quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Entrevista com Alexandre Magno e Affonso Cláudio


Bate papo agradável, na hora do almoço, que rendeu muitos guaranás e assunto para prosseguir no próximo festival. O guitarrista Alexandre Magno e o saxofonista Affonso Cláudio me deram a honra do maravilhoso som e da simpatia.


Affonso Cláudio: Sou AC, saxofonista do Rio de Janeiro, minha formação musical é muito americana, me formei em saxofone pelo Berkley College of Music in Boston, fiz o mestrado em jazz na Califórnia Institute of the arts e mais recentemente, cerca de sete anos atrás, eu terminei meu doutorado em música pela UNIRIO. Meus principais professores de instrumento foram Joe Viola, Any Wats e Jordy Garzone. Estudei no Brasil também um tempo com Mauro Senise e tive outras influências tipo Paul Novus, Charlie Haden. Eu tive muito sorte, excelentes professores e pude estudar, música pra mim não é uma coisa fácil, é uma coisa extremamente difícil e tenho que me dedicar muito para alcançar um resultado que eu ache pelo menos satisfatório.


Daniela Aragão: Existe esse mito da idéia da inspiração, a música que brota, que surge assim do nada.



AC: Para mim a música nunca foi fácil, sempre foi fruto de muito estudo. Eu hoje em dia, além da minha atividade musical, dou aula na parte de tecnologia da Faculdade Estácio de Sá, dou aula de produção fonográfica no curso de cinema e de produção audiovisual. Isso deu início nos Estados Unidos, em que fiz uma especialização na área de concentração em music e technology, e desde então isso acaba sendo parte de meus interesses, das coisas que gosto de fazer. Aprendo muito com pessoas que eu toco, o tempo que eu deixo para a música é dedicado aos projetos que eu quero fazer.


Magno Alexandre: Ao contrário do Afonso, não tenho formação acadêmica nenhuma. Estudei teoria de música só, numa escola muito boa em Belo Horizonte chamada Fundação de Educação Artística e fui autodidata como instrumentista. Comecei a tocar aos 15 anos, já estou com 38 e continuo aprendendo. O lance que tenho em comum com o Afonso é o lance de aprender tocando com as pessoas, aprendi muito assim. Tirei muita música de ouvido, no estilo mais jazzístico mesmo. Até hoje vou conhecendo as pessoas. Dois anos atrás peguei pra acompanhar a Maria Schneider, maestrina americana, sob a regência de um grupo de músicos brasileiros. Aprendi com um baterista muito importante, o Nenê, importante para música mundial. Trabalhava com Egberto Gismonti, Hermeto Pascoal. O Nenê é muito bom compositor e músico. Eu e o Enéas Xavier (contrabaixista) aprendemos muito com ele. Tocamos com ele uns 10 anos, e através dele a gente foi conhecendo os melhores músicos, do Brasil e do mundo. E sempre trabalhando com esse tipo de música instrumental, eu sempre trabalhei com isso. Eu tenho um cd que resume isso, de música brasileira só que com muita improvisação, o que é uma característica do jazz. Esse cd que eu fiz em 2004, com os músicos de São Paulo e alguns de Minas, deu um resultado bom, ganhei um prêmio como melhor cd de música instrumental. Tem participações do Toninho Horta, um quarteto gravado ao vivo, e daí eu fui colocando coisas por cima. Eu, Benjamin Talk, o Nenê e o Célio de Barros. Aí teve o André Mehmari, que conheci na época depois de gravar. Alguns músicos estrangeiros, uma celista da Suécia, uns arranjos de cordas. O Toninho Ferraguti, e com esse cd eu pude viajar para a Europa desde 2005. Eu viajo todos os anos para a Europa tocando as músicas desse cd, ele gostam. O estrangeiro gosta dessa música.


Daniela Aragão: São temporadas longas lá fora?

Magno: Um mês, dois meses no máximo. Mas dá pra tocar em muito lugar.


Daniela: E como é que vocês lidam com o mercado para a música instrumental?

Magno: Que mercado?


Daniela: Acho que esses festivais são uma oportunidade para vocês tocarem. Fora isso...



Magno: Mas não é nem em todos os festivais que entramos. Às vezes eu toco num, no outro não toco. Em Belo Horizonte estão tendo muitos festivais, com o apoio da Lei de incentivo. Esses projetos desse tipo. E no mais, eu toquei muitos anos em lugares fixos que ultimamente não está tendo mais espaço. Em Belo Horizonte, por exemplo, toquei 5 anos no Café com Letras, em outros lugares, toca um tempo, 2 anos toda quinta, aí acaba o lugar. As vezes não pode ter música num ambiente que não tem alvará. Tocar em lugares ao ar livre, era muito legal, enchia, era o point da cidade. Aí depois de um tempo chega a prefeitura e acaba com isso porque não pode. E aí, agora não tem muitas casas desse gênero em Belo Horizonte, mas a gente ainda trabalha, 2 a 3 vezes por semana. E no mais temporadas viajando.


Daniela: E com cantores?

Magno: Já toquei com Luiz Melodia, Milton Nascimento, participações breves com alguns cantores. Nada de trabalhar com cantor mesmo, Belo Horizonte não tem muito esse tipo de coisa. Cantores que estão no mercado atuando, como o Flávio Venturini que está lá em Belo Horizonte. Beto Guedes, a turma do Clube da Esquina ainda faz uns shows.

Daniela: Eu fiz essa pergunta porque não vejo você como um músico centrado exclusivamente em Belo Horizonte. Você e o AC são músicos do mundo.


Magno: O melhor dessa profissão acho que é isso, você poder tocar com várias pessoas em qualquer lugar do planeta. Hoje, por exemplo, foi a primeira vez que a gente tocou, eu e AC. E tocamos com um cara que nunca tínhamos tocado antes também, o Miltinho, baterista do Jô.


AC: Isso se permite, uma vez que você tenha um ponto de convergência de linguagens, essa interação é possível. Acho que essa questão do mercado, ou seja, todo o mercado de música está mudando, está sendo reformulado. Não está sendo reformulado porque eles querem reformular, está sendo reformulado pela própria realidade. Eu acho que no caso do que seria música instrumental, jazz. Acho que não existe uma subvenção oficial, como você tem da orquestra sinfônica. A orquestra sinfônica é uma subvenção oficial para a música clássica, como nas universidades se tem uma subvenção para a música clássica. A música instrumental, jazzística, não tem essa subvenção oficial, então ela fica meio que tentando pegar assim uma coisa marginal do mercado principal. Alguma coisa de Lei de incentivo, algumas iniciativas. Porque você não tem uma estrutura profissional que funcione, ou seja, uma pessoa que trabalhe, um agente, um produtor que trabalhe fazendo o book do Magno. Que ajude ele a fazer uma carreira, mandar projetos e tal. As pessoas que conseguem mais coisas, são pessoas que perdem mais tempo se dedicando a esse lado profissional, que é você ficar correndo atrás. O cara tem que se mesclar dessa função, já que não tem um business suficiente para atrair um produtor. Quem faz é que tem que fazer, daí vai depender da habilidade do cara e da capacidade dele empresarial, da capacidade dele de fazer conexões com outros produtores, outros festivais, é uma coisa ainda pré-simbiótica. Eu vejo coisas pontuais assim, nesses festivais as participações se restringem aos contatos pessoais. Não tem uma estrutura que suporte outras formas, tem pessoas que por contingências pessoais e de personalidade, são boas em fazer isso. Pessoas que passam um bom tempo de seu dia trabalhando esse lado empresarial, que é de mandar projeto, se inscrever em edital, mandar material. Tem uma hora do dia que a pessoa pega pra ficar ligando, enfim. Aí quando você vê a pessoa aparecendo em vários lugares diferentes, pode ter certeza que ela ou alguém ficou assim, na função. Aí batalha e a coisa vai, mas não acho que exista um mercado. Pra você considerar um mercado, teria que poder quantificar ele. Em 2000, quando eles dividiram o mercado musical em tendências, nem apareceu música instrumental. Nem sequer foi computado, o número do ponto de vista econômico era tão irrisório, que não chegou nem a fazer cócega. Entrou na categoria outros, que era três por cento.

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