segunda-feira, 30 de março de 2009

Levando a vida a cantar



Eu gosto de ser mulher
Que mostra mais o que sente
O lado quente do ser
E canta mais docemente.
Antônio Cícero



Hoje faço trinta e quatro anos, e nesse momento sozinha em frente a tela branca, fria e incomunicável do computador, me invadem os versos acalentadores de uma canção da Joyce: “Vontade de rever amigos/ os gestos de sempre, a risada em comum/Contando as histórias e os casos antigos/As músicas novas/Sem moda, sem tempo nenhum”. Quatro da tarde, certamente não haverá tempo nem espaço para compartilhar um bolinho, um cafézinho, um maravilhoso banquete de sushis ou algumas taças de vinho. Hoje é dia dez de março, apenas.

Há duas semanas recebi um convite para escrever um texto sobre o tema Mulher, em virtude da comemoração do dia internacional da mulher. Tenho dificuldade para funcionar sob encomenda, tanto que faz três anos que devo a Heloísa Buarque um texto de duas laudas sobre Cacaso. Talvez por medo de não cumprir bem a tarefa, acabo me boicotando como se estivesse ainda atrelada ao contexto das obrigações escolares.

Elas são mulheres de 80, 90, 2000, como diz o diretor Daniel Filho no making off do recém lançado DVD revival do programa Mulher 80, realizado pela TV Globo e com excelente argumento de Luiz Carlos Maciel. Mulher 80 consistiu numa espécie de prolongamento em formato musical do seriado Malu Mulher, estrelado por Regina Duarte no vigor e beleza de seus trinta e dois anos.

Pois é Cecília, eu canto porque o instante existe, por isso nada melhor que preencher essa tarde revivendo o encontro único entre as cantoras Elis Regina, Marina Lima, Rita Lee, Maria Bethânia, Joana, Zezé Motta, Gal Costa e Fafá de Belém. Mulher 80 trouxe numa única apresentação tamanha carga de emoção e verdade, que ultrapassou os limites do tempo. “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”, mas essas mulheres no esplendor dos trinta anos, há três décadas, substancialmente se parecem com as balzaquianas atuais.

Mulher oitenta coloca em evidência questões que assolavam o universo feminino na entrada da década de oitenta. Uma nova mulher começava a ocupar o centro do palco, pronta para a batalha que é reconhecer sua singularidade de “ser feminino” e ao mesmo tempo se afirmar com personalidade num mundo eminentemente machista. As incertezas, os sonhos e os desejos dessas artistas estão sintetizados no que de mais elevado elas sabem fazer: cantar. Saudades do furacão Elis: “Eu não vejo graça em outra coisa como eu vejo graça em cantar. Nem ter filho é mais importante que cantar”.

Regina Duarte conduz a cena antológica em que todas as cantoras de mãos dadas saem do fundo do palco cantando em uníssono a tão apropriada Cantores do rádio, de Braguinha e Lamartine Babo: “Nós somos as cantoras do rádio/Levamos a vida a cantar/De noite embalamos teu sono/De manhã nós vamos te acordar”.O clima de descontração contagia as moças que parecem meninas. Na quadrilha musical Elis brinca com Rita Lee, que brinca com Fafá, que brinca com Marina, que brinca com Zezé, que brinca com Gal...

Cada cantora interpreta uma canção emblemática que muito diz de seu estilo e momento. Começar de novo (Ivan Lins e Vítor Martins), cantada por Simone, se tornou de certa maneira uma música-manifesto. A nova mulher, desejosa de liberdade, é retratada na letra de Vítor Martins que toca fundo na ferida: “Começar de novo e contar comigo/Vai valer a pena ter amanhecido/Ter me rebelado, ter me debatido/Ter me machucado, ter sobrevivido/Ter virado a mesa, ter me conhecido”.

A sensualidade desponta na ainda menina Marina Lima, de trancinhas e com um vestido curtíssimo decotado em tom pérola: “Eu gosto de dançar, gosto de vestir roupa apertada. Eu tenho corpo bonito, sei que tenho.”A voluptuosidade de Zezé Motta que canta numa levada sensual Pecado Original (Caetano Veloso), com a pele negra e brilhante recoberta apenas por uma fina camada de ceda colorida.

A força telúrica de Bethânia aflora num dos momentos mais bonitos do programa, quando interpreta Álibi de Djavan, acompanhada pelo primoroso violão de Rosinha de Valença. Me encanta ver e ouvir Bethânia, grave e serena: “Eu sabia que ia trabalhar no palco, e que ia ser do palco e que ia ter uma vida de artista hollywoodiana. No palco eu não tenho medo de nada. Sabe, o palco é uma coisa estranha pra mim até hoje, não sei como é o palco, é uma coisa maluca. Não é como minha casa não, não é como minha rua. Eu não tenho medo de morrer, não tenho medo de barata.”

Contudo o feminino em exacerbada apologia soa kitsch na interpretação excessiva de Fafá de Belém. É tudo tão over que fica cômico, olhares lânguidos, corpo que se contorce em gestos eróticos. Fafá parecia encarar sem conflitos o papel de gordinha sexy.

Elis linda com uma orquídea lilás nos cabelos, nossa Billie canta, canta, canta, canta. Sempre densa, inquieta, incisiva: “Eu sou uma pessoa altamente insegura, eu não agüento a minha insegurança. Você acha que eu sou homem o suficiente pra me encarar bicho? Sozinha com um terapeuta? E depois eu vou ficar segura, de repente eu não canto, olha a minha insegurança”.

O telefone toca, é minha mãe: - Filha, comprei pra você de aniversário o cd de uma cantora que você vai adorar.... Lá vou eu nessa estrada infinita....

2 comentários:

figbatera disse...

Oi Dani,
primeiramente, meus parabéns pelo seu aniversário - dia foi mesmo?
Belo texto! Esse DVD deve ser mesmo maravilhoso; vou providenciar a compra.
Um abração!

ps.: quem é "Cecília"?

Claudio disse...

Belo texto!! adoro Bethânia também...mas na verdade estou escrevendo porque ouvi o seu lindo cd cantando Sueli Costa...aonde posso encontrá-lo para comprar???