sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Entrevista com o contrabaixista Dudu Lima



"Não pode parar nunca, a música não te espera, ela é uma mulher ciumenta e te exige o máximo. É muito bom poder tocar"


Daniela Aragão: Quando você começou a tocar?


Dudu Lima: Comecei com 11 anos e profissionalmente com 14. Caramba, as vezes você se lembra de você mesmo.


Daniela Aragão: Você está com quantos anos?


Dudu Lima: Estou com 37, faço 38 em janeiro.


Daniela: Começou com contrabaixo mesmo?

Dudu Lima: Sim, comecei com contrabaixo elétrico. Eu fui passar umas férias com uns primos que eram músicos e comecei a ouvir muito o som do contrabaixo e fui perguntando sem forçar a barra – que som que faz isso? E pedi um contrabaixo de natal, quando eu tinha 11 anos. Aí começou essa história, eles me ensinaram as primeiras músicas, fui tocando as coisas que tinham possibilidade, em que eu decorava o lugar do dedo. E isso é fundamental para você começar a entender o instrumento, que é um desconhecido total. A gente estuda o instrumento a vida inteira e ele continua um desconhecido, pois é infinito. Foi muito legal eu ter tido o suporte deles no começo, e depois em Juiz de Fora comecei a estudar na Pró Música com o Amaury, que era o baixista do Soma, uma banda de baile de Juiz de Fora. Ele tinha um ouvido muito bom, e estudei também com o César Tabet teoria musical. César foi um grande mestre para mim, me ensinou a ler música, eu era um analfabeto completo musical. Ele é uma pessoa maravilhosa pela qual tenho um carinho enorme.

Daniela: Você passou pelo conservatório?

Dudu Lima: Não. Eu perguntei ao César: - eu quero saber quando o acorde é aqui, o que ele fala. Daí ele falou que eu tinha que estudar harmonia, então fui. O Sylvio Gomes, maestro da Orquestra de Jazz da Pró Música, iria dar um curso em Juiz de Fora em 1988, foi a primeira ida dele para Juiz de Fora. Só que ele deu três aulas nesse curso e teve que parar por um motivo profissional, daí fui para o Rio estudar com o Ian Guest. Fiz escola de harmonia, tive aulas com vários professores, entre eles o Estevão Teixeira, estudei com o Adriano Gifoni, aprendi com ele sobre ritmos brasileiros, ele é um especialista. E em Juiz de Fora tive a oportunidade de tocar com músicos da pesada que considero os mais importantes como o Big Charles, Toninho Oliveira, Goianá. Então eu novo tocando com eles, e eles tinham muita paciência comigo. O Big me ensinou muito, o Fofinho.

Daniela: O Big é meio pai de todo mundo né?

Dudu Lima: É, pai de todo mundo. Juiz de Fora me deu essas oportunidades e principalmente o Jazz Club, eu devo a minha vida musical ao Jazz Club e falei com o Big que deveria ser feito um documentário sobre o Jazz Club. Nós tínhamos 15, 16 anos e eles deram abertura para a gente tocar lá. Eu tinha uma data toda semana lá. Eu tocava com o Fabiano, e o Fofinho era o baterista. O Fofinho é outro cara fundamental na minha vida, montou lá em casa as tumbadoras. O Fofinho tinha muita experiência musical, um dia levou uma pilha de vinis para gente ouvir, montou a tumbadora e começou a explicar tudo, “ _ a onda samba é aqui, você tem que ouvir isso, o swing é aqui e tal”... Eu tive então essa sorte.

Daniela: O Fofinho é um intuitivo né?

Dudu Lima: Claro, mas com uma cultura musical enorme. Falava:- “agora vamos ouvir a faixa três do lado dois, ali tem um solo”. Fofinho tem uma cultura musical impressionante. Então essa coisa fomentou e lá no Jazz Club tínhamos contato com o Nico Assunção, Arthur Maia, a Joyce, a Joyce dando canja com o Toninho Horta, depois do show no Teatro Solar, nunca mais esqueci. Ali que aconteceu mesmo.

Daniela Eu estava nesse show da Joyce, eu tinha 14 anos na época. Me lembro que o show demorou pracaramba para começar, se me recordo eles tiveram um problema com o acerto do som e tal...

Daniela: Nessa época você já estava com o baixo acústico?

Dudu Lima: Eu comecei a tocar o contrabaixo acústico em 91, por influência do Mauro Continentino. O Mauro mudou para Juiz de Fora e nós começamos a tocar de duo. Um dia ele levou um baixo acústico e falou: “-Nós temos agora um show de duo daqui a uma semana, você de baixo acústico e eu de piano”. E falei então tá bom, muito obrigado (risos). Eu tinha estudado um pouco de baixo acústico, mas não tocava. Tinha os princípios técnicos, mas a gente sabe que tem que viver com o instrumento o dia inteiro. Mas foi legal pois ele me deu uma agulhada, entrei de cabeça, fiz o show e me envolvi com o baixo acústico num amor assim pleno... é um instrumento fundamental na minha vida musical hoje. Me lembro bem que o Fofinho ficava no case do meu baixo elétrico, ele gostava de tomar uma cachacinha, com a feijoada, imitando no meu case o baixo acústico e dizendo: “- Você tem que tocar isso aqui, baixo acústico”.

Daniela: E o acústico te dá uma possibilidade muito maior de inserção no jazz né?

Dudu Lima: Ah claro. O elétrico também tem, mas no acústico estão as raízes, a madeira, a coisa orgânica, a origem realmente. Eu adoro o elétrico também, mas o acústico tem essas possibilidades todas.

Daniela: Você fez direito né?

Dudu Lima: Pois é, me formei em direito, sou bacharel em direito. Minha mãe, que foi uma figura muito inspiradora na minha vida, tinha o sonho de entrar na igreja comigo. E ela estava adoentada, realizei isso para ela. E foi legal porque ainda toquei no baile da minha formatura.

Daniela: E você conseguiu compatibilizar bem?

Dudu: Consegui compatibilizar na medida em que o direito me serve às vezes para contratos e tal. E vou te falar, o direito como ciência é muito bacana. Foi um estudo interessante, mas na prática ele é todo distorcido.

Daniela: Sueli Costa também fez direito e largou no último período.

Dudu: Sim, eu convivi muito com o Afrânio, irmão dela. Toquei muitos anos com o Afrânio, eles são uma família musical pracaramba. A mãe deles, Dona Maria, nem se fala.

Daniela: Pois é, Telma, Lisieux, dona Maria Aparecida, grande família. Em geral o contrabaixo vem como um instrumento que acompanha, compõe a banda. Seu contrabaixo mostra uma autonomia, como se ultrapassasse os limites do som do próprio contrabaixo.

Dudu: Uma coisa interessante, O Paulo César Barros, que é um baixista da pesada que tocou com Renato e Seus blue Caps, me deu uma fita de vídeo do Jaco Pastorius e falou: “-Vê isso aí garoto”. Eu ficava vendo aquilo, não entendia nada do que estava acontecendo, mas sabe que aquilo ali foi talvez a coisa mais determinante na minha vida. Eu pensava, queria entender isso um dia, só entender, tocar nem pensava.

Daniela: Você explora muitas sonoridades, às vezes seu contrabaixo é uma guitarra, um violão...

Dudu: O Pastorius me inspirou para trilhar esse caminho, ouvindo aquilo ali eu tive a audácia de pensar que eu também poderia adentrar nesse universo. E entrei de corpo e alma. Foquei meu trabalho autoral nesse desenvolvimento do contrabaixo, pensando nesse lado, como para expressar as idéias né? E fico muito feliz de fazer disso que era um obstáculo na minha cabeça, tornar-se uma coisa concreta. Uma sonoridade que busca uma outra coisa que a gente não sabe nem qual é. E não pode parar nunca, a música não te espera, ela é uma mulher ciumenta (com todo respeito ao sexo feminino, risadas) e te exige o máximo. É muito bom poder tocar.

Daniela: Você é um músico que transita muito pelo instrumental e que ao mesmo tempo interage com o público. Isso é lindo.

Dudu: Sempre pensei que o jazz não precisa de ser essa coisa hermética. Isso eu aprendi muito no meu trabalho com o Stanley Jordan. Foi fundamental isso, eu sempre percebi essa necessidade de interação. Ele tem muito isso, já tocou nas ruas. Desde o nosso primeiro contato, em 2001, fazemos agora a décima tourné juntos. Eu aprendi muito com ele, essa energia, esse respeito ao público não para conquistar e fazer merchandizing, mas um respeito genuíno pelo público. Como você está tão feliz tocando, vamos deixar todo mundo feliz, não vamos guardar isso. A gente tem um presente e tem que distribuir. Ele tem um carisma e sou admirador disso, percebi que esse carisma parte da verdade, tem que ser uma coisa verdadeira. Tem que ser você ali.

Daniela: Como está a recepção do jazz?

Dudu: Quando você está num Festival de Jazz como este aqui, teoricamente você já parte de um campo favorável. Você tem esse público e tal, mas de qualquer forma eu cheguei na verdade a conclusão de que é tudo igual. Uma vez tínhamos uma tourné patrocinada pela Companhia Força e Luz que começava em Manhuaçu, fizemos aquele circuito com o Fabrício Conde, que é de viola. Naquelas cidades pequenas: Leopoldina, Cataguases, Muriaé. Eu sei que a viola no interior mineiro tem um apelo total e saímos tranquilos com ele. Ali o trabalho era o trio servindo de base para a viola, fizemos um disco com ele, a direção musical era minha. Ali era bacana, o trio servindo de base para a viola, depois surgiu o convite para fazermos um circuito nosso, só o trio. Daí chegando em Manhaçu (eu tenho o retrato), quando passamos o som de tarde, entraram quatro criancinhas do interior, pé sujo, shortinho. Numa certa altura acabou a música e elas disseram: - Moço a gente pode dançar? Estavam eu, Leandro Schio e Dudu Viana. Falei: - claro, pode sim. Aí mandamos mais um som, era Miles Davis, e um deles falou: - de noite eu posso trazer minha turma aqui? O Márcio Bahia, batera me falou uma vez uma coisa: “- Quando a criança gosta da música é porque ela é verdadeira, se as crianças ficarem tristes quando você começar a tocar, tem que mudar alguma coisa”. Isso é teoria Hermetiana, deles lá. Daí eu me lembrei disso, e nessa noite dos meninos estava lotado. Foi uma lição para mim. A emoção é universal do ser humano, então esse mito do jazz tem que ser quebrado. E o Stanley falava isso : “Pô bicho, quando eu tocava nas ruas de Nova York eu tinha que agradar a todos, agradar o cara que morava na rua, o executivo que estava indo trabalhar, a senhora que estava passeando com a criança, enfim, a todos os que passam por uma rua”.

Daniela: Quais são suas maiores influências? Tem alguma coisa que atualmente está te perturbando, afetando digamos de maneira positiva os ouvidos?

Dudu: Eu ouvi muito jazz, como te disse o Jaco Pastorius foi uma de minhas maiores influências, o trio do Bill Evans, Ron Carter, a música do Hermeto me influenciou bastante - tive o privilégio de tocar com o Jovino, que é pianista dele. Acho a cultura Hermetiana o maior berço, sem qualquer patriotismo exagerado. Jobim, choros, Villa Lobos, Waldir Azevedo.

Daniela: Eu ouvi você tocar lindamente o Trenzinho do Caipira, o seu contrabaixo reproduzindo o som da locomotiva.

Dudu: É uma influência grande do erudito, Bach. Apesar de eu não ser um músico erudito, sempre estudei muito o erudito, acho o erudito o maior estudo técnico que existe. Claro que você vai estudar outros estudos técnicos como Waldir Azevedo, Jacob do Bandolim, Pixinguinha, Hermeto Paschoal, Charlie Parker. Todos esses mestres me encantaram. E tenho ouvido muito uma baixista que se chama Esperanza Spaldi, uma baixista americana de 22 anos que toca muito, canta muito também, faz um trabalho de voz junto com o instrumento. É uma baixista fantástica e tenho ouvido muito o som dela, é uma das boas surpresas.

Daniela: Tenho visto grandes músicos acompanharem cantoras, como é o caso do Grupo Pau Brasil, que acompanha Mônica Salmaso.

Dudu: É da pesada, Mônica tem um trabalho incrível. Nelson Ayres, Rodolfo Stroeter, Paulo Bellinati.

Daniela: O contrabaixo do Rodolfo também imprime muita personalidade

Dudu: Pois é, e ele toca com a Joyce também.

Daniela: E você roda o mundo e ainda tem o ponto fixo em Juiz de Fora?

Dudu: Tenho e faço questão disso. Hoje eu tenho filho, mulher que moram em Juiz de Fora, e a vida tranquila de lá, a proximidade dos grandes centros, a facilidade de locomoção, tudo isso me atrai. Juiz de Fora te oferece uma qualidade de vida muito grande, em uma hora e meia pego o vôo. Vou, mas a minha casa ta lá em Juiz de Fora. Eu gosto de ter aquele porto seguro ali que me deixa em contato com as raízes. As raízes é que me fazem não esquecer do que me levou a querer fazer isso.

Daniela: Além do seu talento, você me chama a atenção por ser um músico que toca tanto em Montreux como no Bar do Salim. Parece que você não faz distinção, tipo, agora que já toquei na Europa não vou mais tocar nos bares de antigamente. Acho que você se preocupa é com a qualidade do que vai fazer no momento né?

Dudu: Isso. O Mauro Continentino sempre falava, tocávamos de segunda a segunda. As vezes a gente tocava num lugar que tinham duas pessoas e ele dizia: “- duas ou cem é a mesma coisa”. Não importa o lugar, importa o que você está tocando. O barato está em mim, não no lugar. Ele tinha um sonho: “- vamos comprar um caminhão e sair viajando, atacando pelos cantos”.

Daniela: Meio Caravana Roliday (risos)

Dudu: Com o trio consolidamos essa filosofia, moramos juntos, tocando, tocando, tocando. Aquele exemplo hermetiano de tocar 12 horas por dia com um calor de quarenta graus. Moramos juntos durante oito anos fazendo isso. É uma irmandade musical, o grande lance é o grupo.

Daniela: Agora para terminar fale do disco

Dudu: Esse disco se chama Ouro de Minas em homenagem ao Milton Nascimento e João Bosco. O Milton gravou Cafuné na cabeça malandro eu quero até de macaco, parceria dele com a Leila Diniz, que ele escolheu. João Bosco fez o Ronco da Cuíca e nós gravamos além dessas Corsário, Bala com Bala, do Milton Cravo e Canela, Fé Cega faca amolada

Um comentário:

figbatera disse...

Muito boa a entrevista; o Dudu tem uma vida inteira dedicada à sua arte.
É bom conhecer as lutas e o esforço de pessoas assim, talentosas e determinadas.
Abração!