terça-feira, 14 de julho de 2009
Joyce e a banda da Irlanda
É sempre maravilhoso quando conseguimos encontrar aquele livro que nos prende da primeira a última página. Quando, tomados pela ansiedade proporcionada pela euforia de ir prosseguindo a leitura ininterruptamente, fechamos a última página com a confortável sensação de que valeu a pena. É sempre maravilhoso quando assistimos aquele filme que nos arrebata e saímos do cinema um pouco zonzos, tentando meio a contragosto desfazer a magia e retomar o contato com a “realidade”. É sempre maravilhoso ficar um tempo pensando no filme, que passa a ocupar grande parte de nossa atenção. Mesmo assim, esplêndido mesmo é encontrar aquele cd ou dvd musical que me faz mergulhar em minha mais pura essência, permitindo-me refletir sobre tudo o que penso, acredito, aspiro e amo em música.
Recordo-me que um dos últimos discos que mais me impressionou foi o do compositor inglês Elvis Costello. Um primor da primeira à última faixa. Jazz da mais alta categoria. Um disco ideal para ser ouvido acompanhado, de preferência por um ouvido/alma sensível que, junto, compreenda suas sutilezas, muitas sutilezas. Sônia, minha tia e mestra musical, quando me indicou o disco North, de Costello, disse que se eu encontrasse o ouvido certo, certamente iria, qual Cinderela, encaixar o pé no sapatinho. Quanto a isso, não houve controvérsias .
Há três dias não me desgrudo do dvd Banda maluca, da cantora e compositora Joyce, comprado na semana passada em Juiz de Fora. Sou fã de Joyce há muito tempo, exatamente desde quando, há quinze anos, papai levou-me ao Teatro Solar em Juiz de Fora, para assisti-la se apresentando ao lado de Toninho Horta. Eu, que começava a dedilhar meus primeiros acordes – experimentando a minha voz nas canções de Tom, João Gilberto, Chico Buarque, Caetano Veloso, Dorival Caymmi, Cazuza e por aí vai uma galera–, vi/ouvi aquilo tudo muito embevecidamente. Joyce cantava e dava o seu recado numa linguagem muito próxima da minha, que começava a aflorar. Foi um encontro epifânico.
Mesmo tendo a partir daí acompanhado toda a carreira de Joyce, esse dvd me proporcionou um encontro com meu passado-presente, talvez por eu estar neste momento totalmente envolvida com música, fazendo o meu primeiro disco. Banda maluca é um trabalho de altíssimo nível. Com 35 anos de carreira, Joyce é uma artista absolutamente madura – que sabe e faz o que quer. Isso porque, em toda a sua trajetória, Joyce nunca cedeu aos apelos comerciais. Sempre se guiou pelo caminho mais difícil, o da qualidade e aprimoramento permanente.
Assumindo cada vez mais o violão com total desenvoltura, trazendo-o como o único instrumento harmônico da banda, ao lado do contrabaixo, Joyce assina quase todas as composições. A banda dispensa comentários, a categoria dos metais que dialogam entre si e com a cantora, consiste num dos momentos mais fortes do show. Tutty Moreno, baterista, companheiro na vida e na arte, dá a dose certa quando mistura com a cantora a malemolência suingada, sua preciosa herança baiana, com a liberdade e sofisticação da levada jazzistica. Joyce interage com os músicos todo o tempo e no fundo assume-se como mais uma integrante da banda maluca, e nisso reside toda a riqueza e singularidade de seu trabalho: “Não fica muito claro se eu sou um instrumento tocando com eles ou se são as vozes deles tocando comigo”.
Emocionante também a participação do baterista e percussionista Robertinho Silva, que contagia a todos com sua alegria, leveza e talento. Vale destacar o Samba do Joyce, onde a artista brinca com seu próprio nome, associando-o ao do autor de “Ulysses” e Finnegans Wake, o irlandês que inventou o moderno romance. A canção foi composta em Dublin, terra de Joyce, o James. Num jogo carnavalesco, Joyce transporta Dublin para o universo brasileiro, a Lapa, o Rio de Janeiro de Noel e Martinho da Vila: “Samba/samba/quando James Joyce ouviu um samba/ samba/descobriu que a lapa era na Irlanda/ landa/ Molly Bloom virou Carmem Miranda/randa.... Resolveu sair atrás da banda/banda./O século XX é só muamba...”
Banda maluca é um trabalho totalmente sintonizado com o mundo-planetário de hoje. Joyce faz um dvd com músicos brasileiros, repertório essencialmente brasileiro, mas totalmente assimilável pelo público estrangeiro, que é o que mais a consome de fato. Joyce é uma e muitas, e com muita propriedade assume as rédeas de seu caminho sem perder o encanto de mulher forte-feminina: “Ô mãe me explica, me ensina, me diz o que é feminina?/Não é no cabelo, ou no dengo, ou no olhar, é ser menina por todo lugar./Ô mãe, então me ilumina, me diz como é que termina?”.
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