sou mais nova um pouco. Tinha você, a Rosana Brito, a Mirinha Alvarenga, Isabella Ladeira, Marcela Lobo...
Cristiane: Não posso deixar de falar que durante esse momento despontava a Rosana Britto, eram então Raquel, Cristiane e Rosana Britto em evidência na cidade. Foi uma fase muito legal, e a música era cultural, uma música boa que a gente fazia. Não quero pichar, pois tratando-se de cultura, importa muito na verdade é aquele que está produzindo, quem faz. Há ouvidos para ouvir o que for, e qualquer segmento de música é manifestação cultural de um povo. O funk é cultura, forró é cultura, sertanejo é cultura, agora a minha cultura é diferente. O que eu absorvi foram músicas que têm qualidade de letra e qualidade de música. Hoje em dia você pode muito bem fazer uma música e uma letra sem qualidade, e no entanto ela mesmo assim pode valer a pena para ouvidos de outros. Isso é cultura pra mim.
Daniela: Sempre quando pensava em Cristiane Visentin me vinha de imediato também o guitarrista Salim Lamha. Como vocês desenvolveram uma dupla bonita não é?
Cristiane: Pura sintonia e química musical, o Salim é um grande músico, muito sensível. Com a gente até hoje não ocorrem ensaios, nos guiamos por pura sensibilidade.
Daniela: Você não tocou até agora no seu lado de compositora. Você ficou conhecida como uma das grandes vencedoras dos festivais, como intérprete e até mesmo como compositora. Seu lado compositora foi desenvolvido mais tarde ou emergiu junto com o canto e o desempenho do violão?
Cristiane: Eu com onze anos já tinha a minha primeira música, que era uma música totalmente infantil, mas que despertou o meu lado de compositora. Esta canção se chamava O passarinho azul. Eu levava pra escola um caderninho e ali eu compunha minhas canções inocentes, apropriadas para idade. Depois chegava em casa e quando pegava o violão elas saiam como água de um cano inspirador. Saiam assim mesmo sem precisar ter o instrumento em mãos.
Daniela: O Bird in blue seria uma canção que se desdobrou da singela Passarinho Azul? O Bird é mais rascante né?
Cristiane: Não, olha que loucura, vou chegar lá. Não, era somente o Passarinho Azul, que dizia assim: fugiu da minha gaiolinha um passarinho azul/ que eu peguei na florestinha verde/ e eu vi bem lá no horizonte voando em plena imensidão tão triste/ pássaro azul/ pássaro is blue/ pássaro azul. Tem mais um restinho da letra, aí depois é que veio o Bird in Blue.
Daniela: Elas não teriam uma relação então?
Cristiane: Talvez até tenha, pode estar oculta essa ligação. O Bird in blue é um blues, mas o título não significa que eu queira dizer que a música seja um blues, mas é um blues, porque na verdade se eu quisesse falar que o Bird in Blue seria um blues, eu teria colocado Bird in Blues, mas não é, é Bird in Blue, ou seja, um pássaro no azul.
Daniela: E essa canção ganhou muito festivais ...
Cristiane: E eu comecei a compor, a fazer, e a coisa mais difícil para mim nesse processo de composição era ter parceiros, porque eu sou muito minha. Me enfio no meu quarto, no meu mundinho e crio minhas músicas, as minhas músicas saem assim. Faço a letra e a música, a maioria delas eu faço letra e música juntas.
Daniela: E parcerias, já fez?
Cristiane: Tenho alguns parceiros como Nilton Bustamante, que é um super parceiro, Claudio Massenas, de Belo Horizonte, Telma Tavares, do Rio, muito boa cantora e compositora, o Naninho que está em Nova York,o musicalíssimo maestro e arranjador Aécio Flávio, Dani Machado... Tenho muitas composições, mas a maioria na verdade são somente minhas.
Daniela: Você ficou quase uma década fora não é? Como foi essa experiência nos Estados Unidos?
Cristiane: Foi uma experiência fascinante para mim. Foi muito bom, primeiro porque eu saí aqui do Brasil contratada, não sai aleatoriamente, não aconteceu assim de : - vou fazer minhas malas e ir embora. Mesmo porque eu não pensava em sair do país, nunca pensei em sair do país, meu ideal era ficar aqui no Brasil e fazer minha carreira aqui no Brasil. Não falo nem de sucesso, pois nessas alturas do campeonato não sei mais o que é fazer sucesso, pois sucesso para mim é você estar se realizando como pessoa, como profissional. Minha visão de sucesso hoje é totalmente diferente. Se eu vou ali e canto para um pequeno público composto de cinco ou seis pessoas e eles prestam atenção no meu trabalho, isso para mim já é sucesso. O fato de ter ido embora contratada foi muito bom, pois eu já cheguei com infra estrutura. Eu tinha onde morar, onde cantar e tal. A princípio fui para ficar dois meses, não fui para morar e dali fui ficando, pois foi surgindo convite aqui, convite ali, e fui ficando, ficando, e acabei ficando todo esse tempo .
Daniela: E levando o repertório do Brasil?
Cristiane: Só Brasil, só cantava música brasileira. Depois é que passei a cantar certos hits internacionais, pois passei a fazer festas para americanos. O contratante me pedia: “Canta alguma coisa em inglês só para quebrar o clima.” E eu dizia, mas estou aqui para cantar música popular brasileira, é esse meu trabalho e tal. E ele falava que eu deveria cantar canções americanas para eles se sentirem mais em casa. Aí comecei a incluir os jazz que eu sabia cantar, hits de Elton John, George Michael, Madonna, tudo que eu sabia, que meu ouvido captava. Até coisas que eu não tinha o domínio, daí eu fui crescendo. Mas o meu trabalho nos EUA foi para divulgar a música popular brasileira.
Daniela: Me recordo da época quando te enviei o meu cd, e você muito gentilmente divulgou ele por lá na rádio em que trabalhava.
Cristiane: Sim, eu tive um programa na Rádio Brasil FM em Miami, que era uma rádio super incrível, muito legal, os diretores maravilhosos que me deram toda a liberdade do mundo para divulgar a música popular brasileira em todos os setores. Eu tocava de tudo, mas tinha à parte um programa em que eu lançava os músicos que eram independentes, que não tinham selo, gravadora, aqueles músicos que pegavam o próprio dinheirinho e investiam mandando ver no que queriam e acreditavam. Esse era o meu intuito, foi o que eu falei para a diretora Tânia Azevedo, que era a diretora da rádio. Sentei na sala com ela e falei: - Tânia, você me dá a liberdade de divulgar as pessoas do Brasil, mesmo as que estão aqui fazendo música independente? Ela falou: -of course. Então no meio do meu programa eu tinha uma hora em que dedicava as pessoas, e intitulei o programa de Os independentes do Brasil. Eu achei um barato esse título, pois me lembrava algo dessa independência do Brasil, emancipação da nossa música...E eu lancei muita gente, Paulinho Shoflenn, Douglas Souza, você Daniela Aragão, Lúdica Música, Marcela Lobbo, dentre tantos outros que agora não me vem a memória.
Daniela: E a recepção era boa?
Cristiane: Calorosa, essa rádio era uma rádio popular, ouvida mais por brasileiros, mas por muitos americanos também. Era uma rádio afiliada a uma outra chamada Love Nine four . Rádio puramente americana, smooth jazz, só toca Ivan Lins e o resto do mundo que faz smooth jazz. O jazz melódico. E fiquei um ano e meio nessa rádio até que fui participar do Primeiro Festival de Música Brasileira dos Estados Unidos. Eu fiquei em segundo lugar regional na Flórida e segundo lugar nacional, sendo eu a única mulher compositora neste festival. Ganhei com uma música minha, PESCADOR DE ESTRELAS, cantando em português. Um festival que tinha no corpo de jurados o Jayme Monjardim, que embora seja famoso como diretor de novelas, mostrou um olhar crítico e sensível para a música. O Bob do Valle, que é um cara muito fera também.
Daniela: Você dividiu o palco com Menescal e Hélio Delmiro também ...
Cristiane: Sim, daí começaram a surgir convites e mais convites, até convites para sair da Flórida e partir para Nova York. Ah pensei, vou sair da Flórida, desse sol, toda bronzeada. Olha o que eu pensava (risadas), que valor que eu dava para a minha música. Daí falei, ah não vou sair desse sol, vou ficar por aqui. Aí fiquei mais um tempo na rádio, cobri programações na rádio, também trabalhei como repórter de rua. Entrevistei muita gente, eu era repórter de rua, eu ia para os bastidores, eu era uma espécie de mil e uma utilidades nos meios da comunicação (risadas). Além do meu lado de cantora, desenvolvi o meu lado de comunicadora que eu amo. E acabei recebendo uma série de convites que me fizeram tomar uma atitude súbita, peguei meu carro com a carteira de motorista vencida, despenquei com ele da Flórida para Nova York, em plena Highway e fui embora, meti o pé na estrada e cheguei lá.
Daniela: On the Road
Cristiane: Quando cheguei lá já tinham vários trabalhos me esperando. Comecei a cantar em New Jersey, cantava em universidades, fazia festas fechadas em hotéis e cantava nos bares. Alguns brasileiros e muitos bares americanos. Cantava em muitos pubs americanos, fui cantar com os velhinhos do jazz, e lá foi a minha escola maior. Até quando eu recebi um convite para cantar numa das melhores casas que existe no Village, que se chama Café Wha?, que é uma casa americana, mas que dá o maior valor para a música brasileira. Cantei com uma super banda brasuca, com doze músicos no palco, todos eles muito bem situados aqui no Brasil. Um tocou com Gal, outro com Menescal, outro com Carlinhos Brown. Todos eles tem uma escola profissional, doze músicos em cima do palco. E foi uma experiência maravilhosa, casa cheia, e muitos americanos nos assistindo, uma noite brasileira. O repertório era Jorge Benjor, Sandra de Sá, Djavan, João Bosco, Chico Buarque, Caetano Veloso, e os americanos ficavam enlouquecidos. Cantei no Zinc Bar também, no Village. Zinc Bar é uma referência em Nova York.
Daniela: Entrevistei o Bernard Fines, que é um cantor francês radicado no Brasil, e ele falou bastante sobre a influência da Bossa Nova em seu canto e suas opções sonoras. Nesse seu tempo nos EUA aconteceram também muitas solicitações de repertórios da Bossa Nova?
Cristiane: Com certeza, a música brasileira é muito bem quista no mundo inteiro. Meu sobrinho acabou de voltar da China e estava falando sobre o tanto que os chineses amam a música brasileira. E não foi só na China que ele disse que viu a música brasileira ser tão adorada. Nos últimos tempos eu venho observando uma coisa muito engraçada, a invasão do forró e do sertanejo, e os americanos gostando muito.
Daniela: Não é o sertanejo Tonico e Tinoco, Xavantinho e Pena Branca, mas o sertanejo massificado, não é?
Cristiane: Pois é, justamente o sertanejo massificado. E que para mim nem é sertanejo, alguém deu esse rótulo para essa categoria errado. Foi algum crítico musical que não deve nem ter estudado música para falar que essa categoria de música é sertanejo, isso é um romântico sem sentido. Eu não posso falar que é o brega, sabe por que? Pois tem uma música do Bruno e Marrone que eu canto chamada Choram as rosas, ela é linda, mas não é do Bruno e Marrone, mas de um autor que eles gravaram, mas quem conhece a dupla quando me ouvir não vai saber que estou cantando a mesma música. Quando chega no estribilho aí é que as pessoas reconhecem. Eu não posso taxar de brega, pois se estou cantando, então estou cantando brega. Eu me considero uma cantora popular ao mesmo tempo, uma cantora de povo. Eu fiz o Brazilian Day em New Jersey para um milhão de pessoas. Elaborei um repertório para todo mundo cantar junto, a la Jota Quest (risadas). Cantei Tim Maia, Gostava tanto de você diante daquela multidão, um milhão de pessoas cantando junto comigo.
Daniela: O importante é a releitura, o que você consegue extrair de qualitativo de uma canção aparentemente banal. Revelar alguma beleza para os ouvidos viciados na falta dela né?
Cristiane: Por isso é que eu falo, fui convidada para cantar numa casa em Brasília, que creio que esteja até fechada hoje. Uma promoter das boas me perguntou se eu poderia fazer um show exclusivamente de Bossa Nova, eu disse que sim, que era a minha praia, que adoraria etc e tal. No meio do trabalho, lá pelas tantas, com aquele burburinho de conversas, sem ninguém prestar atenção, a promoter me chega com um bilhetinho dizendo: “- O povo está pedindo sertanejo”. Daí eu comecei a transformar todos os "sertanejos" que eu conhecia em jazz, blues, pop rock e fui inventando. Não deixei a essência se perder é claro, eles não entenderam muito bem, mas fui aplaudidíssima, apesar de algumas reclamações de pessoas insistindo para que eu fizesse um cover das gravações dos discos, arranjos chapados e tal. E daí quando peguei o sertanejo de raíz ( que o meu avô muitas vezes fazia) eles não conheciam nada a não ser Cio da Terra, Rancho Fundo e Luar do Sertão.
Daniela: E com relação as premiações, pode falar um pouquinho?
Cristiane: O que considero importante nos Estados Unidos foi o fato de eu ter participado de alguns prêmios que são importantíssimos para a comunidade brasileira nos EUA, que é o Press Award, grande prêmio que ocorre em várias categorias. Na verdade nunca participei concorrendo, mas sempre convidada para fazer os shows do evento. Participei de dois, um em homenagem ao Menescal, em que dividi até o palco com ele, e outro em homenagem a Alcione. Isso foi muito enriquecedor, pois fiquei conhecida como uma pessoa atuante no meio cultural, produzindo coisas, sempre em evidência na ativa divulgando a MPB. E o meu lado de comunicadora também foi reconhecido nessa ocasião, inclusive até recebi um prêmio como Celebridade do Sul da Flórida, por minha atuação cultural na comunidade brasileira. Não devo esquecer das minhas premiações no Brasil, é claro. Aqui obtive 47 prêmios de melhor intérprete com participações em 68 festivais da canção. Participei com composições de minha autoria e também de outros vários compositores, como Sueli Costa e Fátima Guedes.
Daniela: Quais são seus projetos atuais?
Cristiane: Estou ensaiando o musical "RELICÁRIO DE RITA CRISTAL", protagonizado anteriormente por Vera Fajardo.Fui convidadada para reviver esse musical pois Aécio Flávio e José Antonio de Souza, que são os autores, acharam que eu era a verdadeira "RITA CRISTAL". Mas tenho dúvidas (risos). Possivelmente me chamaram por eu ter trabalhos como atriz também. Sinto que mesmo sendo cantora, posso desenvolver esse lado de atriz. Tem me dado muita satisfação a parceria que estabeleci recentemente com o maestro Aécio Flávio, embora ele já me conhecesse dos velhos tempos de menina, só agora esse encontro se deu.Tudo acontece no tempo certo, eu agora uma mulher, já de fato amadurecida na música, com uma considerável trajetória percorrida, e ele um músico já amadurecido na vida. Pura satisfação!Tive também a honra de regravar a composição dele em parceria com Luiz Fernando Gonçalvez, chamada DE CORPO INTEIRO. Ela foi um sucesso nos anos oitenta na voz da cantora Jane Duboc e está para acontecer numa nova leitura.
Daniela: Te desejo puro sucesso, obrigada.
Cristiane: Eu que agradeço, adorei.
domingo, 20 de dezembro de 2009
Talento
A cantora Cristiane Visentin retornou dos EUA em junho deste ano.Depois de 10 anos de experiência no exterior, ela nos presenteia com sua voz belíssima e com seu violão cheio de swing, que traz a força do legado jazzista. Suas interpretações exploram a emoção, aliada a sabedoria apurada dos meandros sonoros. Ouvir e cantar com Cristiane Visentin me emociona, sempre!
domingo, 13 de dezembro de 2009
Pode misturar
“Ah! Menina tonta/toda suja de tinta/mal o sol desponta!/Sentou-se na ponte, muito desatenta/E agora se espanta: quem é que a ponte pinta com tanta tinta...”. Ao me deparar com a super colorida capa do encarte de Partimpim2, de Adriana Calcanhotto, voltam-me a memória os versos do poema Tanta Tinta, de Cecília Meireles, que eu adorava falar bem alto e todo de cor, assim como os famosos versos de Bailarina : “não conhece nem dó nem ré/mas sabe ficar na ponta do pé./Não conhece nem mi nem fá/mas inclina o corpo para cá e para lá”. Guardo ainda em bom estado de conservação meu exemplar de Ou isto ou aquilo, que me acompanhou durante anos nos tempos de escola. Em formato A4 e com belas ilustrações de Eleonora Affonso, vou folheando o livro que traz poemas bem humorados e plenos de musicalidade. O violão e o vilão pareceu-me desde a leitura de menina pronto para ser cantado - o violão, Olivia, a viola e a vida se alternam num jogo sonoro rico em experimentações: “Não vive Olívia na vila,/ na vila nem na viola./o violão levou-lhe a vida,/levando o violão dela”. A profusão de cores e sons que jorravam dos poemas de Cecília inundou de lirismo uma parte de minha infância, assim como as canções da Arca de Noé, de Vinicius de Moraes.
Dando continuidade a poética Viniciana, começo a falar sobre Partimpim2 seguindo a ordem inversa das faixas do cd. As borboletas, poema de Vinicius de Moraes, musicado por Cid Campos, é a canção que fecha o disco em clima de pura contemplação do instante poético. Por ser encantada por borboletas, passaria um longo tempo aqui a tecer impressões sobre elas. Carrego em minhas retinas (ainda não fatigadas) a delicadeza de Walter Lima Júnior em Inocência, ao capturar com sentido de amplitude expressiva e plástica uma borboleta. Marisa Monte suave entoando a Borboleta do folclore nordestino: “Eu sou uma borboleta pequenina e feiticeira/ando no meio das flores procurando quem me queira.”A Grande Borboleta de Caetano Veloso: “A grande borboleta/Leva numa asa a lua/E o sol na outra/E entre as duas a seta”. Gravada na casa da Partimpim, na floresta, As borboletas reproduz o som de insetos in natura. A voz puríssima da cantora, acompanhada por seu próprio violão e pelo baixo de Dé Palmeira, destaca a seiva dos versos cromáticos de Vinicius: “Brancas/Azuis/Amarelas/E pretas/Brincam/Na luz /As belas/Borboletas/Borboletas brancas/são alegres e francas/borboletas azuis/gostam muito de luz”.
Bim Bom estabelece uma homenagem vigorosa a João Gilberto, ícone da Música Popular Brasileira. Depois de um longo período guardada no baú, a canção é regravada simultaneamente por duas cantoras da mesma geração: Calcanhotto e Bebel Gilberto. Ambas herdeiras da mesma tradição que incorpora Tom Jobim, João Donato, Chico Buarque e Dorival Caymmi. O diálogo entre Calcanhotto e Bebel frutifica faz tempo, em Maritmo Calcanhotto imprimiu sua marca ao gravar Mais Feliz, de Bebel Gilberto, Dé Palmeira e Cazuza. Bim Bom é bonita tanto com a Partimpim, quanto com Bebel: duas leituras singulares. A interpretação de Partimpim funde João Gilberto ao Olodum, em que a memória da marcação das batidas do violão de João se mantém na mistura com o samba-olodum-baião, afirmado no canto: “É só isso o meu baião/E não tem mais nada não/ O meu coração pediu assim, só”. Bebel já opta pela superposição de vozes ao dividir os vocais com Daniel Jobim, de tão jobiniana sua interpretação, o arranjo elaborado para a introdução rende homenagem ao maestro soberano, autor de Fascinating Rhytm.
Impecável a gravação de O homem deu nome a todos os animais, versão realizada por Zé Ramalho para a canção Man gave name to all the animals, de Bob Dylan. A levada cheia de swing do baixo de Dé Palmeira conduzindo a introdução, remete a famosa música da Pantera Cor de Rosa, super convite para a criançada. Introduzindo o afinado coro de crianças regido por Mariana de Moraes, Partimpim não perde o apuro técnico que seduz o público adulto e infantil. Partimpim2 é um cd mais amadurecido em relação a experiência inaugural do outro Partimpim, no atual a compositora/intérprete ousa mais nas experimentações sonoras, utiliza mais a informação da música eletrônica e dos apetrechos que compõem o universo de barulhos do mundo infantil: latas, tralhas, brinquedos. Calcanhotto fala sobre a Partimpim: “A Partimpim carrega objetos, ela gosta de acúmulo, guarda coisas. Ela guardou todos os bilhetes e brinquedos que ganhou das crianças, é o oposto da Calcanhotto. Ela leva tudo para o estúdio, convive com aquelas coisas, e as pessoas que estão trabalhando no projeto acabam contaminadas com isso. Quando me dou conta os músicos estão lá, cheios de ursinhos.”
Na massa, de Davi Moraes e Arnaldo Antunes é a música que melhor sintetiza a liberdade - make yourself, preconizada pela Partimpim. A letra de Arnaldo contempla a criatividade das crianças que “com a mão na massa” transam seus próprios figurinos, criando moda. Além dos detalhes da letra, vale atentar para as nuances experimentais sonoras, um pianinho que soa ali, um carrinho que arranha acolá, um assovio, um barulho não identificado: “pode ser de farda ou fralda/arrastando o véu da cauda/jóia de bijuteria/ lantejoula e purpurina/manto de garrafa Pet/tatuagem de chiclete/de coroa ou de cocar/pode misturar”.
Emociona na voz da Partimpim o registro de O trenzinho do caipira, composição de Villa Lobos com letra do poeta Ferreira Gullar. Ela se apropria da canção como se dela fosse, sua interpretação traz a segurança e leveza de quem já percorreu muitos trilhos. Os ruídos do trenzinho me trazem uma certa nostalgia da poesia e da delicadeza que pouco se vê/ouve hoje em dia, mas que se revive em Parimpim2.
sábado, 12 de dezembro de 2009
Bernard Fines é luxo só
Bernard Fines é um músico francês que já se tornou brasileiro. Belíssimo timbre, bom gosto e sensibilidade são as marcas de Bernard. Batemos um longo papo sobre música brasileira, jazz e música francesa. Segue aí:
Daniela Aragão: Você é cantor e músico também? Qual é sua formação?
Bernard Fines: Eu sou músico. Minha primeira formação foi piano clássico, estudei na França. Estudei 5anos, piano, solfejo, teoria musical, aí depois fui desenvolvendo a música como autodidata. Depois estudei contrabaixo, voltei ao piano, enfim, pelo piano e pelo teclado montei uma banda de jazz na faculdade. A gente se apresentava em botecos de jazz no norte da frança. E aí vim para o Brasil, eu sou engenheiro. Estudei engenharia acústica e vim ao Brasil para fazer um estágio de mestrado, quando cheguei no Brasil fui trabalhar numa região isolada, que não tinha eletricidade e tal. A casa era de madeira, de pescador, de caiçara, não tinha como ter piano, teclado, e comprei um violão, fazia tempo que queria tocar violão, já arranhava e tal. Comprei um violão e fui aprendendo com os brasileiros, nas festas.
Daniela: Não falava nada de português?
Bernard: Muito pouco, era um português de Portugal, fiz aula de português, mas não entendia nada do que as pessoas falavam. Aí fui pegando pela necessidade assim. Comecei a aprender violão assim, comprei as revistas Coro de Cordas e os amigos brasileiros ajudando. Na França a gente tem uma inibição muito grande em relação a arte, enquanto a coisa não está super pronta, a gente não apresenta. Aqui simplesmente o pessoal botava o violão na minha mão e dizia: - canta. Aí eu falava, não sou cantor, não sou violonista, não sei nenhuma música, e acabava cantando. Em francês primeiro e em português depois.
Daniela: Você já conhecia a música popular brasileira?
Bernard: Sim, a Bossa Nova, João Gilberto, disco do João Gilberto principalmente. Daí, quando eu cheguei no Brasil, descobri o Caetano, que me chamou atenção pela letra. Descobri Caetano, Elis Regina, que na frança eu não conhecia.
Daniela: Estranho Elis não chegar lá, ela fez até o 13º Festival de Montreux. A maior cantora brasileira.
Bernard: Chega lá Elis, mas para um público mais específico. Mas realmente é a Bossa Nova que todo mundo conhece na França, Caetano, Elis, o Chico, já é um público mais específico.
Daniela: Interessante o Caetano ter te chamado atenção, pois é um compositor sofisticado e que escreve em português.
Bernard: Muito interessante na letra do Caetano é que por exemplo “Esse papo já tá qualquer coisa” (cantarola), eu pedia para os meus amigos brasileiros explicarem a letra e eles não conseguiam.
Daniela: Ah isso que faz parte do próprio feeling do brasileiro, são expressões que dizem respeito a nossa língua. Como tem coisas que são muito próprias dos Franceses, expressões da língua, que não tem tradução.
Bernard: É. Então isso foi fundamental para mim. E aí comecei a tocar nos bares MPB, principalmente Chico, Caetano e Gilberto Gil.
Daniela: Aí você cantou em português? Tem Joana Francesa do Chico, que é tão bonita e mistura o francês e o português
Bernard: Em português. Em 2005 eu apresentei Joana Francesa com uma banda em Curitiba no Teatro do Paiol. E hoje eu canto ela direto, no meu último cd gravei com participação do Leo Gandelman, bem bacana, uma delícia.
Daniela: Você tem disco solo gravado?
Bernard: O último disco que gravei, lancei pela Delira Música, que é um selo do Rio. Eu convidei um trio de jazz para me acompanhar, a gente está junto faz quatro anos. Eu não trouxe eles aqui porque é um festival de duo, mas sempre tocamos juntos. É um casamento, na verdade um trio instrumental brasileiro, que toca jazz com um cantor francês, esse é o espírito. O resultado é uma banda, um quarteto em que eu sou cantor, sou vocalista, mas cada um tem o seu espaço, tão grande quanto o meu, para improviso e tal. Por exemplo na hora do solo do contrabaixo o baixista vai para frente e é a vez dele.
Daniela: Pela condução do seu canto, deu para perceber que você traz toda uma concepção jazzística.
Bernard: Toda.
Daniela: Eu amo Speak low e nunca tinha ouvido em francês, com você agora achei o máximo. Já cantei muito essa canção numa orquestra de jazz e tal, mas em francês para mim é inédito.
Bernard: Na verdade eu sempre gostei de jazz, mas nunca morei na Inglaterra, nos Estados Unidos, não domino a língua inglesa. Tem o Claude Nougaro, que é um cantor-poeta que fazia versões, melhor, adaptações de Standards de jazz para a língua francesa. Ele morreu em 2004 e foi consagrado só depois que morreu. Editaram um cd que le gravou pela Blue Note, nos EUA, até aí ele era conhecido só na frança. Daí resolvi dar mais um espaço no trabalho dele através do meu. Então hoje eu apresentei bastante versões minhas, que é a uma forma de se apropriar da música, fazer como se ela fosse um pouco minha.
Daniela: Você se acompanha ao violão?
Bernard: Acompanho sim. Violão e voz, o que no jazz fica um pouco difícil, pois eu não tenho um nível técnico para tocar um violão com uma levada de jazz. Agora já toquei bastante em bar, em Curitiba primeiro, depois na região de Rezende, onde eu moro.Moro em Penedo, do lado Rezende
Daniela: Você continua com a profissão de engenheiro?
Bernard: Não, só músico. Eu comecei em 2003 violão e voz nos bares e aos poucos fui procurando o meu caminho, trabalhei com percussionista, mais um pianista. Depois eu encontrei um trio de Jazz que é o João Bittencourt trio, formação de guitarra, baixo e bateria.
Daniela: Você já participou de outros festivais de jazz?
Bernard: Em Ibitipoca, Penedo, Savassi em BH, alguns festivais de cultura francesa, o C’est si bon em São Paulo e no Rio, agora não lembro muito. No Rio está rolando também quarta feira, vou fazer no espaço cultural, sempre tem shows.
Daniela: Achei um barato a maneira como você assimilou a cultura brasileira e como funde com a sua. Traz um resultado muito interessante.
Bernard: Eu amo muito música brasileira, pois estudei música brasileira no conservatório de Curitiba, a partir daí comecei a apresentar minha primeira banda. A gente se apresentava em festas e o repertório era Luiz Gonzaga, Chico e tantos. Esse repertório ficou na minha história. As vezes as pessoas que acabam de me conhecer perguntam: - Você conhece Trem azul?. Digo que já cantei e tal.
Daniela: São quantos anos de Brasil?
Bernard: 17 anos
Daniela: Você fala muito bem português, traz sua marca nos erres é claro, mas é sua identidade.
Bernard: Sim, é minha identidade
Daniela: E entre os franceses: Jacques Brel, Piaf. O que você traz para o seu repertório?
Bernard: O último cd que gravei são só os clássicos da música francesa, jazz pelo trio brasileiro. Então é uma mistura bem interessante. O repertório é Ne me quitte pas, do Jacques Brel, La vie em Rose, de Piaf, quatro músicas de Charles Aznavour, C’est si bon, Yves Montand. Só os clássicos. Porque aí a gente faz uma outra leitura dessas músicas por dois motivos, primeiro porque eu pesquisei bastante para ver o que tinha sido feito, eu não vou fazer, por exemplo, La vie em rose em Bossa Nova, porque já tem três gravações assim pelo mundo. Então vamos fazer outra história, e mais, eu chamei o trio de jazz, a gente fez os arranjos juntos, foi uma coisa de criação mesmo. Eu mostrei violão e voz, uma coisa bem básica, e eles foram rearmonizando. Com todo o talento que os brasileiros tem. Graças justamente a eu ter conseguido deixar rolar solta a criatividade dos músicos brasileiros que estavam trabalhando comigo. Isso é que é o mais importante.
Daniela: E um próximo trabalho?
Bernard: Sim, agora vai ser um disco de parcerias. Estou trabalhando em cima de música do Nelson Faria, Gilson Peranzzetta, Márvio Ciribeli. Vamos lançar esse cd no ano que vem, muito brasileiro.
quinta-feira, 10 de dezembro de 2009
Entrevista com Alexandre Magno e Affonso Cláudio
Bate papo agradável, na hora do almoço, que rendeu muitos guaranás e assunto para prosseguir no próximo festival. O guitarrista Alexandre Magno e o saxofonista Affonso Cláudio me deram a honra do maravilhoso som e da simpatia.
Affonso Cláudio: Sou AC, saxofonista do Rio de Janeiro, minha formação musical é muito americana, me formei em saxofone pelo Berkley College of Music in Boston, fiz o mestrado em jazz na Califórnia Institute of the arts e mais recentemente, cerca de sete anos atrás, eu terminei meu doutorado em música pela UNIRIO. Meus principais professores de instrumento foram Joe Viola, Any Wats e Jordy Garzone. Estudei no Brasil também um tempo com Mauro Senise e tive outras influências tipo Paul Novus, Charlie Haden. Eu tive muito sorte, excelentes professores e pude estudar, música pra mim não é uma coisa fácil, é uma coisa extremamente difícil e tenho que me dedicar muito para alcançar um resultado que eu ache pelo menos satisfatório.
Daniela Aragão: Existe esse mito da idéia da inspiração, a música que brota, que surge assim do nada.
AC: Para mim a música nunca foi fácil, sempre foi fruto de muito estudo. Eu hoje em dia, além da minha atividade musical, dou aula na parte de tecnologia da Faculdade Estácio de Sá, dou aula de produção fonográfica no curso de cinema e de produção audiovisual. Isso deu início nos Estados Unidos, em que fiz uma especialização na área de concentração em music e technology, e desde então isso acaba sendo parte de meus interesses, das coisas que gosto de fazer. Aprendo muito com pessoas que eu toco, o tempo que eu deixo para a música é dedicado aos projetos que eu quero fazer.
Magno Alexandre: Ao contrário do Afonso, não tenho formação acadêmica nenhuma. Estudei teoria de música só, numa escola muito boa em Belo Horizonte chamada Fundação de Educação Artística e fui autodidata como instrumentista. Comecei a tocar aos 15 anos, já estou com 38 e continuo aprendendo. O lance que tenho em comum com o Afonso é o lance de aprender tocando com as pessoas, aprendi muito assim. Tirei muita música de ouvido, no estilo mais jazzístico mesmo. Até hoje vou conhecendo as pessoas. Dois anos atrás peguei pra acompanhar a Maria Schneider, maestrina americana, sob a regência de um grupo de músicos brasileiros. Aprendi com um baterista muito importante, o Nenê, importante para música mundial. Trabalhava com Egberto Gismonti, Hermeto Pascoal. O Nenê é muito bom compositor e músico. Eu e o Enéas Xavier (contrabaixista) aprendemos muito com ele. Tocamos com ele uns 10 anos, e através dele a gente foi conhecendo os melhores músicos, do Brasil e do mundo. E sempre trabalhando com esse tipo de música instrumental, eu sempre trabalhei com isso. Eu tenho um cd que resume isso, de música brasileira só que com muita improvisação, o que é uma característica do jazz. Esse cd que eu fiz em 2004, com os músicos de São Paulo e alguns de Minas, deu um resultado bom, ganhei um prêmio como melhor cd de música instrumental. Tem participações do Toninho Horta, um quarteto gravado ao vivo, e daí eu fui colocando coisas por cima. Eu, Benjamin Talk, o Nenê e o Célio de Barros. Aí teve o André Mehmari, que conheci na época depois de gravar. Alguns músicos estrangeiros, uma celista da Suécia, uns arranjos de cordas. O Toninho Ferraguti, e com esse cd eu pude viajar para a Europa desde 2005. Eu viajo todos os anos para a Europa tocando as músicas desse cd, ele gostam. O estrangeiro gosta dessa música.
Daniela Aragão: São temporadas longas lá fora?
Magno: Um mês, dois meses no máximo. Mas dá pra tocar em muito lugar.
Daniela: E como é que vocês lidam com o mercado para a música instrumental?
Magno: Que mercado?
Daniela: Acho que esses festivais são uma oportunidade para vocês tocarem. Fora isso...
Magno: Mas não é nem em todos os festivais que entramos. Às vezes eu toco num, no outro não toco. Em Belo Horizonte estão tendo muitos festivais, com o apoio da Lei de incentivo. Esses projetos desse tipo. E no mais, eu toquei muitos anos em lugares fixos que ultimamente não está tendo mais espaço. Em Belo Horizonte, por exemplo, toquei 5 anos no Café com Letras, em outros lugares, toca um tempo, 2 anos toda quinta, aí acaba o lugar. As vezes não pode ter música num ambiente que não tem alvará. Tocar em lugares ao ar livre, era muito legal, enchia, era o point da cidade. Aí depois de um tempo chega a prefeitura e acaba com isso porque não pode. E aí, agora não tem muitas casas desse gênero em Belo Horizonte, mas a gente ainda trabalha, 2 a 3 vezes por semana. E no mais temporadas viajando.
Daniela: E com cantores?
Magno: Já toquei com Luiz Melodia, Milton Nascimento, participações breves com alguns cantores. Nada de trabalhar com cantor mesmo, Belo Horizonte não tem muito esse tipo de coisa. Cantores que estão no mercado atuando, como o Flávio Venturini que está lá em Belo Horizonte. Beto Guedes, a turma do Clube da Esquina ainda faz uns shows.
Daniela: Eu fiz essa pergunta porque não vejo você como um músico centrado exclusivamente em Belo Horizonte. Você e o AC são músicos do mundo.
Magno: O melhor dessa profissão acho que é isso, você poder tocar com várias pessoas em qualquer lugar do planeta. Hoje, por exemplo, foi a primeira vez que a gente tocou, eu e AC. E tocamos com um cara que nunca tínhamos tocado antes também, o Miltinho, baterista do Jô.
AC: Isso se permite, uma vez que você tenha um ponto de convergência de linguagens, essa interação é possível. Acho que essa questão do mercado, ou seja, todo o mercado de música está mudando, está sendo reformulado. Não está sendo reformulado porque eles querem reformular, está sendo reformulado pela própria realidade. Eu acho que no caso do que seria música instrumental, jazz. Acho que não existe uma subvenção oficial, como você tem da orquestra sinfônica. A orquestra sinfônica é uma subvenção oficial para a música clássica, como nas universidades se tem uma subvenção para a música clássica. A música instrumental, jazzística, não tem essa subvenção oficial, então ela fica meio que tentando pegar assim uma coisa marginal do mercado principal. Alguma coisa de Lei de incentivo, algumas iniciativas. Porque você não tem uma estrutura profissional que funcione, ou seja, uma pessoa que trabalhe, um agente, um produtor que trabalhe fazendo o book do Magno. Que ajude ele a fazer uma carreira, mandar projetos e tal. As pessoas que conseguem mais coisas, são pessoas que perdem mais tempo se dedicando a esse lado profissional, que é você ficar correndo atrás. O cara tem que se mesclar dessa função, já que não tem um business suficiente para atrair um produtor. Quem faz é que tem que fazer, daí vai depender da habilidade do cara e da capacidade dele empresarial, da capacidade dele de fazer conexões com outros produtores, outros festivais, é uma coisa ainda pré-simbiótica. Eu vejo coisas pontuais assim, nesses festivais as participações se restringem aos contatos pessoais. Não tem uma estrutura que suporte outras formas, tem pessoas que por contingências pessoais e de personalidade, são boas em fazer isso. Pessoas que passam um bom tempo de seu dia trabalhando esse lado empresarial, que é de mandar projeto, se inscrever em edital, mandar material. Tem uma hora do dia que a pessoa pega pra ficar ligando, enfim. Aí quando você vê a pessoa aparecendo em vários lugares diferentes, pode ter certeza que ela ou alguém ficou assim, na função. Aí batalha e a coisa vai, mas não acho que exista um mercado. Pra você considerar um mercado, teria que poder quantificar ele. Em 2000, quando eles dividiram o mercado musical em tendências, nem apareceu música instrumental. Nem sequer foi computado, o número do ponto de vista econômico era tão irrisório, que não chegou nem a fazer cócega. Entrou na categoria outros, que era três por cento.
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