quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

O vôo intenso de Cristiane Visentin



Murilo Mendes em A idade do serrote disse que Juiz de Fora era um trecho de terra cercado de pianos por todos os lados. Muitos anos se passaram desde a manifestação do poeta, e nossa cidade ainda permanece com uma intensa vocação musical. Se os pianos não reinam mais absolutos e onipresentes por todos os cantos, eles dividem agora o espaço com flautas, violões, contrabaixos, baterias e vozes. Percorrer a história da música popular de Juiz de Fora é deparar com talentosos músicos, compositores e sobretudo cantores. Nossa cidade ultimamente anda ficando popular no cenário nacional pela quantidade de cantoras que tem lançado no mercado. Não se trata de novidade afirmar que as vozes femininas cada vez mais suplantam as masculinas no universo da MPB, os cantores em sua maioria são compositores que cantam, enquanto as cantoras prevalecem como intérpretes e em número consideravelmente maior.

Adolescente em meados de noventa, eu começava a dedilhar os primeiros acordes e arriscar a interpretação de algumas canções na solidão do meu quarto, enquanto borbulhavam pela cidade as cantoras Raquel Silvestre, Miriam Alvarenga, Tânia Bicalho, Cristiane Visentin, Rosana Britto, Marcela Lobbo e Isabella Ladeira. Essas vozes singulares dividiam o cenário local e não faltava espaço para o bom gosto, ousadia e originalidade. Não conferi o trabalho de todas na época, mas não deixava de ler as matérias divulgadas nos jornais e na televisão.

Mais de uma década se passou, e ao ouvir nesse instante “Bird in Blue” resgato a emoção indescritível que me tomou quando vi e ouvi Cristiane Visentin pela primeira vez: “Tudo que estava em minhas mãos voou e o pássaro do amor também não quis ficar/não quis”. Numa tarde de domingo, na Praça Jarbas de Lery Santos, uma multidão aguardava a chegada da cantora Cristiane Visentin acompanhada pelo guitarrista Salim. Um círculo médio delineado com pedras portuguesas no chão delimitava o palco improvisado, em que adentra inquieta uma moça muito bela de longos cabelos louros e cara de “anjo sapeca”. “Eu já estou com o pé nessa estrada/qualquer dia a gente se vê”, Cristiane canta visceralmente a canção de Milton Nascimento, que anunciava sua sede de cantar movendo o dom pelas estradas da vida. Impossível ficar indiferente diante de uma performance marcadamente intensa, que na voz trazia uma mistura rara de contrastes acentuados pela fusão aparentemente dicotômica e absolutamente harmônica entre suavidade e acidez, inocência e densa carga emocional-existencial. Cristiane Visentin cantava com tamanha entrega como se aquela fosse sua última tarde, a movimentação do corpo pleno de sonoridades, pulsava na recepção de cada nota entoada pela guitarra de Salim. A falta de acomodação e o calor excessivo não impediu que idosos se misturassem a jovens e crianças e permanecessem atentos até o final da última música. Minhas impressões hoje soam difusas mediante o transcorrer de longo tempo, mas não se apaga o quadro composto pela imagem dos raios luminosos incidindo sobre os cabelos de Cristiane, enquanto ela exasperava como uma cantora negra aos moldes de Bessie Smith: “Desde os meus onze anos que escuto Etta James, Sarah Vaughan e Ella Fitzgerald”.

A força interpretativa é uma das características mais evidentes no canto de Cristiane Visentin. A voz poderosa, acentuada pelo vigor de um timbre único, revela uma articulação perfeita que não dispensa uma sílaba, uma nota. Compositora, instrumentista e arranjadora, essa artista tem o dom de transformar simples canções em verdadeiras pérolas. Que habilidade tem essa cantora para transitar entre uma variedade de gêneros sem jamais perder o alento de sua identidade. Dia desses ouvi-a cantando uma canção de Michael Jackson tão lindamente que chegou a superar a interpretação do próprio. Essa é a Visentin, frase que ela mesma afirma entre gargalhadas escancaradas que acompanham o constante inclinar da cabeça para trás.

Como intérprete e compositora, Cristiane Visentin percorreu uma imensa variedade de festivais no Brasil, obtendo inúmeros primeiros lugares. Realizou espetáculos inesquecíveis dedicados a obra de Sueli Costa e Fátima Guedes: "Meu trabalho se enriqueceu muito com a atenção de Cristiane Visentin", além de cantar acompanhada por músicos de peso como o guitarrista Victor Biglione e o baterista Téo Lima . A vivência por dez anos nos Estados Unidos se efetuou como uma espécie de continuidade e amadurecimento do percurso construído no Brasil, em que a artista pode assimilar com propriedade a influência da música composta pelos negros jazzistas americanos: “Cantei com os velhos do jazz, cantei nas esquinas de New Orleans em momento do show de Norah Jones... aquelas coisas de quem não perderia nenhuma oportunidade.”

Ouvir Cristiane Visentin é ficar diante de uma artista completa, “beleza bonita de ver”, já dizia Fernando Brant. Retomo mais uma audição de “Bird in Blue”, o indecifrável e inquieto pássaro do amor. Essa é a Visentin, diria ela entre cargalhadas.

3 comentários:

Unknown disse...

Não tenho nem palavras. Mesmo depois de ser compositora e saber escrever bem. Meu português anda meio arcaico por ter falado inglês e convivido com eles, mas isso não é desculpa, pois brasileiro é brasileiro, mas infelizmente a gente se mistura e finalmente nos vemos perdidos na torre de babel.
Muito obrigada pela crônica tão bem escrita e difundida. Sou essa aí sim !sou essa !
Vc me conhece melhor do que eu a mim ! te amo de paixão e deixo toda a minha gratidão !
Cristiane Visentin em pessoa virtual e humana.

figbatera disse...

Eu preciso ouvir essa mulher...

Unknown disse...

Adorei..........foi di +.....deu uma saudadeeee...Imagina ouvir ao vivo?!!! Nova fã..Jane, bjs no coração, ta?!!